As juntas provisórias de governo, também chamadas de juntas do governo provisório, foram criadas a partir de 1821, em substituição aos capitães e governadores das capitanias, tendo como competência toda a autoridade e jurisdição nos âmbitos civil, econômico, administrativo e de polícia.
O decreto de 1º de setembro de 1821 determinou a instalação de uma junta na capitania de Pernambuco, que naquele momento passou a ser chamada de província. No entanto, a historiografia informa que antes disso foram estabelecidas juntas no Pará e na Bahia. Os atos de criação dessas juntas não foram localizados na legislação, mas essa informação pode ser confirmada pela decisão n. 29, de 1º de junho de 1821, que faz referência à existência da Junta da Bahia, e também pela decisão n. 43, de 14 de agosto, que ordenou a realização da eleição para os governos provisórios das províncias.
As juntas foram criadas no contexto do governo do príncipe regente d. Pedro, após a volta de d. João VI e da corte para Portugal, atendendo às reivindicações das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, instituídas pelo movimento liberal iniciado em agosto de 1820 na cidade do Porto, em Portugal, com objetivo de recuperar a posição do país no cenário europeu e reaver a hegemonia política no império luso-brasileiro (Souza, 1997, p. 156).
Antes mesmo do retorno de d. João, algumas capitanias comercialmente mais ligadas a Portugal, como Pará e Bahia, manifestaram sua adesão ao movimento constitucional. Para aumentar essas adesões e esvaziar a hegemonia política do Rio de Janeiro, as Cortes determinaram a criação de juntas de governo nas capitanias. As juntas eram eleitas na localidade e exerciam o Poder Executivo com todas as suas atribuições, exceto a autoridade militar, da qual ficou encarregado o governador das Armas, cargo subordinado diretamente a Portugal, instituído no mesmo momento (Souza, 1997, p. 159). Assim, pela primeira vez foram separadas as atribuições administrativas e militares, que antes estavam compreendidas entre as competências dos capitães e governadores de capitanias, cargos criados a partir de 1534.
O estabelecimento das juntas constituiu-se, portanto, em uma verdadeira ruptura com a prática vigente, tanto devido ao caráter eletivo da escolha de seus membros, como pela possibilidade de representação de interesses locais por via constitucional. Também serviu como tentativa de controlar a atuação independente do príncipe regente d. Pedro (Slemian, 2007, p. 23).
Um mês após a instituição da junta de Pernambuco, outro decreto determinou a instalação de juntas em todas as províncias onde o órgão não existisse. Nas províncias da Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, as juntas deveriam ser compostas por sete membros, sendo um deles o presidente e outro, o secretário. Estes seriam escolhidos pelos eleitores da paróquia entre os cidadãos “mais hábeis por seus conhecimentos, probidade e adesão ao sistema constitucional”, maiores de idade e que possuíssem meios suficientes para sua subsistência. Nas demais províncias, os órgãos teriam cinco membros (Brasil, 1889b, p. 35-38).
Às juntas ficariam subordinados todos os magistrados e autoridades civis, exceto no que se referisse ao poder contencioso e judiciário. Além disso, tinham o encargo de fiscalizar os procedimentos dos empregados públicos.
Em 30 de janeiro de 1822, logo após ter decidido permanecer no Brasil, contrariando as ordens das Cortes, o príncipe regente d. Pedro determinou que os governos provisórios das províncias passassem a ser subordinados a ele. Outra resposta à pressão das Cortes foi a criação do Conselho de Procuradores das províncias, pelo decreto de 16 de fevereiro, que tinha como competências: aconselhar o príncipe em todos os negócios importantes; examinar os grandes projetos de reforma que se deviam fazer na administração geral e particular do Estado; propor medidas e planos mais urgentes e vantajosos ao bem da prosperidade do Brasil; e advogar e zelar pelas utilidades das províncias (Brasil, 1887a, p. 6-8).
Ao longo do ano de 1822, a tensão política entre a colônia e a metrópole foi se agravando, o que levou à decisão n. 40, de 4 de maio de 1822, mandando que não se executasse nenhum decreto das Cortes sem o “cumpra-se” de d. Pedro. No final de agosto, chegaram ordens de Portugal reduzindo o príncipe a um delegado temporário das Cortes, circunscrevendo sua autoridade às províncias em que ela se exercia de fato e anulando a convocação do Conselho de Procuradores, que, entre outras determinações, levaram à declaração da Independência em 7 de setembro (Costa, 1985, p. 48).
Com a Independência, a existência das juntas provisórias e a necessidade da regulamentação do governo das províncias despontaram como questões urgentes. Na Assembleia Constituinte convocada em 1823, três propostas de lei apareceram, prevendo a extinção das juntas e a nomeação de um presidente para cada localidade (Slemian, 2007, p. 23-24).
Finalmente, a lei de 20 de outubro de 1823 extinguiu as juntas e reformulou a administração das províncias, determinando que o governo provincial fosse assumido por um presidente nomeado pelo imperador e por um conselho, cujos membros também seriam designados por d. Pedro I.
Angélica Ricci Camargo
Jun. 2013
Fontes e bibliografia
BERBEL, Márcia Regina. Os apelos nacionais nas cortes constituintes de Lisboa (1821/22). In: MALERBA, Jurandir (org.). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 181-207.
BRASIL. Decreto de 1º de setembro de 1821. Sobre a organização da Junta Provisória e Governo das Armas da província de Pernambuco. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 34-35, 1889a.
______. Decreto de 1º de outubro de 1821. Determina provisoriamente a forma de administração política e militar das províncias do Brasil. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 35-38, 1889b.
BRASIL. Decreto de 16 de fevereiro de 1822. Cria o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 6-8, 1887a.
______. Lei de 20 de janeiro de 1823. Dá nova forma aos governos das províncias, criando para cada uma delas um presidente e conselho. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 10-15, 1887b.
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à República: momentos decisivos. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
SLEMIAN, Andréa. “Delegados do chefe da nação”: a função dos presidentes de província na formação do Império do Brasil (1823-1834). Almanack Brasiliense, São Paulo, n. 6, p. 20-38, nov. 2007.
SOUZA, Iara Lis Franco S. Carvalho. A pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1831). Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1997.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_88 Secretaria do Governo da Província do Ceará
BR_RJANRIO_0O Casa Real e Imperial - Mordomia-Mor
BR_RJANRIO_AA Série Interior - Negócios de Províncias e Estados (IJJ9)
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado
BR_RJANRIO_25 Decretos S/N
BR_RJANRIO_EG Junta da Fazenda da Província de São Paulo
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_57 Ministério do Reino
BR_RJANRIO_87 Secretaria do Governo da Província de Mato Grosso
BR_RJANRIO_8E Secretaria do Governo da Província de São Paulo
BR_RJANRIO_AA Série Interior - Negócios de Províncias e Estados (IJJ9)
Referência da imagem
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, epoques de l‘avénement et de I‘abdication de S.M. D. Pedro 1er. Paris: Firmind Didot Frères, 1834-1839. Arquivo Nacional, OR_1909_V3_PL45