Edifício da Alfândega do Rio de Janeiro situado na rua Direita, hoje Primeiro de Março, em aquarela de Thomas Ender (1793-1875)
Edifício da Alfândega do Rio de Janeiro situado na rua Direita, hoje Primeiro de Março, em aquarela de Thomas Ender (1793-1875)

A instalação das alfândegas no Brasil remete aos princípios da colonização portuguesa. Já em 17 de dezembro de 1548, o regimento dos provedores de capitanias determinou a criação de alfândegas em cada uma delas, cabendo-lhes a arrecadação dos direitos sobre a entrada e saída das mercadorias. Peças essenciais para a política comercial da Coroa, esses órgãos constituíram-se nos principais instrumentos de arrecadação das rendas reais, funcionando, ainda, como uma espécie de tribunal, dado que o provedor também era o juiz de alfândega. Nesse sentido, a administração alfandegária portuguesa englobava as alfândegas marítimas, os portos secos (alfândegas terrestres) e os portos-molhados (alfândegas fluviais) (Hespanha, 1995, p. 232).

No período colonial, Salvador, sede do governo português na América, foi um dos primeiros lugares onde se instalou uma alfândega. Importante porto de exportação de açúcar e tabaco, além de se constituir, por longo tempo, no único entreposto de gêneros alimentícios e produtos manufaturados vindos de Portugal, no final do século XVI, Salvador era uma importante praça comercial e funcionava como uma metrópole colonial regional (Mattoso, 1978, p. 110).

O regimento do provedor-mor, de 17 de dezembro 1548, ordenava que nas casas das alfândegas existisse um livro de receita e despesa de rendimentos e outro com o registro do foral e regimento dos oficiais e outras provisões. Além disso, estabelecia que estas atuassem junto às provedorias da Real Fazenda.

A estrutura alfandegária variava em cada capitania e os funcionários poderiam ser vitalícios ou temporários (Buescu, 1984, p. 19). O regimento dos provedores de capitanias listava na composição das alfândegas os cargos de provedor, escrivão, almoxarife, porteiro, guarda e contratador. No “Alvará de regimento para as propinas e salários dos oficiais da Fazenda, Alfândega e Senado da Câmara da cidade da Bahia de Todos os Santos”, de 15 de abril de 1709, apareciam apenas, entre os oficiais, o provedor, o escrivão, o meirinho e o selador. No documento “Avaliações que se fizeram pelos conselheiros ministros deputados da Junta da Real Fazenda e Fisco Real mandadas cumprir pelo governo da Bahia em 31 de outubro de 1767…”, referente à Alfândega de Pernambuco, figuravam os cargos de escrivão da ementa, juiz da balança, escrivão da balança, feitor, guarda-mor e guarda da alfândega.

A descoberta do ouro e o consequente deslocamento do eixo econômico para o Centro-Sul do país provocaram o aumento de serviço nas aduanas e a ampliação na estrutura de algumas delas, levando ao crescimento do número de funcionários e à divisão em seções, chamadas mesas (Godoy, “Administração aduaneira, s.d., p. 10). Nesse contexto, as alfândegas tornaram-se autônomas em relação às provedorias e o Rio de Janeiro passou a ser o principal porto para escoamento do ouro e importação de mercadorias. Essa posição se acentuou entre o final do século XVIII e início do XIX, quando, mesmo com o declínio da produção aurífera, a economia colonial teve um período de prosperidade, com o crescimento das exportações e importações, o desenvolvimento da produção de subsistência, a grande importação de escravos (Arruda, 1980, p. 125; 1997, p. 98-100).

A transferência da corte para o Brasil e a abertura dos portos às nações amigas, ambos em 1808, intensificaram ainda mais o comércio internacional, resultando em medidas que visavam ao aprimoramento técnico e o estabelecimento de aduanas em capitanias onde essas não existiam. Uma dessas medidas foi a introdução do despacho por estiva, instituído na corte pelo decreto de 12 de abril de 1810, e na Bahia, Pernambuco e Maranhão, pelo decreto de 30 de janeiro de 1811, com a finalidade de “facilitar a pronta expedição do comércio nacional e estrangeiro, como para ser melhor e mais segura a arrecadação dos reais direitos”. Esse tipo de despacho agilizava a passagem dos navios no porto e conferia maior rapidez ao trabalho aduaneiro, desviando da alfândega a armazenagem de parte das importações (Cruz, 2009, p. 7). Com a Mesa de Estiva, passaram a existir duas formas de despacho, o das mercadorias de selo e o dos gêneros de estiva. As primeiras eram encaminhadas para Mesa de Abertura, onde eram conferidas e cobrados os impostos devidos. Os outros eram examinados, avaliados e descarregados em trapiches ou praias. Com base em estimativas de peso, quantidade ou volume, calculavam-se os impostos sobre os produtos (Cruz, p. 6-7).

Outra iniciativa de aperfeiçoamento foi a criação de diversos cargos nas alfândegas da corte, Bahia, Pernambuco, Porto Alegre, Maranhão, Pará, Ceará, Santos e Rio Grande do São Pedro do Sul. Dada sua importância comercial, a alfândega do Rio de Janeiro recebeu atenção especial, sendo alvo de diversas instruções concernentes à organização dos seus trabalhos, cabendo destacar as decisões n. 14, de 1812, e n. 37, de 1813. Ainda no Rio de Janeiro, foi criada em 7 de julho de 1818 a Mesa do Consulado, destinada ao despacho dos gêneros e ao pagamento dos direitos de 2% ou 3% sobre as mercadorias que se exportassem dos portos do Brasil.

Nesse período, foram instaladas ainda: a Alfândega e Inspeção do Algodão da vila de Parnaíba, no Piauí, em 22 de agosto de 1817; a Alfândega de Portos Secos da capitania de Mato Grosso, em 7 de agosto de 1818; a Alfândega do Espírito Santo, em 10 de janeiro de 1820, e a Alfândega de Natal, no Rio Grande do Norte, em 3 de fevereiro de 1820. Essas localidades possuíam relativa importância comercial, centrada na exportação de um produto, como o Piauí, onde a alfândega também realizava a inspeção do algodão, e outros na posição estratégica, como Mato Grosso, área de fronteira marcada pela ação do contrabando (Lenharo, 1982, p. 37).

Segundo o “Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1817”, a Alfândega da Corte era composta pelas seguintes seções: a Mesa Grande, onde ficavam o juiz, o escrivão, o tesoureiro, o administrador e os guardas; a Mesa de Abertura; a Porta Principal; a Mesa da Balança; a Mesa da Estiva e a Mesa da Descarga.

No período 1808-1822, não houve a sistematização de instruções para o funcionamento das alfândegas no Brasil, que eram regidas pelo foral da Alfândega Grande de Lisboa de 1587. As aduanas brasileiras só viriam a receber regulamento próprio dez anos após a independência, quando o decreto de 16 de julho de 1832 mandou pôr em execução o regulamento das Alfândegas de 25 de abril daquele ano.

Angélica Ricci Camargo
Ago. 2011

 

Fontes e bibliografia

ALFÂNDEGAS. In: MEMÓRIA da Receita Federal. Disponível em: https://goo.gl/bQur6v. Acesso em: 20 mar. 2008.

ALMANAQUE do Rio de Janeiro para a o ano de 1817. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 270, p. 211-370, jan.-mar. 1966.

ALVARÁ de regimento para as propinas e salários dos oficiais da Fazenda, Alfândega e Senado da Câmara da cidade da Bahia de Todos os Santos, de 15 de abril de 1709. Documentos Históricos, v. 80, p. 90-108, 1955.

AVALIAÇÕES que se fizeram pelos conselheiros ministros deputados da Junta da Fazenda, e Fisco Real, mandadas cumprir pelo governo da Bahia em 31 de outubro de 1767, e posteriormente derrogadas por portaria do governador e capitão-general marquês do Lavradio, ordenando se observassem ao futuro o que antes se praticava na lista de cargos da Alfândega de Pernambuco. Arquivo Nacional, Fundo Relação da Bahia, códice 539, v. 3, p. 26v.

ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980.

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BUESCU, Mircea. Organização e administração do Ministério da Fazenda no Império. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1984.

BULHÕES, Augusto de. Ministros da Fazenda do Brasil: 1808-1954. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1955.

CRUZ, Maria Cecília Velasco e. O porto do Rio de Janeiro no século XIX: uma realidade de muitas faces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 8, p. 1-18, ago. 2009. Disponível em: https://bit.ly/2GDsb10. Acesso em: 20 mar. 2008.

GODOY, José Eduardo Pimentel de. Administração aduaneira. In: MEMÓRIA da Receita Federal. Disponível em: https://goo.gl/7PYm3G. Acesso em: 20 mar. 2008.

______. Evolução do sistema aduaneiro. In: Memória da Receita Federal. Disponível em: https://goo.gl/HwmMBe. Acesso em: 20 mar. 2008.

______. Alfândega do Rio de Janeiro. Brasília: Secretaria da Receita Federal, 2002.

______. Breve memória histórica das alfândegas brasileiras. 2. ed. atual. Rio de Janeiro: Alfândega do Porto do Rio de Janeiro, 1996.

HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.

______. História de Portugal moderno: político e institucional. Lisboa: Universidade Aberta, 1995.

LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemeyer. Dos trapiches ao porto: um estudo sobre a área portuária do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1991. (Biblioteca Carioca).

LENHARO, Alcir. Crise e mudança na frente oeste de colonização: o comércio colonial de Mato Grosso no contexto da mineração. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 1982. (Ensaios, 1).

MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1978.

REGIMENTO de Antônio Cardoso de Barros, provedor-mor da Fazenda, de 17 de dezembro de 1548. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. v. 1. p. 91-98.

REGIMENTO dos provedores de capitanias, de 17 de dezembro de 1548. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. v. 1. p. 99-116.

ROSADO, Rita de Cássia S. de Carvalho. A cidade-porto e a alfândega provincial século XIX. História da Bahia: Revista da Fundação Pedro Calmon, Salvador, n. 8, ano 0, p. 8-12, dez. 2004.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_03 Alfândega da Bahia

BR_RJANRIO_2H Diversos SDH - Caixas

BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices

BR_RJANRIO_9I Série Fazenda - Tesouraria da Fazenda - Alfândegas - Etc. (IF3)

BR_RJANRIO_ON Afonso Pena

BR_RJANRIO_OD Alfândega do Pará

BR_RJANRIO_0K Casa da Moeda do Brasil

BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado

BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial

BR_RJANRIO_4O Ministério da Fazenda

BR_RJANRIO_KE Publicações Oficiais - Acervo Geral e Periódicos

BR_RJANRIO_9F Série Fazenda - Junta da Fazenda (IF7)

BR_RJANRIO_AX Série Marinha - Inspeção do Arsenal da Corte (V M)

BR_RJANRIO_B2 Série Marinha - Ministro - Secretaria de Estado (X M)

BR_RJANRIO_D9 Vice-Reinado

BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices

BR_RJANRIO_59 Negócios de Portugal

BR_RJANRIO_BX Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia

BR_RJANRIO_86 Secretaria do Estado do Brasil

 

Referência da imagem
Júlio Bandeira; Robert Wagner. Viagem ao Brasil nas aquarelas de Thomas Ender: 1817-1818. Petrópolis: Kappa Editorial. Arquivo Nacional, ACG01828

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período colonial. Para informações entre 1822-1889 e 1889-1930, consulte Alfândegas e Alfândegas.