O Erário Régio, também chamado de Real Erário, Real Fazenda, Tesouro Público ou Tesouro Geral, foi criado no Brasil pelo decreto de 11 de março de 1808, com a nomeação de seu presidente, d. Fernando José de Portugal que exerceu o cargo junto aos de ministro e secretário de Estado dos Negócios do Brasil e de ministro assistente do despacho do Real Gabinete. Meses depois, o alvará de 28 de junho determinou novamente o estabelecimento do órgão, definindo maiores detalhes sobre seu funcionamento e decretando que por meio dele, em conjunto com o Conselho da Fazenda fossem expedidos todos os negócios pertencentes à arrecadação, distribuição e administração da Fazenda Real do continente e domínios ultramarinos.
Em Portugal, o Erário Régio foi estabelecido pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, que extinguiu a Casa dos Contos, instalada entre os séculos XIII e XIV. A Casa tinha como competência administrar a economia do reino, reunindo os documentos e contas relativas aos rendimentos e receitas da Coroa e às despesas públicas, estando dividida em duas repartições: Contos de Lisboa, dedicada ao cuidado das contas do reino, e Contos d’El-Rei, encarregada das contas da Casa Real, fundidas em 1560. Ainda no século XVI, no processo de consolidação do poder real e de separação das funções administrativas, receberam regulamentação os vedores da Fazenda, responsáveis pelo controle de todas as contadorias, exceto a de Lisboa (Cunha, s.d.). Aos vedores cabiam o trato da Mina e da Índia, o resgate, as armadas, a superintendência da venda e despacho de mercadorias, a administração das rendas e direitos, a fiscalização dos livros de contratos, o provimento dos livros de contas e entregas, a manutenção da disciplina dos oficiais da Fazenda e a fiscalização das lezírias, pauis e obras dos paços reais e das fortalezas.
Em 1591, durante o período da dominação espanhola, os vedores foram substituídos pelo Conselho da Fazenda, que era dividido nas seguintes repartições: a do Reino; as da Índia, Brasil, Mina, Guiné, São Tomé e Cabo Verde; a das conquistas de África, também responsável pela Casa dos Contos e distribuição das terças; e a das ilhas de Açores e Madeira, que tinha ainda a seu cargo os mestrados e ordens militares. Sua principal finalidade era a superintendência do tráfico e armadas, sendo-lhes subordinadas a Casa dos Contos, as alfândegas e a Casa da Índia. Em 1627, o alvará de 3 de setembro deu novo regimento à Casa dos Contos, a fim de centralizar a contabilidade do reino e domínios (Salgado, 1985, p. 37-41).
A Casa dos Contos foi extinta durante as reformas administrativas empreendidas por Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras, depois marquês de Pombal, que foi ministro durante o reinado de d. José I (1750-1777). Inspiradas nas ideias absolutistas, essas mudanças tiveram como objetivo a recuperação da economia portuguesa e basearam-se nos pressupostos de centralização e modernização do aparelho de Estado. Em relação à administração fazendária, as transformações caracterizaram-se pela preocupação com o sistema fiscal, a especialização de funções e órgãos, o aumento da produtividade, o combate ao contrabando e a renovação dos métodos contábeis e de supervisão. Nesse sentido, a instalação do Erário Régio, juntamente com a mencionada extinção da Casa dos Contos, reforçou a centralização das finanças do reino e domínios, processo que seria incrementado com a criação de juntas de Fazenda nas capitanias dos territórios pertencentes a Portugal, subordinadas diretamente ao Erário. Ainda nesse contexto, o Conselho da Fazenda transformou-se em tribunal de jurisdição voluntária e contenciosa, competindo-lhe julgar as causas relativas à arrecadação de rendas e bens e direitos da Coroa, continuando sob sua subordinação os armazéns de Guiné e Mina e a Casa da Índia ( Salgado, 1985, p. 45).
A ênfase dada às atividades de controle e vigilância do sistema financeiro estava ligada à emergência de novos princípios administrativos, que se pautavam pela promoção do bem-estar social, na linha de pensamento da ‘ciência da polícia’. A configuração de um poder de Estado, e não mais da Coroa, demandava um novo conjunto de requisitos, técnicas e recursos, o que justificava o processo de reformulação da administração (Cunha, s.d.; Subtil, 1993, p. 173). De fato, o alvará que criou o Erário determinou também a concentração da arrecadação, que antes estava separada em diversos órgãos, ordenou uma fiscalização mais ostensiva das repartições e deu instruções relativas aos procedimentos de arrecadação, realização de pagamentos e balanços. O método adotado, o das partidas dobradas, obrigava a uma descrição detalhada das receitas e despesas, devendo os livros de contabilidade registrar do lado esquerdo as entradas e, do direito, as saídas de dinheiro, o que possibilitava o acompanhamento do saldo a cada dia. Além disso, iniciou-se a utilização de novos tipos de registros, como a folha de caixa (diários), os balancetes (livros mestres) e os movimentos de receita e despesa (livros auxiliares) (Subtil, 1993, p. 173-174).
O Erário era dirigido por um inspetor-geral, também chamado de presidente, que era lugar-tenente do rei, cargo que foi exercido pelo secretário de Negócios do Reino, o conde de Oeiras, até 1777. Era composto por uma tesouraria-geral e quatro contadorias, encarregadas de gerir as rendas e despesas, que seriam divididas entre as áreas que abrangiam os territórios portugueses na África, América e Ásia.
O órgão sofreu inúmeras alterações em sua estrutura, na tentativa de dar conta das constantes exigências impostas pelas finanças públicas de um país com extensos domínios coloniais. Dentre os atos mais relevantes, sobressai o alvará de 14 de outubro de 1788, que elevou o Erário Régio à categoria de secretaria de Estado e nomeou seu presidente e inspetor como ministro e secretário de Estado da Repartição da Fazenda. Nesse mesmo ano, o alvará de 5 de junho estabeleceu que o presidente do Erário Régio seria o inspetor da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação Em 1790, o alvará de 17 de dezembro uniu o Conselho de Fazenda ao Erário Régio.
No Brasil, apesar da nomeação do presidente do Erário em 11 de março, a decisão n. 5, de 23 de março de 1808, ordenou que a Junta da Real Fazenda do Rio de Janeiro continuasse a exercer suas atribuições até a instalação efetiva do órgão, com exceção dos despachos para pagamento dos papéis correntes da despesa ordinária ou extraordinária da capitania, da entrega de dinheiro aos tesoureiros e recebedores particulares da Real Fazenda e da execução de ordens executórias para as entradas, por serem da jurisdição do Erário Régio. O estabelecimento do Erário e do Conselho de Fazenda e a consequente extinção da Junta da Real Fazenda do Rio de Janeiro se deram somente pelo alvará 28 de junho de 1808.
Este mesmo alvará definiu também a organização e seus procedimentos administrativos, assim como o regime de administração da economia da Casa Real, do Exército e da Marinha, determinando ainda que se seguissem várias disposições e outros regulamentos dados ao órgão em Portugal. A criação do Erário Régio significou ao mesmo tempo a extinção da jurisdição voluntária e contenciosa exercida pelas Juntas da Real Fazenda.
Diferente de Portugal, o Erário no Brasil estava dividido em Tesouraria-Mor, Mesa, três Contadorias-Gerais e uma Tesouraria-Geral dos Ordenados, Pensões, Juros e Tenças. A Mesa do Erário era composta pelo presidente, pelo tesoureiro-mor e por um escrivão. A Tesouraria-Mor tinha em sua estrutura o tesoureiro-geral, dois segundos-escriturários, dois terceiros-escriturários, dois amanuenses, dois praticantes, três fiéis, um dos quais seria o pagador, um porteiro, seis contínuos e um escrivão da receita e despesa. Em 1811, foi criado mais um lugar de fiel na estrutura do Erário Régio.
Cada contadoria era composta por um contador-geral, um primeiro-escriturário, três segundos-escriturários, três terceiros-escriturários, três amanuenses e três praticantes. A decisão n. 26, de 29 de julho de 1808, acrescentou um oficial cartorário à sua estrutura. À Primeira Contadoria cabia fazer entrar no Erário e escriturar as rendas entregues pelos tesoureiros, almoxarifes, recebedores, administradores, provedores, fiscais, exatores e contratadores dos réditos e direitos reais da cidade e província do Rio de Janeiro. A Segunda Contadoria deveria encarregar-se da contabilidade e cobrança das rendas da África Oriental, Ásia portuguesa e governo de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Rio Grande de São Pedro do Sul, e das administrações e contratos que nele se compreendessem. A decisão n. 25, de 27 de julho de 1808, acrescentou às suas atribuições a escrituração e liquidação das contas das Alfândegas . A Terceira Contadoria tinha por finalidade a escrituração, contabilidade e fiscalização das rendas reais estabelecidas nos governos da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, Ceará, Piauí, Paraíba, ilhas de Cabo Verde, Açores, Madeira e África Ocidental, e das administrações e contratos neles compreendidos. A mesma decisão de 1808 atribuiu também a esta contadoria a escrituração e liquidação das contas da Casa da Moeda. A Tesouraria-Geral dos Ordenados, Pensões, Juros e Tenças, formada pelo tesoureiro e um escrivão da receita e despesa, tinha por atribuição a expedição das partes e o efetivo pagamento dos ordenados, pensões, juros e tenças, que tinham assento na Real Fazenda.
Além disso, o decreto de 5 de setembro de 1808 estabeleceu no Erário a Diretoria e Administração da Extração Diamantina, como existia em Portugal, com o objetivo de supervisionar os trabalhos de extração de diamantes no Brasil, composta pelo presidente do Erário, com mais três diretores, o tesoureiro-mor, o escrivão da Mesa do Erário e o contador-geral da Primeira Contadoria-Geral.
A preocupação em racionalizar a administração das finanças se expressou igualmente com a instituição, em 15 de julho de 1809, da Aula de Comércio da Corte, que já havia sido instituída em Portugal no contexto das reformas pombalinas e que, no Brasil, procurou se adaptar às especificidades das transações comerciais locais, tendo como objetivo formar negociantes e empregados públicos. Nesse sentido, a decisão n. 9, de 6 de maio de 1818, determinou que os amanuenses e praticantes admitidos no Erário Régio deveriam frequentar a Aula de Comércio para ter os conhecimentos primordiais de cálculo e método das transações, usados na arrecadação e distribuição da Fazenda e Fisco Real.
Outra medida importante foi o decreto de 3 de junho de 1809, determinando que o Erário administrasse e arrecadasse os rendimentos consignados às despesas públicas que estavam a cargo da extinta Mesas de Inspeção, e que não foram assumidos pela Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, instalada em 23 de agosto de 1808 . Em 17 de agosto do mesmo ano, o órgão passou a cuidar de outras atribuições que pertenciam à Mesa, como a administração e arrecadação do rendimento do equivalente do contrato do tabaco, do subsídio da aguardente da terra, dos direitos dos escravos de Angola, da venda e contribuição do sal e também da nova taxa do papel, da imposição de cinco réis em cada arrátel de carne verde, e da pescaria das baleias. Nesse contexto, à Segunda Contadoria coube a escrituração da cobrança do subsídio da aguardente, a do contrato do tabaco, a do imposto de cinco réis da carne verde e a da pesca de baleias; e à Terceira, a escrituração da venda do sal da Real Fazenda e a supervisão do recebimento dos direitos dos escravos, além da arrecadação da taxa ou selo do papel.
Antes da Independência, a estrutura do Erário sofreu algumas transformações, como o decreto de 22 de dezembro de 1819, que criou uma Contadoria-Geral das Colônias, para a escrituração dos fundos aplicados para o seu estabelecimento e as transações dos negócios tendentes à administração e arrecadação dos ditos fundos.
Em 1821, a decisão n. 19, de 21 de abril, determinou que o Erário Régio pagasse todas as pensões que antes se pagavam pelo Real Bolsinho, e o decreto de 9 de novembro, ordenou que o mesmo ocorresse com as pensões pagas por outras repartições. Foi também nesse ano, pela decisão n. 61, de 20 de setembro, que o órgão passou a se chamar Tesouro Público do Rio de Janeiro.
Apesar de tanto o decreto de 11 de março de 1808, que criou o Erário, quanto o de 6 de março de 1821, às vésperas da independência, definirem o presidente do Erário como ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, conforme os citados alvarás de 1788 e 1790, a legislação do período não é clara quanto a uma possível distinção institucional entre o Erário Régio e a Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda.
Dilma Cabral
24 out. 2011
Presidentes do Erário Régio / ministros e secretários de Estado dos Negócios da Fazenda (1808-1822)
Fonte: Martins, 2006, p. 427; Bulhões, 1955, p. 9; Vinhosa, 1984, p. 82.
D. Fernando José de Portugal (conde / marquês de Aguiar)
De 11 de março de 1808 a 30 de dezembro de 1816
Antônio de Araújo e Azevedo (conde da Barca)
De 30 de dezembro de 1816 a 21 de junho de 1817
João Paulo Bezerra de Seixas (barão de Itaguaí)
De 23 de junho de 1817 a 29 de novembro de 1817
Tomás Antônio de Vilanova Portugal
De 30 de novembro de 1817 a 6 de fevereiro de 1821
D. Diogo de Meneses (conde da Louzã)
De 26 de fevereiro de 1821 a 4 de julho de 1822
Fontes e bibliografia
BULHÕES, Augusto de. Ministros da Fazenda do Brasil: 1808-1954. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1955.
CUNHA, Alexandre Mendes. O lugar do cameralismo no pensamento econômico português: reflexões sobre sua influência na centralização das finanças do Reino na segunda metade do século XVIII. Disponível em: https://bit.ly/3gff2OR. Acesso em: 11 de jul. 2008.
MARTINS, Ana Canas Delgado. Governação e arquivos: d. João VI no Brasil. Lisboa: Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, 2006.
SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SUBTIL, José. O Ministério das Finanças (1801-1996): estudo orgânico e funcional. Lisboa: Ministério das Finanças, 1996.
______. Governo e administração. In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. v. 4: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Círculo de Leitores, 1993. p. 180-181.
______. O governo da Fazenda e das finanças (1750-1974). In: Secretaria Geral – Ministério das Finanças e Administração Pública. Disponível em: https://bit.ly/2TE2AOK. Acesso em: 11 jul. 2008.
VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira. Brasil sede da Monarquia: Brasil Reino (2ª parte). Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1984. (História Administrativa do Brasil, v. 8).
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_7W Real Erário
BR_RJANRIO_4O Ministério da Fazenda
BR_RJANRIO_99 Série Fazenda - Ministério da Fazenda (IF2)
BR_RJANRIO_EL Conselho de Fazenda
BR_RJANRIO_9E Série Fazenda: Real Erário e Conselho de Fazenda (IF1)
BR_RJANRIO_C2 Tesouro Nacional
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_2H Diversos SDH - Caixas
BR_RJANRIO_9A Série Fazenda - Tesouro Nacional (IF5)
BR_RJANRIO_9I Série Fazenda - Tesouraria da Fazenda - Alfândegas - Etc. (IF3)
BR_RJANRIO_9J Série Fazenda - Tribunal Tesouro Público Nacional e Procuradorias da Fazenda (IF8)
BR_RJANRIO_A8 Série Interior - Mordomia - Casa Imperial - Casa Presidencial (IJJ3)
BR_RJANRIO_0G Caixa de Amortização
BR_RJANRIO_1B Cofre dos Órfãos
BR_RJANRIO_1H Comissão Especial de Exame do Cofre dos Órfãos
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
BR_RJANRIO_EM Fazenda Nacional de Santa Cruz
BR_RJANRIO_EG Junta da Fazenda da Província de São Paulo
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_59 Negócios de Portugal
BR_RJANRIO_7T Provedoria da Fazenda Real de Santos
BR_RJANRIO_86 Secretaria do Estado do Brasil
BR_RJANRIO_8M Série Agricultura - Administração (IA2)
BR_RJANRIO_9B Série Fazenda - Casa da Moeda - Caixa de Amortização (IF6)
BR_RJANRIO_B0 Série Marinha - Intendência da Corte (VII M)
BR_RJANRIO_B2 Série Marinha - Ministro - Secretaria de Estado (X M)
BR_RJANRIO_B6 Série Marinha - Socorros de Marinha - Corpo de Fazenda (XVII M)
BR_RJANRIO_BX Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia
BR_RJANRIO_BY Tesouraria da Fazenda da Província de São Paulo
BR_RJANRIO_BZ Tesouraria da Fazenda da Província do Pará
Referência da imagem
Alvará de 28 de junho de 1808, Arquivo Nacional, Fundo Diversos Códices, cód. 980, v. 1, f. 42
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período colonial. Para informações entre 1822-1889 e 1889-1930, consulte Tesouro Público do Rio de Janeiro e Tesouro Público Nacional