Carta do litoral do Estado do Rio, do Cabo de São Tomé às ilhas Maricás, de autoria de João Teixeira Albernaz I, que ilustra o códice Razão do Estado do Brasil de 1612
Carta do litoral do Estado do Rio, do Cabo de São Tomé às ilhas Maricás, de autoria de João Teixeira Albernaz I, que ilustra o códice Razão do Estado do Brasil de 1612

O cargo de capitão-geral e governador das três capitanias de São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro foi criado em 2 de janeiro de 1608, quando esta região foi separada do distrito e governo da Bahia. Durante o período em que Portugal manteve-se sob a dominação espanhola (1580-1640), foram promovidas algumas mudanças na estrutura administrativa da metrópole e da colônia. Uma das alterações mais significativas foi a instalação do Conselho da Fazenda, em 1591, com o objetivo de centralizar a administração dos rendimentos reais, superintender o tráfico comercial e as armadas, recolher os créditos das riquezas ultramarinas e deliberar sobre as despesas de navegação e guerra. Posteriormente, foi estabelecido o Conselho da Índia, em 1604, ao qual competia a supervisão político-administrativa do Brasil, África e Índia portuguesa (Hespanha, 1994, p. 236; Salgado, 1985, p. 41; Wehling, 2005, p. 24). Na colônia, a modificação mais expressiva se deu com a instalação da Relação da Bahia, em 1609, prevista no regimento do governador-geral Francisco Giraldes de 1588.

Em relação à atividade legisladora do período, além da revisão e promulgação das Ordenações Filipinas em 1603, observou-se o estabelecimento de normas exclusivas para atividades produtivas coloniais, como os regimentos das terras minerais de 1603, 1613 e 1618, e do pau-brasil, de 1605, evidenciando uma preocupação maior com a organização e o controle administrativo. Outras transformações ocorreram no âmbito da organização territorial. Datam dessa época a conquista do Ceará, a expulsão dos franceses no Maranhão, a conquista da foz do Amazonas e o aumento do número de capitanias possuídas pela Coroa.

Antes da união entre Portugal e Espanha, a carta régia de 10 de dezembro de 1572 já havia dividido o Brasil em dois governos-gerais, um que ia da capitania de Porto Seguro até as regiões localizadas mais ao norte, cuja capital era Salvador, e outro se estendendo de Ilhéus até o sul, tendo como capital o Rio de Janeiro. Essa divisão, no entanto, teve curta duração, sendo extinta em 1577 (Ribeiro, 2006, p. 2).

Em 1608 a colônia foi novamente dividida em mais duas repartições, a “Repartição do Sul”, abrangendo as capitanias de São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, que vigorou até 1612, e o Estado do Maranhão, conservado por mais tempo, de 1621 a 1774.

Essencialmente, essa nova divisão foi ocasionada pela descoberta de minas e a necessidade de promover uma administração adequada de sua exploração e fiscalização, somada à importância crescente dos núcleos do Rio de Janeiro e São Vicente. A bibliografia sobre o assunto aponta, ainda, como fator que impulsionou a existência de um Estado separado, a força da atuação de Francisco de Sousa, governador-geral do Estado do Brasil entre 1591 e 1602, a quem coube o cargo de capitão-geral e governador das três capitanias (Sanches, 2005).

A carta patente e diversos alvarás de 2 de janeiro de 1608 definiram as atribuições do novo cargo. Assim, antes de tomar posse, o capitão deveria fazer pleito e homenagem da governança segundo uso e costume do Reino de Portugal. Após a posse, poderia passar alvará de perdão, em nome do rei, aos degredados que servissem nas minas e conceder mercês e nomeações de Cavaleiro Fidalgo, Moço de Câmara da Casa Real e Hábito da Ordem de Cristo para quem trabalhasse nas minas durante períodos determinados, prática comumente utilizada pela Coroa portuguesa com o objetivo de incentivar a busca do ouro ou recompensar aqueles que se destacassem nas guerras ou que a ajudassem financeiramente (Silva, 2005, p. 7). O capitão-geral e governador também ficaria encarregado de prover os ofícios de Justiça e Fazenda, enquanto o rei não o fizesse, e de organizar as atividades de administração das minas da região. Em 28 de março do mesmo ano, um alvará ampliou a competência do cargo, determinando a administração das minas de todo o Estado do Brasil.

A legislação não menciona outros cargos relativos à administração das três capitanias, apenas aqueles referentes ao trabalho nas minas e os vinte homens de guarda com os quais contaria o governador para sua proteção.

Após a morte de Francisco de Sousa, a Repartição do Sul foi extinta pela provisão de 9 de abril de 1612. No ano seguinte, o regimento das minas de São Vicente, de 4 de dezembro, encarregaria Salvador Correia de Sá da administração apenas das minas daquela região, contando com o auxílio de um letrado que servisse de ouvidor.


Angélica Ricci Camargo
Dez. 2013


Fontes e bibliografia

HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.

PORTUGAL. Carta patente de 2 de janeiro de 1608. Divisão das capitanias de São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro do distrito e governo da Bahia. Nomeação do governador, jurisdição deste, e comissão especial para exploração e administração das minas descobertas e por descobrir nas mesmas capitanias. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603-1612. Lisboa, p. 245, 1854. Disponível em: www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 2 de janeiro de 1608. Comutação de degredos para as mesmas que trata a carta patente supra. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603-1612. Lisboa, p. 246, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn3. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 2 de janeiro de 1608. Autorização ao governador das ditas três capitanias para conceder cem forosde Fidalgo. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603- 1612. Lisboa, p. 246, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn3. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 2 de janeiro de 1608. Autorização ao dito governador das três capitanias para conceder dezoito hábitos da Ordem de Cristo a pessoas que fizerem serviço na exploração e administração das minas. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603-1612. Lisboa, p. 246-247, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn3. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 2 de janeiro de 1608. Autorização ao dito governador para prover os ofícios de Justiça de seu distrito. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603-1612. Lisboa, p. 247, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn3. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 2 de janeiro de 1608. Autorização para concessão de quatro foros de Fidalgo. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603-1612. Lisboa, p. 247-248, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn3. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 2 de janeiro de 1608. Guarda do dito governador, e vencimentos respectivos. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603-1612. Lisboa, p. 248, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 2 de janeiro de 1608. Promessas de mercês ao dito governador, com certas condições. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603-1612. Lisboa, p. 249, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn3. Acesso em: 4 jun. 2008.

______. Alvará de 28 de março de 1608. Ampliação da jurisdição do governador das ditas capitanias, sobre minas, a todo o Estado do Brasil. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1603- 1612. Lisboa, p. 249, 1854. Disponível em: https://goo.gl/mMKUn3. Acesso em: 4 jun. 2008.

REGIMENTO das minas de São Vicente, de 4 de dezembro de 1613. In: VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil antes da sua separação e independência de Portugal. 7. ed. v. 1, t. 2. São Paulo: Melhoramentos, 1962. p. 136-137.

RIBEIRO, Mônica da Silva. Divisão governativa do Estado do Brasil e a Repartição do Sul. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, Anpuh-RJ, 12., 2006, Niterói. Anais… Disponível em: https://goo.gl/gE1sRw. Acesso: 8 jul. 2009.

SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

SANCHES, Marcos Guimarães. O Rio de Janeiro e a “Repartição do Sul” no período filipino: consolidação e expansão da colonização. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 166, n. 426, p. 105-146, jan./mar. 2005.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

WEHLING, Arno. O Estado no Brasil filipino: uma perspectiva de história institucional. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 166, n. 426, p. 9-55, jan./mar. 2005.

 

Referência da imagem

Diogo de Campos Moreno. Livro que dá razão do estado do Brasil. Cartografia atribuída a João Teixeira Albernaz I. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968. Arquivo Nacional, ACG02522