Litografia do Palácio imperial da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, do livro Brasil Pitoresco (1861), a partir de fotografia de Victor Frond (1821-1881).
Litografia do Palácio imperial da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, do livro Brasil Pitoresco (1861), a partir de fotografia de Victor Frond (1821-1881).

A Casa Real, transformada em Casa Imperial com a Independência, em 7 de setembro de 1822, foi instalada com a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, e abrigava a família imperial, seus parentes diretos, familiares e servidores. Portanto, mais do que o lugar de moradia, a Casa Real congregava também o exercício de uma série de serviços indispensáveis ao funcionamento da residência da realeza, o que significava a existência de uma estrutura administrativa extremamente hierarquizada, e igualmente submetida ao cerimonial régio, onde o público e o privado convergiam.

Com o retorno da família real, em 1821, a situação dos criados ficou indefinida, mas alguns deles optaram por permanecer no Brasil junto ao príncipe regente d. Pedro, o que deu início a um processo de reformulação da instituição, diminuindo o número de pessoas em serviço e determinando mudanças no pagamento das despesas (ANDRADE, 2007, p. 122).

A organização da Casa Imperial brasileira, seguindo a tradição portuguesa, encontrava-se dividida em áreas como o serviço nas câmaras e casas, o cuidado das cavalariças na estribeira, as atividades relacionadas à caça e coutadas, a guarda e o serviço religioso realizado na Capela Imperial, entre outros. Era ainda responsável pelos palácios e propriedades imperiais, o Paço, a Quinta da Boa Vista, a Imperial Fazenda de Santa Cruz e, a partir de 1843, a Fazenda Córrego Seco, que se transformaria na cidade de Petrópolis (SCHWARCZ, 1998, p. 232).
Houve pouca regulamentação específica sobre a organização da Casa Imperial desde a sua instalação. O artigo n. 114 da Constituição de 1824 determinou que a dotação, alimentos e dotes da família real fossem pagos pelo Tesouro Público, ficando sua organização a cargo do mordomo-mor. Ainda durante o Primeiro Reinado, os decretos de 20 de setembro de 1822 e de 20 de julho de 1828 regularam os uniformes dos criados.

Em geral, os trabalhos ficavam divididos entre os ofícios maiores e os menores, cujo estatuto se aproximava da condição das profissões “mecânicas”, tais como pintores, oficiais da cozinha e outros. O cargo mais importante era o de mordomo-mor, responsável por todos os aspectos da administração e pelo pagamento dos oficiais, dos criados e de suas moradias (CARDIM, 2002). Além da organização da Casa Imperial, durante o Segundo Reinado coube ao mordomo-mor o cuidado da imagem do imperador e o preparo das solenidades oficiais que, a partir de 1843, foram objetos de um calendário oficial distribuído pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império (SCHWARCZ, 1998, p. 267-268).

Alguns dos ofícios da Casa Imperial, especialmente os maiores, eram disputados pela nobreza e considerados como mercês honoríficas ao lado dos títulos, condecorações das ordens existentes e graduações militares (Idem, p. 173). Esse caráter nobre pode ser observado nas listas reproduzidas no Almanak Laemmert, que incluem os respectivos ocupantes, sobressaindo muitos nomes das casas titulares da corte no Brasil. No entanto, diferente do modelo europeu, que recompensava os bons serviços com títulos vitalícios e hereditários, os títulos adquiridos se resumiam à vida de seu proprietário (Idem, p. 191).

Em 1847, o decreto n. 545, de 23 de dezembro, determinou que eram empregos honoríficos da Casa Imperial todos os oficiais-mores, os de gentil-homem da Imperial Câmara, veador, dama de palácio, moço da Câmara do Imperial Guarda Roupa, açafata, moço da Imperial Câmara e todos aqueles aos quais fossem anexas as honras ou exercício de oficial-menor da Casa Imperial, qualquer foro de fidalgo, título do Conselho ou tratamento de senhoria. O mesmo ato também dispôs que os empregos, honras e foros de escudeiro fidalgo até fidalgo cavaleiro fossem expedidos por decreto da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, à qual cabia, desde 1823, a nomeação dos empregados e demais assuntos relativos à Casa Imperial.

De acordo com o Almanak Laemmert relativo ao ano de 1845, havia mais de 600 empregados da Casa Real, número que parece ter variado pouco, pois em 1889, o último ano da monarquia, a Casa Imperial contava com cerca de 700 empregados. Dentre eles estavam o mordomo-mor, estribeiro-mor, gentis-homens da Imperial Câmara, veadores, capelão-mor, armeiro-mor, capitão da Imperial Guarda de Arqueiros, esmoler-mor, vedor, sumilher da cortina, guarda-roupas, moços fidalgos, servidor da toalha, escrivão, tesoureiro, tenente da Imperial Guarda de Arqueiros, almoxarife da casa das obras e paços imperiais, estribeiro-menor, ajudante do porteiro da Imperial Câmara, encarregado das imperiais cozinhas e mantieria, médicos e cirurgiões da Imperial Câmara, pintor da Imperial Câmara, músico da Imperial Câmara, criados particulares, reposteiros, camareiras-mores. Muitos ofícios eram honorários e alguns deles ocupados por pessoas residentes fora da Corte e até mesmo em outro país (ALMANAK, 1844, p. 42-58).

Se, a princípio o Almanak reproduzia a lista dos ofícios existentes, posteriormente a publicação passou a incluir as diferentes repartições da Casa Imperial, permitindo conhecer melhor sua estrutura, composta pela Mordomia-mor, Secretaria dos filhamentos, Mordomia, Secretaria, Biblioteca Particular de sua majestade, Biblioteca e Gabinete Mineralógico, Mantieria, Almoxarifados, Cozinha, Copa, Hospital da Quinta da Boa Vista, Quinta da Boa Vista, Cocheiras e Cavalariças, Obras do Paço da Quinta da Boa Vista e suas dependências, Escola de primeiras letras diurna e noturna, Fazenda de Santa Cruz e Imperial Fazenda de Petrópolis (ALMANAK, 1880, p. 32-54).

A Casa Imperial deixou de existir com a proclamação de República, em 15 de novembro de 1889. O decreto n. 2, de 16 de novembro, concedeu à família imperial a quantia de cinco mil réis para prover a sua subsistência e seu estabelecimento no exterior. Diante da recusa de d. Pedro II, o decreto n. 78-A, de 21 de dezembro, baniu a família real do território nacional, revogando o decreto n. 2 e vedando qualquer um de seus membros de possuir imóveis no país, devendo liquidá-los no prazo de dois anos.


Angélica Ricci Camargo

12 mar. 2015


Bibliografia

ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DA CORTE E RIO DE JANEIRO PARA O ANO DE 1845. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1844.

ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DO RIO DE JANEIRO INCLUSIVE A CIDADE DE SANTOS DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO PARA O ANO DE 1880. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1880.

ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DO IMPÉRIO DO BRASIL PARA 1889. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1880.

ANDRADE, Santiago Silva de. Morar na casa do rei, servir na casa do Império: sociedade, cultura e política no universo doméstico da Casa Real portuguesa e da Casa Imperial do Brasil (1808-1840). Almanak Brasiliense, n. 5, p. 117-123, maio 2007. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/alb/article/view/11662/13432>. Acesso em: 12 mar. 2015.

BRASIL. Carta de lei de 25 de março de 1824. Manda observar a Constituição política do Império, oferecida e jurada por sua Majestade o Imperador. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 6-38, 1886.

____. Decreto de 20 de setembro de 1822. Regula os uniformes dos criados da casa do Príncipe Real. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 48, 1887.

____. Decreto de 20 de julho de 1828. Designa as fardas dos criados da Casa Imperial de 1.º, 2.º, e 3.º uniforme. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 117, 1878.

____. Decreto n. 545, de 23 de dezembro de 1847. Dá o Regulamento para execução dos artigos 3.º e 7.º da Lei de 23 de Agosto de 1821, mandada observar neste Império pelo Decreto de 20 de Outubro de 1823. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 124, 1847.

____. Decreto n. 2, de 16 de novembro de 1889. Provê a decência da posição da família do ex-imperador e as necessidades do seu estabelecimento no estrangeiro. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, primeiro fascículo, p. 2, 1890.

____. Decreto n. 78-A, de 21 de dezembro de 1889. Bane do território o Sr. D. Pedro de Alcântara e sua família, e revoga o decreto n. 2 de 16 de novembro de 1889, e estabelece outras providências. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, primeiro fascículo, p. 274, 1890.

CARDIM, Pedro. A Casa Real e os órgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade dos seiscentos. Tempo, Rio de Janeiro, n. 13, v. 7, p. 13-57, jul. 2002. Disponível em <http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg13-2.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2015.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

____. O Império em procissão: ritos e símbolos do Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. (Descobrindo o Brasil).


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR AN,RIO 0D Brasões
BR AN,RIO 0O Casa Real e Imperial
BR AN,RIO 0Q Chancelaria-Mor
BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 2H Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO NP Diversos – SDH – Códices
BR AN,RIO 37 Graças Honoríficas
BR AN,RIO 53 Ministério do Império
BR AN,RIO 59 Negócios de Portugal
BR AN,RIO 69 Ordens Honoríficas
BR AN,RIO 82 Registro Geral das Mercês
BR AN,RIO 99 Série Fazenda – Administração (IF2)
BR AN,RIO A3 Série Interior – Culto Público (IJJ11)
BR AN,RIO A8 Série Interior – Mordomia – Casa Imperial – Casa Presidencial (IJJ3)
BR AN,RIO AX Série Marinha – Inspeção do Arsenal da Corte (V M)
BR AN,RIO B2 Série Marinha – Ministro – Secretaria de Estado (X M)
BR AN,RIO C3 Titulares


Referência da imagem

Charles Ribeyrolles. Brazil pitoresco: história, descrições, viagens, instituições, colonização. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1859-1861. OR_2055

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1808 e 1821, consulte o verbete no Dicionário de Administração Colonial através do link: Casa Real