A Mesa do Despacho Marítimo foi criada pelo alvará de 3 de fevereiro de 1810, com a finalidade de “concentrar os despachos e mais diligências a eles relativas que se expediam por diferentes repartições”. Seu estabelecimento fez parte de uma série de medidas administrativas adotadas pelo governo português com o objetivo de centralizar e controlar os despachos dos navios e o fluxo de mercadorias no porto do Rio de Janeiro.
Até a chegada de d. João, em 1808, todos os produtos estrangeiros importados eram destinados à alfândega. Com a mudança da corte lusitana e a revogação de uma série de iniciativas ligadas ao pacto colonial, os portos da cidade passaram a ter intensa movimentação de navios e mercadorias, o que levou ao aprimoramento dos órgãos de controle e fiscalização. Apesar disso, as projeções indicavam na época que, em breve, a situação do porto escaparia ao controle da administração, com possíveis perdas na arrecadação.
A necessidade de reverter esse problema e a percepção de que a infraestrutura portuária do Rio de Janeiro estava aquém das novas exigências, impostas pelo seu papel de centro político da monarquia portuguesa, fizeram d. João tomar algumas importantes providências. A primeira, pela decisão de 18 de outubro de 1808, foi oferecer concessões aos negociantes ingleses para baldear a outros portos as mercadorias trazidas pelos navios que aportassem na corte, podendo incluir as que viessem para terra e a permissão de depositar nos trapiches da cidade, ou em outros armazéns particulares, as que não coubessem na alfândega. Outra medida relevante foi disposta pelo decreto de 21 de janeiro de 1809, estabelecendo que o Conselho da Fazenda deveria demarcar terrenos para aforamento ou arrendamento nas praias da Gamboa e Saco de Alferes, visando à edificação de trapiches (Cruz, 1999, p. 5).
Nesse sentido, a instituição da Mesa do Despacho Marítimo tinha como função remover e corrigir os prejuízos resultantes da multiplicidade de despachos na saída do porto do Rio de Janeiro, que eram efetuados pelos mestres das embarcações em variadas e distantes repartições. Segundo o ato de criação da mesa, esse procedimento pretendia realizar e assegurar a cobrança de emolumentos concedidos a diferentes empregados e em diversos momentos, levando ao estabelecimento de uma relação de dependência pessoal nas repartições às quais os mestres estavam submetidos. Esses obstáculos tinham como consequência a permanência das embarcações por tempo prolongado nos portos, lesando os proprietários por conta das despesas com as guarnições e a inabilitação das embarcações, além de prejudicar o abastecimento da capital com gêneros básicos e a concorrência, com repercussão nos preços dos produtos.
Inicialmente, a estrutura da Mesa do Despacho Marítimo era composta por fiscal, tesoureiro, escrivão e contínuo. Por meio do decreto de 10 de outubro de 1810, foi instituído mais um escrivão e, pelo ato de 14 de agosto de 1819, incluído o cargo de porteiro. Era atribuição do fiscal observar a ordem, regularidade e lisura dos trabalhos realizados na mesa de despachos, recomendar a pronta execução das ordens aos empregados do órgão e impedir a demora nos despachos e aviamentos das partes. E ao escrivão competia “fazer o lançamento geral de todas as quantias que a título de contribuição, ou de emolumentos satisfizerem as embarcações na saída deste porto”.
A criação da Mesa do Despacho Marítimo, no entanto, não foi capaz de acelerar a dinâmica da circulação de mercadorias no porto da corte. Para tanto, em maio de 1810, foi adotada uma nova estratégia para a administração portuária, com a introdução do despacho por estiva na alfândega do Rio de Janeiro. Segundo o decreto de 12 de abril de 1810, a medida tinha por objetivo facilitar a expedição do comércio nacional e estrangeiro e melhorar a arrecadação dos impostos. Além da corte, o despacho por estiva foi instituído em Bahia, Maranhão e Pernambuco, pelo decreto de 30 de janeiro de 1811.
A Mesa do Despacho Marítimo foi extinta pelo decreto de 10 de setembro de 1830, e os emolumentos, impostos e contribuições arrecadados pelo órgão passaram a ser coletados, na corte, pela Mesa das Diversas Rendas e, nos portos provinciais, pelas estações responsáveis pelos direitos de saída, à exceção dos pertinentes à Intendência e à Secretaria de Marinha.
Dilma Cabral
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
BRASIL. Alvará de 3 de fevereiro de 1810. Cria a Mesa do Despacho Marítimo. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 30-34, 1891.
______. Decreto de 10 de outubro de 1810. Cria o lugar de segundo escrivão da Mesa do Despacho Marítimo. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 214-215, 1891.
______. Decreto de 14 de agosto de 1819. Cria o lugar de porteiro da Mesa do Despacho Marítimo e marca-lhe o ordenado. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 50, 1889.
BRASIL. Decreto de 10 de setembro de 1830. Extingue a Mesa do Despacho Marítimo passado as suas incumbências para as estações arrecadadoras dos direitos de saída. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 23-24, 1876.
CRUZ, Maria Cecília Velasco e. O porto do Rio de Janeiro no século XIX: uma realidade de muitas faces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 8, p. 1-18, ago. 1999. Disponível em: https://goo.gl/udP6i9. Acesso em: 20 mar. 2008.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_7X Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Referência da imagem
Júlio Bandeira; Robert Wagner. Viagem ao Brasil nas aquarelas de Thomas Ender: 1817-1818. Petrópolis: Kappa Editorial. Arquivo Nacional, ACG01828