O cargo de chanceler-mor foi instituído pelo alvará de 22 de abril de 1808, que criou também o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, órgão superior da administração judiciária que se instalou no Brasil com a vinda da corte portuguesa naquele ano. Segundo esse alvará, haveria no Estado do Brasil um chanceler-mor que exerceria a mesma jurisdição que o chanceler do Reino, de acordo com o que fora estabelecido no seu respectivo regimento.
Em Portugal, o chanceler-mor desempenhava um papel central na administração régia, sendo sua principal atribuição selar e mandar publicar os diplomas legais emanados dos tribunais ou oficiais da corte, além de examinar todos os atos reais, com o objetivo de impedir que contrariassem as Ordenações ou o “direito expresso” (Hespanha, 1994, p. 484-485). Competiam, ainda, ao chanceler-mor outras importantes funções, como receber o juramento dos mais altos funcionários do Estado e julgar possíveis ilegalidades de suas ações. Deve-se ressaltar que as atividades do chanceler-mor eram também uma importante fonte de receita, já que se exigia o pagamento de direitos pelo cumprimento de muitas das funções dispostas (Portugal, 1998, p. 183-184).
Até o século XVI, o cargo encontrava-se associado ao de chanceler da Casa de Suplicação, sendo considerado como o “segundo ofício” desse órgão. No entanto, os dois cargos se tornaram autônomos, com seus respectivos regimentos, em 10 de outubro de 1534, sendo que um novo regimento da Chancelaria-Mor seria aprovado em 16 de janeiro de 1589. Também a partir do século XVI a Chancelaria Régia passaria a ser designada Chancelaria-Mor da Corte e Reino, época em que se estabeleceu o costume de o cargo de chanceler-mor ser ocupado pelo desembargador mais antigo do Paço (Portugal, 1998, p.183-184; Hespanha, 1994, p. 484-485).
No Brasil, o cargo de chanceler-mor não recebeu regulamentação além da que fora disposta no seu alvará de criação. Esse ato estabelecia, ainda, outros cargos administrativos sob jurisdição da Chancelaria: um escrivão, que serviria igualmente à Chancelaria das Três Ordens Militares; um porteiro e um recebedor, que atenderiam a ambas as chancelarias; um meirinho; um escrivão do meirinho, dois contínuos e um escrivão do registro (Hespanha, 1994, p. 484-485). A função de arrecadação para a fazenda real que a Chancelaria-Mor deveria desempenhar foi definida pelo alvará de 9 de maio de 1808, quando foram criados os ofícios de vedor e de superintendente dos novos direitos, referentes à cobrança do valor que os agraciados com mercês deveriam pagar segundo o cálculo estabelecido no “Regimento dos novos direitos”, de 11 de abril de 1661.
O alvará de 17 de junho de 1809, que instituiu o imposto do papel selado e das heranças e legados, a ser arrecadado na corte pela Chancelaria-Mor e nas capitanias e domínios ultramarinos pelas Juntas da Real Fazenda, criou, para esse recolhimento, mais um ofício de escrivão. Posteriormente, em 1816, dois decretos alteraram a estrutura da Chancelaria-Mor: o de 2 de março anexou ao ofício de levador das glosas o de revedor, e o de 22 de abril definiu um quarto lugar de oficial do registro.
Com a Independência, a Chancelaria-Mor do Estado do Brasil passou a denominar-se Chancelaria-Mor do Império, e uma série de novas medidas foram tomadas, como a lei de 22 de setembro de 1828, que extinguiu os tribunais das Mesas do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens e regulou a transferência de suas competências para diversos órgãos da administração pública. Segundo o parágrafo 9º dessa lei, transferia-se para o Supremo Tribunal de Justiça a atribuição de “conhecer dos recursos e mais objetos pertencentes ao ofício do chanceler-mor, em que intervinha a Mesa do Desembargo do Paço, à exceção das glosas postas em cartas, provisões e sentenças, que ficam abolidas” (Brasil, 1889, p. 49). Além disso, as sentenças e cartas em que o chanceler-mor fosse autor ou réu ficariam sob a responsabilidade do desembargador do Paço mais antigo no ofício, salvo nos casos de dúvidas ou glosas, quando elas seriam passadas pelo próprio chanceler-mor (Souza, s.d.).
A lei de 4 de dezembro de 1830 extinguiu a Chancelaria-Mor do Império e a Superintendência dos Novos Direitos, deslocando para diversos órgãos da administração pública imperial suas atribuições. O juramento dos funcionários, antes feito na Chancelaria-Mor, se daria no mesmo lugar em que tivessem de servir; a publicação das leis seria realizada nas respectivas secretarias de Estado; os embargos, apresentados perante a autoridade cujos atos tivessem de ser embargados; a Secretaria de Estado de Justiça ficava encarregada do grande e pequeno selo; e o Tesouro Nacional assumiu a receita dos velhos e novos direitos, do selo e do papel selado. Ficou ainda estabelecido que o ministro e secretário de Estado de Justiça seria o chanceler do Império.
Dilma Cabral
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1817. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 270, p. 211-370, 1966.
ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1825. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 291, p. 177-284, 1971.
BRASIL. Alvará de 17 de junho de 1809. Estabelece os impostos do papel selado e das heranças e legados. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v.1, p. 82, 1809. Disponível em: https://goo.gl/ycprWE. Acesso em: 30 ago. 2011.
______. Decreto de 2 de março de 1816. Anexa ao ofício de levador das glosas da Chancelaria-Mor ao de contador e revedor da mesma chancelaria. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 47, 1890.
______. Decreto de 22 de abril de 1816. Cria um quarto lugar de oficial do registro na Chancelaria-Mor deste Reino. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 49-50, 1890.
______. Lei de 22 de setembro de 1828. Extingue os tribunais das Mesas do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens e regula a expedição dos negócios que lhes pertenciam e ficam subsistindo. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 47, 1889.
______. Lei de 4 de dezembro de 1830. Extingue a Chancelaria-mor do Império e a Superintendência dos Novos Direitos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 68, 1876.
HESPANHA, António Manuel. História das instituições: épocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982.
______. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.
NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. Porto Alegre: Sulina, 1973.
PORTUGAL. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Guia geral dos fundos da Torre do Tombo. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1998.
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. O Judiciário no Brasil (XXIII). Disponível em: http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=36510. Acesso em: 13 jun. 2008.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_0Q Chancelaria-Mor
BR_RJANRIO_AG Série Justiça Chancelaria - Comutação de Penas e Graças - IJ3
BR_RJANRIO_2H Diversos SDH - Caixas
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_4K Mesa do Desembargo do Paço
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
Referência da imagem
Livro das primeiras leis, maio de 1808. Arquivo Nacional, Fundo Chancelaria-Mor, cód. 48, v. 1