Não existe uma data precisa para a criação do Arsenal Real do Exército, mas sua origem está relacionada à necessidade de proteção militar da colônia portuguesa. O estabelecimento de oficinas para reparo e armazenamento de material bélico é atribuído a Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadela, governador e capitão-general do Rio de Janeiro, que mandara construir, em 1762, a Casa do Trem. Entre 1764 e 1766, as instalações da Casa do Trem foram ampliadas, por ordem do vice-rei, d. Antônio Álvares da Cunha, o conde da Cunha, quando teria sido construída a Casa das Armas da Fortaleza da Conceição, recebendo esse conjunto a denominação de Arsenal do Trem. Na legislação, constam diversas denominações para o Arsenal Real do Exército, também chamado Arsenal de Guerra da Corte, Arsenal do Trem de Guerra, Real Trem do Exército, Arsenal do Trem, Casa do Trem ou, ainda, Arsenal Real do Exército.
A chegada do príncipe regente ao Rio de Janeiro, em 1808, seguiu-se da constatação de que as forças militares, tanto a Marinha quanto o Exército, encontravam-se estagnadas. Os principais órgãos militares estavam localizados em Lisboa e a conjuntura política que determinara a transferência da corte para o Brasil impunha a necessidade de se reformar e ampliar o sistema de defesa existente na colônia, especialmente no Rio de Janeiro, que se tornara sede da monarquia portuguesa. O esforço de guerra em Portugal contra a invasão das tropas napoleônicas impossibilitava que os arsenais reais enviassem para o Brasil e demais colônias portuguesas as armas e munições indispensáveis para sua defesa (Vinhosa, 1984, p. 66). Além disso, com a instalação da corte, as restrições até então impostas à atividade industrial foram revistas, o que ampliou o desenvolvimento e permitiu a estruturação do Arsenal de Guerra, com a vinda de mão de obra especializada da Europa para suas oficinas (Ponde, 1986, p. 11-12).
Apesar da importância que o Arsenal Real do Exército adquire no período, não houve instruções legais de caráter geral que dispusessem sobre seu funcionamento e organização. O esforço de estruturação, a partir de 1808, pode ser acompanhado pelos sucessivos atos que criaram diversos cargos no órgão. Assim, o decreto de 24 de junho de 1808, que deu instruções para o inspetor-geral de Artilharia da Corte e Capitania do Rio de Janeiro, colocou sob sua inspeção o intendente do Arsenal Real do Exército e governador da Casa das Armas. Em 12 de agosto de 1809, foi instituído o lugar de vice-intendente do arsenal. O decreto de 3 de setembro de 1810 mandou organizar no arsenal uma Companhia de Artífices, anexa ao Regimento de Artilharia da Corte, com o objetivo de formar mão de obra especializada para as atividades de produção e reparo de armamentos.
Para tornar eficiente a administração no setor, d. João fundou a Real Junta dos Arsenais, Fábricas e Fundições, pelo alvará de 1º de março de 1811. Sua criação teve por objetivo estabelecer uma instância administrativa superior, capaz de gerir de forma organizada e econômica todas as matérias sob sua competência, ou seja, os arsenais, armazéns, fundições, fábricas e casas de armas. O marechal-de-campo graduado Antônio Carlos Napion, inspetor-geral de Artilharia da Corte, foi nomeado para presidir a Real Junta, exercendo ainda, simultaneamente, a direção do Arsenal Real do Exército. Suas atribuições eram bastante amplas, competindo-lhe, à frente do arsenal e da Casa das Armas, a direção de todos os trabalhos dos arsenais, das fábricas de pólvora, do refino do salitre, carvoaria e de quaisquer outras fábricas e estabelecimentos dos arsenais reais que fossem criados, cabendo-lhe também o Jardim Botânico de plantas exóticas estabelecido na lagoa de Rodrigo de Freitas (Brasil, 1890a, p. 31-32).
O aumento da complexidade dos órgãos sob a inspeção e direção do inspetor-geral de Artilharia da Corte pode ser dimensionado pelo decreto de 7 de abril de 1815, que separou as diretorias da Real Fábrica de Pólvora e do Arsenal Real do Exército. Da mesma forma, o alvará de 4 de maio de 1821 nomeou um encarregado dos melhoramentos indispensáveis às oficinas do arsenal, e, pelo decreto de 20 de outubro de 1821, foi abolido o lugar de vice-inspetor da Real Junta da Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições. Na qualidade de ajudante do inspetor-geral e presidente da junta, ao vice-inspetor caberia a inspeção das oficinas do arsenal, competência que foi atribuída ao inspetor do arsenal pela decisão n. 9, de 20 de janeiro de 1822.
A legislação refere-se ainda à criação de outros arsenais, como a carta régia de 18 de abril de 1818, que mandava criar um trem em Mato Grosso, e a de 17 de janeiro de 1819, que menciona um órgão semelhante na capitania de Pernambuco. O decreto de 12 de março de 1822 criou uma comissão encarregada de examinar, minuciosamente, o estado do Arsenal Real do Exército e propor as reformas consideradas necessárias ao seu funcionamento. No entanto, não houve alteração na organização do órgão até o ano de 1832, que deu novo regulamento para o Arsenal de Guerra da Corte, a Fábrica de Pólvora da Estrela, arsenais de guerra e armazéns de depósitos de artigos bélicos.
Dilma Cabral
Set. 2012
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto de 12 de agosto de 1809. Cria o lugar de vice-intendente do Real Trem do Exército. Coleção de leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 133, 1891a.
____. Decreto de 3 de setembro de 1810. Manda organizar uma Companhia de Artífices do Arsenal Real do Exército. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 143-145, 1891b.
____. Alvará de 1º de março de 1811. Cria a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas e Fundições da capitania do Rio de Janeiro e uma contadoria dos mesmos Arsenais. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 26-36, 1890a.
____. Decreto de 7 de abril de 1815. Separa a Diretoria da Real Fábrica de Pólvora da do Arsenal do Exército. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 9-10, 1890b.
____. Carta régia de 17 de janeiro de 1819. Manda dar uma consignação para as despesas do Trem, Depósito de Pólvora e defesa da capitania de Pernambuco. Coleção de leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 4, 1889a.
____. Decreto de 29 de outubro de 1821. Manda abolir o cargo de vice-inspetor do Arsenal do Exército desta corte. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 111, 1889b.
____. Decisão n. 9, de 20 de janeiro de 1822. Encarrega o inspetor-geral do Arsenal Real do Exército da direção das oficinas do mesmo arsenal do respectivo expediente. Coleção das decisões do governo do Brasil, Rio de Janeiro, p. 9, 1887a.
____. Decreto de 12 de março de 1822. Cria uma Comissão encarregada do exame da repartição do Arsenal do Exército. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 10-11, 1887b.
MOTOYAMA, Shozo. Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.
PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo; TAPAJÓS, Vicente. Organização e administração do Ministério da Guerra no Império. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público; Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1986. (História Administrativa do Brasil, v. 16).
VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira. Brasil sede da Monarquia: Brasil Reino (2ª parte). Coord. Vicente Tapajós. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1984. (História Administrativa do Brasil, v. 16).
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_25 Decretos S/N
BR_RJANRIO_6C Intendência do Arsenal Real do Exército
BR_RJANBSB_Z6 Ministério da Fazenda - Delegacia de Mato Grosso
BR_RJANRIO_OG Ministério da Guerra
BR_RJANRIO_9K Série Guerra - Administração (IG2)
BR_RJANRIO_9L Série Guerra - Arsenais (IG7)
BR_RJANRIO_DA Série Guerra - Gabinete do Ministro (IG1)
BR_RJANRIO_9V Série Guerra - Quartéis (IG8)
Referência da imagem
Encyclopédie, ou, Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, par une société de gens de lettres. Paris: Briasson, 1751-1780. Arquivo Nacional, OR_1896_V1_PL06
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período colonial. Para informações entre 1822-1889, consulte Arsenal Real do Exército