Imagem de antigo instrumento de localização, a rosa dos ventos, do livro de Manuel Pimentel, Arte de navegar (1762)
Imagem de antigo instrumento de localização, a rosa dos ventos, do livro de Manuel Pimentel, Arte de navegar (1762)

A Real Academia dos Guardas-Marinhas foi criada no convento de São Bento, no Rio de Janeiro, pela decisão n. 9, de 5 de maio de 1808. Uma das primeiras instituições de ensino implementadas no Brasil pela Coroa portuguesa, após a vinda da família real, a Academia dos Guardas-Marinhas foi acompanhada pelo surgimento de outros órgãos, como a Escola de Cirurgia da Bahia (1808), a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro (1808) e a Academia Real Militar (1810).

Em Portugal, a Real Academia dos Guardas-Marinhas havia sido estabelecida pelo decreto de 14 de dezembro de 1782, tendo como objetivo formar hábeis e instruídos oficiais da Marinha Real lusitana, e recebia os alunos egressos tanto da Academia Real da Marinha, por mérito escolar, quanto aqueles eleitos diretamente, por privilégio de nobreza (Pinto, 2007). Antes de sua criação, houve uma tentativa de sistematizar a formação desses oficiais pelo marquês de Pombal, em 1761, quando foram criadas 24 vagas de guardas-marinhas, inspiradas no modelo de preparação dos militares franceses, a serem ocupadas por jovens da fidalguia interessados na carreira de oficial da Armada. No entanto, não houve êxito nessa iniciativa de formação segundo os moldes propostos naquele ano, o que foi atribuído à falta de aplicação dos candidatos e à rivalidade estabelecida entre Pombal e a velha aristocracia portuguesa, que se sentiu lesada por algumas decisões políticas tomadas pelo marquês (Albuquerque, 1982, p. 11).

Nesse sentido, foi instituída a Academia Real de Marinha, que buscava proporcionar uma boa formação em bases acadêmicas para os oficiais da Armada. Estabelecida em 1779, sob os auspícios de d. Maria I, funcionou em Lisboa até 1837 e, posteriormente, deu origem à Escola Politécnica. Os alunos da Academia Real, contudo, eram paisanos e dispensados da formação militar, necessária ao serviço na Armada Real. A instituição da Companhia dos Guardas-Marinhas na cidade de Lisboa, também por iniciativa da rainha d. Maria I, veio a corrigir esta lacuna na preparação dos futuros oficiais da Armada, dotando-os de saber acadêmico e de formação militar (Albuquerque, 1982, p. 13).

Com a iminente invasão das tropas napoleônicas ao Reino português, os guardas-marinhas partiram para o Brasil, em novembro de 1807, antes mesmo da corte e dos integrantes do governo. Professores, alunos, biblioteca e materiais escolares da Real Academia dos Guardas-Marinhas, além de parte dos acervos pertencentes ao Observatório da Marinha e à Sociedade Real Marítima, embarcaram na nau Conde D. Henrique em 29 de novembro de 1807, integrando uma frota com 36 embarcações, escoltada por seis navios ingleses. O capitão de mar e guerra José Maria Dantas Pereira, diretor da academia desde julho daquele ano, foi o responsável pela transferência dos guardas-marinhas e de seus acervos para o Brasil, tornando-se seu primeiro diretor em terras brasileiras e mantendo-se no cargo durante os doze anos em que permaneceu no país. Havia grande preocupação em realizar a mudança do acervo destas instituições, já que se compunha de mapas, documentos estratégicos e informações militares privilegiadas, que poderiam chegar ao conhecimento dos franceses se permanecessem em Portugal. O acervo da Sociedade Real Marítima, transferido para o Brasil, constituiu o Real Arquivo Militar, criado pelo decreto de 7 de abril de 1808 (Pinto, 2007).

Instalado nas dependências do Mosteiro de São Bento, de forma a contar com a infraestrutura necessária ao seu funcionamento, o órgão valeu-se do acervo, máquinas, instrumentos, modelos, planos e cartas trazidos de Lisboa. A Real Academia dos Guardas-Marinhas reiniciou seus trabalhos somente após o aviso de 25 de fevereiro de 1809, mantendo-se nas dependências do mosteiro até 1832 (Pinto, 2007). Em seu primeiro ano letivo, a biblioteca da Real Academia foi aberta ao público, recebendo, inclusive, paisanos, como o frei José Policarpo de Santa Gertrudes (Albuquerque, 1982, p. 15).

Mesmo com o regresso de d. João VI a Portugal, em 1821, e o início da regência de d. Pedro I, a Real Academia dos Guardas-Marinhas não alterou sua rotina e manteve suas atividades. Pouco depois, por meio da portaria de 4 de janeiro de 1822, o ministro da Marinha de Portugal tentou transferir os guardas-marinhas para Lisboa, mas tal determinação não foi acatada pelo príncipe regente. Naquele mesmo ano, após a declaração de independência política do Brasil, alguns poucos professores e alunos da Real Academia obtiveram autorização para retornar a Portugal. Assim, a Real Academia dividiu-se, e a que permaneceu no Brasil passou a denominar-se Imperial Academia dos Guardas-Marinhas. Aqueles que regressaram a Lisboa, em 1822, retomaram suas atividades três anos depois.


Dilma Cabral
Ago. 2011

 

Fontes e bibliografia
ALBUQUERQUE, Antônio Luiz Porto. Da Companhia de Guardas-Marinhas e sua Real Academia a Escola Naval: 1782-1982. Rio de Janeiro: Xerox do Brasil; Escola Naval, 1982.

CAMINHA, Herick Marques. Organização e administração do Ministério da Marinha do Império. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público; Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1986. (História Administrativa do Brasil, v. 15).

CARTA régia de 1º de abril de 1796. Aprovando novo plano aos estatutos para os estudos da Real Academia dos Guardas-Marinhas. In: LEIVAS, Cláudio Pereira; SCAVARDA, Levy. História da Intendência da Marinha. Rio de Janeiro: Diretoria da Intendência da Marinha, 1972. p. 243-249.

LEIVAS, Cláudio Pereira; SCAVARDA, Levy. História da Intendência da Marinha. Rio de Janeiro: Diretoria da Intendência da Marinha, 1972.

PINTO, José Luís Leiria. José Maria Dantas Pereira: o primeiro diretor da Academia Real dos Guardas-Marinhas no Rio de Janeiro. Revista da Armada, Lisboa, n. 413, ano 34, nov. 2007. Disponível em: https://goo.gl/yctr5Zl. Acesso em: 2 jul. 2008.

SOUZA, José Roberto M. de C. e. Sistema ou coleção dos regimentos reais. Lisboa: Oficina de Francisco Borges de Souza, 1783. p. 352-353.

TELO, António José. O dia em que o Atlântico mudou: uma mudança de grande envergadura. Revista da Armada, Lisboa, n. 417, ano 35, mar. 2008. Disponível em: https://goo.gl/kcGiHj. Acesso em: 2 jul. 2008.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_B2 – Série Marinha: Ministro – Secretaria de Estado (X M)
BR_RJANRIO_B5 – Série Marinha: Quartel-General e Conselho Naval (III M)
BR_RJANRIO_AS – Série Marinha: Batalhão Naval (XV M)
BR_RJANRIO_AX – Série Marinha: Inspeção do Arsenal da Corte (VM)
BR_RJANRIO_AW – Série Marinha: Escola Naval/Academia de Marinha (VI M)
BR_RJANRIO_22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR_RJANRIO_59 – Negócios de Portugal
BR_RJANRIO_B6 – Série Marinha – Socorros de Marinha – Corpo de Fazenda (XVII M)


Referência da imagem
Manoel Pimentel. Arte de navegar: em que se ensinam as regras práticas, e os modos de cartear e de graduar a balestilha por via de números, e muitos problemas úteis a navegação, e roteiro das viagens, e costas marítimas de Guiné,…. Lisboa: Oficina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Officio, 1762. Arquivo Nacional, OR_1966

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período colonial. Para informações entre 1822 e 1889, consulte Academia dos Guardas-Marinhas