Gravura da parte baixa de uma casa de ‘gente abastada’, incluída no álbum Brasil pitoresco, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret.
Gravura da parte baixa de uma casa de ‘gente abastada’, incluída no álbum Brasil pitoresco, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret.

As juntas de Justiça foram estabelecidas a partir de meados do século XVIII em diferentes capitanias brasileiras, sendo a primeira instalada em Mato Grosso, pela carta régia de 26 de agosto de 1758. Suas atribuições englobavam diversos aspectos, como o julgamento de processos, incluindo-se os crimes cometidos por militares, a observância das leis e a conservação da paz.

A administração da justiça foi uma das principais preocupações da Coroa desde o início da colonização. A carta de doação da capitania de Pernambuco a Duarte Coelho, de 10 de março de 1534, delegava ao governador e capitão donatário o poder de nomear um ouvidor, com competência para conhecer crimes e causas cíveis, além de presidir a eleição dos juízes ordinários e oficiais de justiça. Esse modelo inicial, no entanto, ia contra as características da administração portuguesa, que via na aplicação da justiça uma forma de centralização do seu poder. Assim, a partir de 1549, após a instalação de um governo central na colônia, foi criado o cargo de ouvidor-geral, para julgar os recursos dos ouvidores das capitanias e, dessa forma, exercer o controle sobre os poderes dados aos particulares (Salgado, 1985, p. 75-76; 125).

Em 1609, foi criada a Relação do Estado do Brasil, com sede na Bahia, que funcionava como tribunal de última instância na colônia, ao qual caberia a interposição de agravos e apelações à Casa de Suplicação de Lisboa. Posteriormente, a expansão territorial, o crescimento da economia e o aumento da demanda judicial, associados à ineficiência na administração da justiça, à necessidade de combater os abusos cometidos pelos juízes ordinários e pela justiça eclesiástica, bem como de facilitar o acesso à função jurisdicional, resultaram na instalação, em 1751, da Relação do Rio de Janeiro e, a partir de 1758, das juntas de Justiça (Lobo, 1962, p. 528).

A primeira junta de Justiça, estabelecida no Mato Grosso, era composta, no caso de julgamento de processos de réus militares, pelo governador e capitão-general, pelo magistrado mais graduado ou bacharel, que serviria de juiz relator, e pelos juízes dos autos, que seriam o mestre de campo comandante, o sargento-mor, o tenente-coronel, o capitão mandante e seu ajudante. Nos casos de réus paisanos, os juízes dos autos seriam três ministros de letras e três vereadores da Câmara.

Em 1765, o alvará de 18 de janeiro determinou que em todas as partes do Brasil onde houvesse ouvidores fossem formadas juntas de Justiça, compostas pelo ouvidor, que seria seu presidente e relator, e por dois adjuntos, que seriam ministros letrados ou bacharéis formados. Após a incorporação do estado do Maranhão, em 1774, o alvará de 4 de fevereiro de 1777 ordenou a instalação de uma junta para essa capitania e para a do Piauí, com uma estrutura um pouco diferenciada, já que contaria com cinco ministros letrados.

Por ocasião da transferência da corte para o Brasil, em 1808, a estrutura judicial foi reformulada, com a transformação da Relação do Rio de Janeiro em Casa de Suplicação, a criação de tribunais especializados, como o Conselho Supremo Militar e de Justiça e a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, além da instalação do Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens,  e a consequente extinção da junta de Justiça da cidade.

Nesse contexto, o alvará de 10 de setembro de 1811 mandou estabelecer, em todos os domínios ultramarinos, juntas de Justiça, também chamadas de juntas do Desembargo do Paço, compostas pelo governador, ouvidor e juiz de fora. Excetuando-se as atribuições de caráter militar, que naquele momento tinham instâncias próprias, competia a essas juntas eleger os vereadores das câmaras, conceder as reformas das cartas de seguro que o ouvidor dirigisse, passar os alvarás de fiança, nos casos em que as ordenações permitissem, expedir provisões para o procurador demandar às pessoas sobre as causas que pertencessem à Coroa e à Fazenda, dar licença para citar os conselhos e provisões para acusar ou livrar por procurador, e expedir os perdões concedidos pelo rei na Sexta-Feira Santa, apresentando-se perdão da parte e conhecimento de haver pago a pena pecuniária, excluindo-se os casos previstos na legislação, como blasfêmia, falsidade, moeda falsa, envenenamento, remédio para abortar, contrabandos, adultério ou incesto.

Ainda nesse período, foram criadas juntas de Justiça em Goiás, com o alvará de 25 de maio de 1818, e em São Paulo, com a carta régia de 23 de agosto de 1820. No entanto, após a independência do país em 1822, a Constituição de 1824 promoveu diversas mudanças na administração do Poder Judiciário. Nela, foi prevista a constituição de relações nas províncias em que fossem necessárias, cabendo a elas julgar as causas em segunda e última instância, sujeitas ao Supremo Tribunal de Justiça, criado em 1828.


Dilma Cabral
Jan. 2013

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Alvará de 10 de setembro de 1811. Manda estabelecer nas capitais dos governos e capitanias dos domínios ultramarinos juntas, para resolver aqueles negócios que antes se expediam pelo recurso à Mesa do Desembargo do Paço. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 105-106, 1890.

______. Alvará de 25 de maio de 1818. Cria na capitania de Goiás uma junta para decidir alguns negócios da competência do Desembargo do Paço. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 56-57, 1889.

______. Carta régia de 23 de agosto de 1820. Cria novamente na cidade de São Paulo uma junta de Justiça. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 78-79, 1889.

______. Carta de lei de 25 de março de 1824. Manda observar a Constituição política do Império, oferecida e jurada por sua Majestade o Imperador. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 6-38, 1886.

LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Processo administrativo ibero-americano: aspectos socioeconômicos, período colonial. São Paulo: Biblioteca do Exército, 1962.

PORTUGAL. Carta régia de 26 de agosto de 1758. Concede ao capitão-general de Cuibri e Mato Grosso, ampla jurisdição para a distribuição de prêmios e castigos naquelas capitanias, criando uma junta de Justiça. Coleção da legislação portuguesa desde a última compilação das Ordenações redigida pelo desembargador Antônio Delgado da Silva. Legislação de 1750-1762, Lisboa, p. 560, 1842. Disponível em: https://bit.ly/3jgXWlE. Acesso em: 3 dez. 2012.

______. Alvará de 18 de janeiro de 1765. [Cria as juntas de Justiça]. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de ano-ano. Lisboa, p. 141-142, 1855. Disponível em: https://bit.ly/3pX1BqY. Acesso em: .3 dez. 2012.

______. Carta régia de 4 de fevereiro de 1777. Criando um junta de Justiça na capital do Maranhão. Coleção da legislação portuguesa desde a última compilação das Ordenações, compilada por Antônio Delgado da Silva. Legislação de 1775 a 1790, Lisboa, p. 139-140, 1828.

SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

WEHLING, Arno. Administração portuguesa no Brasil de Pombal a d. João (1777-1808). Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1986.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial


Referência da imagem
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, epoques de l‘avénement et de I‘abdication de S.M. D. Pedro 1er. Paris: Firmind Didot Frères, 1834-1839. Arquivo Nacional, OR_1909_V3_PL_14