O cargo foi criado no início do século XVII em decorrência da divisão administrativa que deu origem a um novo Estado, separado do restante da colônia portuguesa na América. A bibliografia sobre o assunto diverge sobre a data do seu estabelecimento, apontando 21 de fevereiro de 1620, 13 de junho de 1621 e 13 de julho de 1621 como o momento de instituição dessa separação administrativa (Santos, 2008, p. 21; Meireles, 1960, p. 65; Salgado, 1985, p. 55). A data da nomeação do governador também varia entre 23 e 25 de setembro de 1623 (Salgado, 1985, p. 56; Meireles, 1960, p. 69). Antes disso, porém, o regimento do ouvidor-geral nomeado para essa área, de 7 de novembro de 1619, já indicava a presença de um governador e do Estado do Maranhão.
A América portuguesa despertou grande interesse por parte de governos e comerciantes europeus desde a época de sua descoberta. Durante o período em que Portugal esteve sob o domínio espanhol, entre 1580 e 1640, franceses e holandeses chegaram a estabelecer bases em diferentes regiões da colônia. No Maranhão, a primeira investida foi dos franceses, entre os anos de 1612 e 1615, que resultou na fundação de uma colônia, a França Equinocial.
A necessidade portuguesa de defender o território e incentivar seu povoamento e colonização levou à montagem de uma administração própria para a região do Maranhão, diretamente vinculada ao centro decisório europeu, seguindo a estratégia adotada anteriormente, em 1608, com a divisão e instalação de um governo separado para as capitanias de São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, que foi extinto em 1612.
O primeiro governador, Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho, nomeado em 1623, somente tomou posse em 1626. Suas atribuições eram amplas e, à semelhança do Governador-geral do Estado do Brasil, abrangiam todas as áreas da administração do Estado, incluindo funções relacionadas à Justiça, à Fazenda e à esfera militar. Em relação à organização do governo, suas competências incluíam prover os oficiais de Justiça e de Fazenda em todos os lugares e povoações, e nomear pessoas de confiança para os cargos vagos por ocasião da morte de seus titulares. Não devia, no entanto, criar ofício novo nem aumentar os ordenados ou soldos, exceto em casos de guerra, nem interferir na jurisdição eclesiástica, dando conta de tudo ao rei (Cópia…, 1909, p. 236-243; Salgado, 1985, p. 178-180).
No que respeita à administração das capitanias, eram suas atribuições convocar, junto com o ouvidor, os capitães e governadores suspeitos de cometer alguma violência ou extorsão pública, colocando um substituto em seu lugar, e não permitir que os donatários tomassem mais jurisdição do que aquelas que lhes pertencessem. Também competia ao cargo passar alvarás: para os culpados em alguns crimes; de busca a carcereiros; de autorização de fintas para obras públicas de até cem mil-réis; autorizando apelação e agravos após a vigência do prazo; de entrega de fazendas de ausentes até a quantia de duzentos mil-réis; de contrato até cem-mil réis; e de fiança, em nome do rei, com todas as cláusulas, como faziam os desembargadores do Paço (Cópia…, 1909, p. 236-243; Salgado, 1985, p. 178-180).
Em relação à organização militar, cabia ao governador pagar os soldos dos soldados e sentenciar os casos-crimes praticados por capitães e oficiais, junto com o ouvidor, fazendo as condenações na forma descrita no regimento deste (Cópia…, 1909, p. 236-243; Salgado, 1985, p. 178-180).
No que toca à economia, o governador tinha a função de incentivar a pesca de baleias e a plantação de palmeiras para fabricação do azeite, bem como resolver os casos de despesas não previstas nos regimentos junto com o ouvidor e provedor, e conceder provisão ao procurador do rei para que se guardassem os interesses da Fazenda Real (Cópia…, 1909, p. 236-243; Salgado, 1985, p. 178-180).
Outros itens que aparecem com frequência no regimento do governador dizem respeito aos degredados e aos indígenas. Em relação aos primeiros, competia ao cargo indicar os lugares onde esses devessem cumprir suas penas e provê-los em alguns ofícios caso merecessem ser perdoados, exceto aqueles que tivessem praticado furto, falsidade ou outro delito considerado grave. Além disso, tinha que se informar sobre os navios que traziam degredados, fazendo diligências e ordenando o mesmo aos governadores das capitanias. No caso dos indígenas, o governador ficava encarregado de cumprir a lei sobre a sua liberdade, não consentindo que fossem mandados de uma capitania para a outra, e também conceder, sem embargo, apelação e agravo, a liberdade aos indígenas cativos ou obrigados a servirem contra sua vontade (Cópia…, 1909, p. 236-243; Salgado, 1985, p. 178-180).
Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho, o primeiro governador-geral do Maranhão, empreendeu diversas iniciativas relativas à organização da máquina administrativa do novo Estado, ao aprimoramento da defesa e iniciou o processo de criação das capitanias hereditárias (Wehling, M.; 2005, p. 71). No período governado por Jácome Raimundo de Noronha, o segundo governador, foram realizadas várias expedições ao interior do Estado pelo rio Amazonas (Meireles, 1960, p. 78).
A bibliografia apresenta divergências sobre as capitanias compreendidas pelo Estado do Maranhão (Studart Filho, 1959, p. 219-223; Meireles, 1960, p. 67). Uma das listas arrola as seguintes capitanias: a do Maranhão, compreendendo em seu distrito as capitanias subsidiárias do Ceará, Itaperucu, Icatu, Mearim, todas da Coroa, e a de Tapuitapera, Caeté e Vigia, pertencentes a donatários e hereditárias; e a do Grão-Pará, que estendia sua jurisdição às capitanias secundárias do Gurupá, pertencente à Coroa, e de Joanes, Cametá, Cabo Norte e Xingu (Meireles, 1960, p. 67).
Em 1641, após invadirem a Bahia e Pernambuco, os holandeses atacaram o Maranhão, sendo expulsos da região apenas em 1644. O Ceará, contudo, ficaria sob o domínio holandês até 1654 (Meireles, 1960, 82-91). Neste contexto, a carta de 25 de fevereiro de 1652 extinguiu o Estado do Maranhão e reintegrou-o ao resto da colônia, estabelecendo duas capitanias-gerais, a de São Luís e a do Grão-Pará. Em 1654, no entanto, o Estado foi restabelecido como unidade separada (Meireles, 1960, p. 66).
O regimento passado ao governador e capitão-general do Estado do Maranhão e Grão-Pará, André Vidal de Negreiros, em 14 de abril de 1655, confirmou as disposições dadas a Francisco Coelho de Carvalho. Os primeiros pontos do regimento estavam relacionados à capitania do Ceará, cabendo ao governador e capitão-general informar-se sobre o estado em que se encontrava a sua defesa, sobre as relações entre portugueses e indígenas e verificar a existência de uma mina de prata, dando conta ao rei, por meio do Conselho Ultramarino. Também lhe competia listar as pessoas que estivessem servindo nos postos desta capitania, mandando o provedor da Fazenda pagar-lhes os ordenados (Regimento…, 1972, p. 699-713; Salgado, 1985, p. 238-242).
Este novo regimento continha uma especificação maior das atribuições do cargo relacionadas à aplicação da Justiça e à fiscalização da Fazenda, cabendo ao governador a jurisdição sobre o ouvidor e sobre o provedor nas culpas que, provadas, merecessem castigo, bem como a fiscalização dos ocupantes desses cargos e de todos os oficiais e atividades vinculadas a essas matérias. Ficava, ainda, encarregado de sentenciar os assuntos de sua jurisdição, quando houvesse divergências entre o ouvidor e o provedor, dando apelação e agravo para o Reino. Em relação à Fazenda, deveria convocar os oficiais a prestarem contas de suas atividades, informar-se sobre a repartição das terras e sobre a maneira como elas eram exploradas, notificando os donos das terras devolutas, e podendo tomar-lhes e dar a outras pessoas caso não as cultivassem (Regimento…, 1972, p. 699-713; Salgado, 1985, p.238-242).
No que se refere à administração militar, competia ao governador informar-se sobre a gente da guerra, armas, artilharias, munições e pólvora, enviando uma relação disso ao rei; apurar o pagamento dos soldados que servissem nos presídios, a fim de evitar fraudes; obrigar todos os moradores a terem armas e se alistarem nas Ordenanças; e mandar fazer barreiras de bombarda na fortaleza de São Filipe, onde deveria residir.. Deveria ainda passar carta de exame, concedendo os privilégios do ofício, ordenar que a despesa com pólvora e pelouro se procedesse de acordo com as necessidades e mandar assentar em livro as fortalezas, fortes e munições, bem como os cargos com seus respectivos ordenados, enviando uma cópia para ao rei, por meio do Conselho Ultramarino (Regimento…, 1972, p. 699-713; Salgado, 1985, p. 238-242).
Além disso, o regimento continha disposições específicas para a capitania do Grão-Pará, ordenando ao governador se informar sobre as terras dessa região e os benefícios que delas poderiam ser tirados, dando conta disso ao rei, evitar o comércio dos indígenas da área com países estrangeiros e procurar missionários para fazer a paz com esses indígenas, além de fiscalizar suas fortificações do Grão-Pará e prover as serventias vagas com pessoas de confiança (Regimento…, 1972, p. 699-713; Salgado, 1985, p. 238-242).
Como no regimento anterior, o de 1655 também regulamentou a questão dos degredados e dos indígenas. Contudo, essa última ganhou maior relevo devido à promulgação da lei de 9 de abril de 1655, que previu os quatro casos possíveis de escravidão indígena. O primeiro era decorrente do aprisionamento em guerra justa, cuja permissão somente poderia ser concedida pelo rei, exceto nas situações que exigiam a defesa, nas quais o governador junto com o ouvidor-geral, provedor de Fazenda e prelado poderiam autorizá-la. O segundo caso era quando os indígenas impedissem a pregação de religiosos. O terceiro, se estes fossem resgatados, estando presos, prontos para serem comidos. E o quarto, quando fossem comprados como cativos (Lei…, 1948, p. 25-27).
O regimento do governador dispunha que era de sua competência ordenar que os indígenas convertidos na fé cristã fossem tratados com respeito; favorecer os religiosos e pregadores encarregados da propagação da fé católica; guardar e fazer guardar a nova lei sobre a liberdade dos indígenas; zelar para que estes fossem administrados por padres da Companhia de Jesus; fornecer guarda necessária para se fazerem entradas no sertão, a fim de trazer os indígenas aliados para junto das populações portuguesas; dar conta ao rei das informações sobre as missões; procurar unir as aldeias para que os indígenas fossem melhor doutrinados; zelar para que nas missões não houvesse canaviais, tabacos e engenhos; castigar, segundo as leis do Reino, os indígenas que cometessem latrocínios, insultos e outros delitos; entre outras atribuições (Regimento…, 1972, p. 699-713; Salgado, 1985, p. 238-242).
Para sua guarda, o governador e capitão-general deveria contar com vinte soldados e um cabo. Os casos não previstos em seu regimento deveriam ser resolvidos com o ouvidor, provedor da Fazenda, vereador mais velho e sargento-mor, devendo informar tudo ao Conselho Ultramarino (Regimento…, 1972, p. 699-713).
Em 1682, visando contornar a necessidade de mão de obra para as lavouras e os conflitos decorridos do aprisionamento irregular dos indígenas, a metrópole decidiu criar uma Companhia de Comércio, que concentraria o monopólio dos principais produtos da terra e deteria a exclusividade do mercado local para as importações, com a obrigação de introdução, anual, de quinhentos africanos escravizados. No entanto, essa determinação não foi bem recebida, provocando a reação por parte dos comerciantes locais prejudicados pelo monopólio, dos proprietários rurais, por conta dos preços, dos apresadores de indígenas e da população em geral, pela irregularidade do fornecimento de alimentos, bebidas e tecidos, que provocava a alta dos preços. Em 1684, os protestos transformaram-se numa rebelião que ficou conhecida como a Revolta de Beckman. Os revoltosos, formados principalmente por comerciantes e proprietários rurais de São Luís, prenderam o governador, extinguiram a Companhia e expulsaram os jesuítas (Wehling, A.; Wehling, M., 1994, p. 141).
No século XVIII, a colonização do Maranhão continuou precária, persistindo o conflito entre colonos e jesuítas, envolvendo as administrações locais. A partir da metade desse século, foram iniciadas reformas administrativas de impacto na colônia, empreendidas pelo então conde de Oeiras, e depois marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo. Em relação ao Maranhão, uma das primeiras iniciativas foi a transferência da capital de São Luís para Belém, em 1751, e a inversão do nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e São José do Rio Negro (Meireles, 1960, p. 162). Em 1755, foi estabelecida uma nova companhia de comércio, a Companhia-Geral do Grão-Pará e Maranhão, com o monopólio do abastecimento, do comércio e navegação. Essa Companhia foi responsável por incentivar a produção de algodão, cacau, cravo, café e arroz, e aumentou o volume do tráfico africano, sendo extinta em 1777 (Faria, 2001, p. 129).
Em 20 de agosto de 1772, houve a separação do Estado em dois governos autônomos, o do Grão-Pará e Rio Negro e o do Maranhão e Piauí, ambos subordinados a Lisboa. A extinção e incorporação definitiva da região pelo Estado do Brasil deu-se pela provisão de 7 ou 9 de julho de 1774 e foi motivada pelas altas despesas com a manutenção do governo e as dificuldades sofridas pela Companhia de Comércio (Salgado, 1985, p. 62; Wehling, A.; Wehling, M., 1994, p. 181).
Angélica Ricci Camargo
Jun. 2013
Fontes e bibliografia
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO. Governantes do Maranhão (1612-1991). São Luís, 1992.
CÓPIA de alguns capítulos no regimento do governador do Maranhão, que se passou a Francisco Coelho de Carvalho. In: STUDART, Guilherme, Barão de. Documento para a história do Brasil e especialmente a do Ceará (1608-1625). v. 2. Fortaleza: STUDART, 1909. p. 236-243.
FARIA, Sheila de Castro. Companhias de comércio. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 127-130.
LEI que se passou pelo Secretário de Estado em nove de abril de 1655 sobre os índios do Maranhão. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 66, p. 25-27, 1948.
MEIRELES, Mário M. História do Maranhão. Rio de Janeiro: Departamento Administrativo do Serviço Público/Serviço de Documentação, 1960.
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; Fapesp, 2006. p. 115-132.
REGIMENTO de André Vidal de Negreiros. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. v. 2. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p 699-713.
SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SANTOS, Fabiano Vilaça. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://goo.gl/cwFsva. Acesso em: 1º ago. 2009.
STUDART FILHO, Carlos. Fundamentos geográficos e históricos do Estado do Maranhão e Grão-Pará. (Com breve estudo sobre a origem e evolução das capitanias feudais do Norte e Meio-Norte). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1959.
WEHLING, Arno. O Estado no Brasil Filipino – uma perspectiva de história institucional. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 166, n. 426, p. 9-55, jan./mar. 2005.
WEHLING, Maria José Mesquita Cavaleiro de Macedo. O Estado do Maranhão na União Ibérica. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 166, n. 426, p. 56-86, jan./mar. 2005.
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José Mesquita Cavaleiro de Macedo. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_8K Câmara de São Luís
Referência da imagem
Diogo de Campos Moreno. Livro que dá razão do estado do Brasil. Cartografia atribuída a João Teixeira Albernaz I. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968. Arquivo Nacional, ACG02522