O cargo de diretor dos índios foi criado em 3 de maio de 1757, com o objetivo de organizar a administração e o governo dos indígenas do Pará e Maranhão, sendo suas atribuições estendidas para todo o Brasil no ano seguinte, com o estabelecimento de diretórios em outras capitanias. Mais conhecido na historiografia como Diretório dos Índios, a instituição do cargo foi acompanhada de todo um conjunto normativo, fruto de um amplo programa de centralização e modernização do aparelho do Estado empreendido pelo conde de Oeiras, futuro marquês de Pombal, que ocupou o cargo de ministro do rei d. José I (1750-1777) a partir da segunda metade do século XVIII.
Desde o início da colonização brasileira, a questão indígena ocupou um espaço importante na legislação portuguesa, centrada, predominantemente, no tema da liberdade. A necessidade premente de organizar uma produção voltada para o mercado e acelerar o povoamento das terras recém-descobertas levou os colonos portugueses a dispor dos habitantes nativos como mão de obra para o cultivo da terra e para a defesa dos ataques e tentativas de invasão de outros países europeus.
Em razão disso, em 1570, foi publicada a primeira lei determinando a liberdade dos indígenas, que previu também os casos em que seriam permitidos o aprisionamento e o uso do trabalho compulsório, justificados pela guerra justa e pelo resgate. A primeira resultava das guerras entre portugueses e alguns povos indígenas, e era legitimada pela recusa à conversão à fé católica, pela prática de hostilidades e pela quebra de pactos estabelecidos. O resgate, por sua vez, compreendia o cativeiro dos índios salvos da morte (Perrone-Moisés, 1992, p. 123-124).
A essa lei seguiram-se inúmeras disposições que tentaram regular e restringir a escravização, constantemente desrespeitadas pelos colonos, em especial nas regiões mais pobres, que não dispunham de meios para comprar escravos vindos da África. Isso acabou gerando muitos conflitos com grupos de religiosos, que também utilizavam os indígenas como mão de obra para o sustento de suas missões.
Em 1663, uma provisão confiou a administração espiritual das aldeias aos padres da Companhia de Jesus e outras ordens religiosas, permanecendo os chefes indígenas responsáveis pela administração temporal. Além disso, determinou que as Câmaras Municipais elegessem, todos os anos, um repartidor que, junto com pároco da aldeia, assumiria a tarefa de dividir os indígenas entre os moradores para realização de serviços por tempo limitado e mediante o pagamento de um salário (Lobo, 1962, p. 435).
No final do século XVII, foram criadas juntas de missões em várias capitanias, subordinadas à Junta Geral das Missões, órgão consultivo instituído em Lisboa em 1655, destinado aos assuntos relacionados à propagação da fé nos domínios portugueses. A primeira junta criada foi na Bahia, em 1688, seguida da instalação de outras no Pará em 1701, em São Paulo em 1746 e no Rio de Janeiro em 1750. Voltadas para a resolução de conflitos e a proposição de medidas para as atividades missionárias, e para a ocupação do sertão, as juntas das missões eram formadas pelos governadores, ouvidores, provedores da Fazenda, bispos ou vigários-gerais e prefeitos das ordens religiosas das capitanias (Puntoni, 2002, p. 73).
Em dezembro de 1686, foi promulgado o Regimento das Missões, que determinou que os padres teriam, além do governo espiritual, a administração política e temporal das aldeias sob sua jurisdição, obedecendo às ordens e leis reais. Esse regimento também aboliu os privilégios dos jesuítas, transformou a forma de repartição dos indígenas para os serviços nas aldeias e entre os moradores, e criou dois lugares de procuradores dos índios, escolhidos pelo governador (Regimento…, 1983, p. 114-120).
Em meados do século XVIII, novas disposições transformaram a administração dos assuntos relacionados aos indígenas, procurando incorporar definitivamente essas populações (Puntoni, 2002, p. 286). A lei de 6 de junho de 1755 restituiu a liberdade aos índios, e, logo depois, a lei do dia 7 de junho excluiu os missionários do poder temporal da administração das aldeias.
Dois anos depois foi instituído o Diretório dos Índios, que, na prática, acabava com as missões e instituía um diretor para o governo das aldeias, que seria nomeado pelo governador-geral. Contemplando uma série de questões, o ato de criação dispôs sobre a inserção dos indígenas na “civilização”, que seria realizada de diferentes formas, como o ensino da língua portuguesa em escolas estabelecidas com tal finalidade, a adoção de nomes e sobrenomes portugueses, a construção de casas a partir do modelo europeu, a obrigatoriedade do uso de roupas e o incentivo ao casamento entre índios e brancos. Além disso, o Diretório dos Índios regulou a distribuição de terras para o cultivo, as formas de tributação, a produção e comercialização agrícola, as expedições para coleta de espécies nativas e a prestação de serviços nos povoados.
Aos diretores cabiam a supervisão e a fiscalização dessas medidas, sobretudo as que compreendiam a produção econômica resultante do trabalho remunerado realizado pelos indígenas e a comercialização de sua produção agrícola e extrativa. Também eram encarregados de distribuir postos honoríficos e títulos aos índios que desempenhassem eficientemente os cargos públicos, bem como zelar pelos costumes, impedindo que as famílias vivessem em promiscuidade, entre outros pontos.
O Diretório dos Índios expressava, portanto, três importantes preocupações da Coroa, que consistiam no estabelecimento das populações indígenas em unidades populacionais fixas, de forma a proteger o território colonial; sua incorporação ao modelo de “civilização” europeu, pautado no trabalho; e, por fim, a introdução e o fortalecimento da autoridade metropolitana (Coelho, 2007, p. 33).
Na prática, os diretórios enfrentaram diversos problemas ocasionados pelos abusos de poder dos diretores, pelo desvio das normas que estabeleciam o período de seis meses de prestação de serviços dos indígenas nas vilas, e pelas excessivas jornadas de trabalho, que provocavam mortes e fugas, acarretando prejuízos e o fracasso da experiência (Almeida, 1997, p. 236, 244, 344). Todos esses fatos contribuíram para a extinção dos diretórios pela carta régia de 12 de maio de 1798.
Angélica Ricci Camargo
Set. 2013
Fontes e bibliografia
ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos Índios: um projeto de “civilização” do século XVIII. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997.
COELHO, Mauro Cezar. A construção de uma lei: o Diretório dos Índios. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 168, v. 437, p. 29-48, out.-dez. 2007.
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Processo administrativo ibero-americano: aspectos socioeconômicos – período colonial. São Paulo: Biblioteca do Exército, 1962.
MELLO, Márcia Eliane Alves de Souza e. Conflito e jurisdição na constituição das juntas das missões no Atlântico português (séculos XVII-XVIII). In: CONGRESSO INTERNACIONAL ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME: PODERES E SOCIEDADES. Actas... Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2005. Disponível em: https://goo.gl/NJRXKW. Acesso em: 24 maio 2012.
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; Fapesp, 1992. p. 116-132.
PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão do nordeste do Brasil (1650-1720). São Paulo: Hucitec; Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2002.
REGIMENTO das missões do Estado do Maranhão e Pará, de 1º de dezembro de 1686. In: BEOZZO, José Oscar. Leis e regimentos das missões: política indigenista no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1983. p. 114-120.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_4A Junta da Real Fazenda da Capitania do Pará
BR_RJANRIO_NP Diversos Códices da Antiga SDH
Referência da imagem
Carlos Julião. Riscos iIluminados de figurinhos de brancos e negros dos uzos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Oficinas de Sedegra Sociedade Editora e Gráfica Ltda., 1960. Arquivo Nacional, ACG 06370