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pelos idealizadores da pátria brasileira.

A cidadania precisava, inversamente,

ser construída com frequência de forma

unilateral pelo Estado. Num caminho

repleto de percalços, o período imperial

testemunhará avanços no campo da

cidadania e na implantação de um Estado

de direito no Brasil, mas essas conquistas

se darão de maneira muitas vezes irregular,

num processo que a sociedade brasileira

ainda procura aperfeiçoar.

Mas ao dizermos que coube, sobretudo, ao

Estado brasileiro difundir uma concepção

de cidadania tributária do liberalismo

europeu, que se firmava como modelo para

as nações que se queriam civilizadas no

século XIX, não pretendemos insinuar

que o povo manteve-se inerte, sem nunca

esboçar qualquer reação no que tange à

defesa dos seus valores e interesses. Ao

contrário, a não adesão, e muitas vezes a

resistência, da população ao processo de

transposição para o Brasil de instituições e

normas legais inspiradas no jusnaturalismo

moderno, e postas em prática pelas

revoluções francesa e americana, assinala,

por outro lado, o seu apego a formas de

ordenamento social que, apesar de herdadas

do passado colonial, eram amplamente

aceitas na medida em que conformavam

um ideal de Justiça difundido. Dessa

forma, compreende-se o estranhamento

experimentado pelo povo diante de algumas

reformas modernizadoras de iniciativa do

governo imperial, que, orientadas pelos

princípios de racionalização e laicização

das relações entre Estado e sociedade

permeados das novas concepções jurídicas

de soberania e direitos subjetivos e

individuais, foram recebidas, não raro, com

violenta desconfiança.

A dificuldade de implantação no Brasil

de um Estado de direito moderno e

racionalizado, em que os direitos individuais

fossem plenamente assegurados, remete

em grande parte à conservação de

estruturas políticas, econômicas e mentais

remanescentes do período colonial.

No entanto, isto não significa que as

instituições jurídicas estabelecidas não

tenham sido instrumentalizadas pela

população ou que esta se mantivesse

totalmente ignorante e refratária aos

mecanismos estatais de justiça e às novas

ideias sobre a liberdade e os direitos do

homem. Desde o final do século XVIII,

podemos encontrar exemplos do recurso

das camadas populares à Justiça instituída,

como o crescente número de ações de

liberdade impetradas por escravos. Da

mesma forma, já no fim do período colonial

vemos o entusiasmo de uma parcela da

população diante dos novos ideais de

liberdade, igualdade e laicização da esfera

pública, naquela altura disseminados pela

França revolucionária, sentimento expresso

em alguns movimentos emancipatórios

e questionadores do ordenamento social

vigente, como a Conjuração Baiana de 1798.

No plano propriamente legal, destaca-se a

ausência de um corpo de leis pensado para

a realidade brasileira, vigorando desde

o começo do século XVII as Ordenações

Filipinas ao lado de inúmeras leis

extravagantes, cartas régias e de doação,

forais, alvarás e regimentos, voltados para a

adaptação do conjunto de normas jurídicas

ibéricas ao mundo colonial. Sobretudo

no âmbito do direito civil, parte das

Ordenações precisou ser mantida, durante

todo o Império, diante da dificuldade de se

elaborar um código civil próprio, projeto

que não sairia do papel antes do século XX.

Passando para a esfera administrativa,

o desligamento político de Portugal não

significou uma automática reestruturação

burocrática do novo país, conservando-

se, em grande parte, os antigos agentes

da Coroa em postos governamentais

importantes. Ao desempenharem um

poder administrativo não regulado por

normas rígidas, racionais e uniformes, esses

funcionários encontravam grande margem

para o exercício de arbitrariedades, em vista

da continuidade de práticas e instituições

vinculadas ao mundo colonial.

No contexto anterior à Independência,

sendo o regime político em vigor uma

monarquia absoluta, os direitos políticos

da população eram muito limitados. A

Constituição foi uma conquista que, em

Portugal, dependeu da mobilização da

burguesia liberal em torno das Cortes Gerais

Extraordinárias e Constituintes da Nação

Portuguesa, movimento que reivindicou a

volta de d. João VI ao país e a adoção da

monarquia constitucional. Animados pelos

mesmos propósitos, deputados das diversas

províncias do Brasil participariam das

discussões sobre uma Constituição para o

Império luso-brasileiro e, ao optarem pela

emancipação política, trariam esse debate