Durante o período de reinado de d. Pedro I, de 1822 até sua abdicação em 1831, não se verificou no parlamento brasileiro a existência de partidos políticos organizados atuando oficialmente. Todavia, esse fato não significou que, durante o Primeiro Reinado, o Legislativo brasileiro fosse homogêneo. Nesses primeiros anos de atividade legislativa, os membros da elite política dividiam-se basicamente entre monarquistas e liberais de diferentes matizes. Os primeiros identificavam-se com a defesa da ordem e da propriedade, que seria garantida por um imperador forte e respeitável. Temiam que a “liberdade excessiva” pusesse em risco os seus privilégios, por isso aceitavam o princípio da ordem acima inclusive da legalidade, que foi rompida por d. Pedro algumas vezes. A primeira delas, por exemplo, já em 1823, quando dissolveu a Assembleia Constituinte e impôs uma constituição. Já os liberais identificavam-se com a defesa do ordem e da propriedade, assim como os monarquistas, mas se diferenciavam a partir de sua defesa e luta pela garantia das liberdades constitucionais.
Num primeiro momento, a política de concessão de empregos públicos e cargos honoríficos, além do temor de parte da elite política acerca das recentes e indefinidas ideias liberais, formou uma boa base de apoio à figura de d. Pedro. Entretanto, a conturbada conjuntura política que se apresentou entre 1826 e 1831 contribuiu para um engrossamento das fileiras liberais, proporcionando uma nova configuração à Câmara e ao Senado do Império, que adquiriram um caráter cada vez mais oposicionistas em relação às medidas do imperador. Esse cenário de atrito entre d. Pedro e as elites políticas representadas na Assembleia culminou com sua abdicação em 7 de abril de 1831, passando o trono a seu filho de apenas 5 anos de idade.
Durante a menoridade do herdeiro da Coroa, entre 1831 e 1840, o Brasil foi governado por uma série de regentes. Inicialmente, ainda no ano de 1831, houve uma regência trina e provisória, logo substituída por uma trina permanente eleita, que exerceu seu mandato até 1835. No entanto, a edição do Ato Adicional à Constituição de 1824 determinou que a regência passasse a ser exercida de forma una, e o primeiro regente, eleito em 1835, foi o padre Diogo Antônio Feijó, que não chegou ao fim de seu mandato, renunciando em 19 de setembro de 1837, sendo substituído de forma interina por Pedro de Araújo Lima. No ano seguinte, Araújo Lima saiu vencedor de novas eleições e ocupou a regência até o ano de 1840, quando a maioridade do príncipe foi antecipada, e d. Pedro II seria coroado imperador aos 14 anos de idade. Data desse turbulento período, marcado por diversas revoltas ocorridas no território nacional, a formação das primeiras organizações que posteriormente se constituiriam como os principais partidos políticos do Império: o Partido Liberal e o Partido Conservador.
Após a abdicação de d. Pedro I, dissolve-se o motivo que mantinha a união das diversas tendências liberais e, após o 7 de abril, a Câmara passaria a ter uma nova composição. De um lado colocavam-se os liberais moderados, ou chimangos, que, embora aceitassem algumas alterações na Constituição, defendiam a manutenção das estruturas vigentes. Defendendo reformas constitucionais mais profundas, como o fim do Poder Moderador e a descentralização administrativa, de forma a constituir uma monarquia federativa, estavam os liberais exaltados, ou farroupilhas. E o antigo grupo de apoiadores de d. Pedro I, que postulavam a sua volta, ficou conhecido como caramurus. Esses grupos não chegaram a conformar partidos políticos propriamente ditos na Assembleia, mas exerceram intensa atividade política através da formação dos chamados ‘grêmios patrióticos’, o embrião dos partidos políticos no Brasil durante a primeira fase das regências. Os liberais moderados, como Bernardo Pereira de Vasconcelos, Evaristo da Veiga e Diogo Feijó, organizavam-se em torno da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional. Os liberais exaltados como Cipriano Barata, Borges da Fonseca, entre outros, apontavam suas aspirações já no nome do seu grêmio: a Sociedade Federal. Enquanto isso, os caramurus, também conhecidos como restauradores, organizaram-se na Sociedade Conservadora da Constituição Brasileira, fundada por José Bonifácio e seus irmãos, e que mais tarde passaria a chamar-se Sociedade Militar.
O ano de 1834 foi marcado por fatos que mais uma vez reconfigurariam a organização política do Legislativo. O primeiro foi a morte de d. Pedro em Portugal, que acabou com a pretensão política da restauração e que aproximou caramurus e moderados num mesmo campo. O segundo foi a promulgação do Ato Adicional, que reformou a Constituição de 1824 e que, além de definir a regência una no Império, extinguiu o Conselho de Estado e os Conselhos Gerais nas províncias, criando em seu lugar as assembleias provinciais com poderes mais amplos que seu antecessor.
Como consequência desse cenário, surgiu o movimento que tomou pra si o nome de Regressista, organizado em torno de políticos como Bernardo Pereira de Vasconcelos, Honório Hermeto Carneiro Leão e Joaquim José Rodrigues Torres, e que passou a ter como principal bandeira a contenção do avanço liberal presente na primeira fase regencial (1831-1834), lutando contra as medidas aprovadas nesse período. Além do Ato Adicional, chamado pelos Regressistas de “Carta de Anarquia”, em 1832 fora aprovado também o Código de Processo Criminal, que, dentre outras medidas, favoreceu o poder judiciário local em detrimento do poder central, ao conferir amplos poderes ao juiz de Paz, figura eleita localmente em eleições censitárias.
O movimento regressista irá consolidar-se politicamente através da formação do Partido da Ordem, que mais tarde adotará o nome de Partido Conservador. Esse partido conseguiu reverter as medidas liberais em 1840, ao editar, durante a regência do conservador Araújo Lima, a Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834, que minimizou os efeitos do ato de 1834. Em 1841, ao voltarem à frente do governo, os conservadores restauraram o Conselho de Estado e aprovaram a Reforma do Código de Processo Criminal de 1832, reduzindo os poderes dos juízes de Paz e centralizando o aparato judiciário. Por outro lado, os liberais dissidentes, aliados aos liberais exaltados e outros descontentes com as medidas centralizadoras do Regresso, formariam, ainda no final da regência, o Partido Liberal.
Embora esses partidos não tenham sido organizados de acordo com a concepção moderna do termo, isto é, não possuíam uma ata de fundação, nem um programa político ou estatutos definidos, suas propostas podem ser delineadas a partir das disputas políticas ocorridas durante o período regencial (Brasiliense, 1979). Com isso, enquanto o Partido Liberal representava as aspirações descentralizadoras das reformas dos anos 1831-34, o Partido Conservador é fundado sob os preceitos centralizadores do movimento do Regresso.
A historiografia brasileira possui um extenso debate acerca da natureza desses dois partidos. Os autores buscaram ora apontar as diferenças, ora enfatizar as semelhanças entre ambos. Conforme analisa José Murilo de Carvalho (1996), em obra clássica sobre o período, temos de um lado trabalhos que buscavam destacar a indiferenciação entre os partidos, como as obras de Nelson Werneck Sodré (1964), Nestor Duarte (1939), Maria Isaura Pereira de Queiroz (1970), Vicente Licínio Cardoso (1933) e Caio Prado Júnior (1953). Para esses autores as diferenças que ambos os partidos proclamavam era apenas retórica, pois tanto o Partido Conservador como o Liberal eram compostos por membros da mesma parcela da sociedade: a elite latifundiária. Já dentre os autores que observavam as diferenças entre os partidos, Carvalho separou-os em duas correntes distintas: uma primeira tendência, reunindo autores como Raymundo Faoro (1958), Azevedo Amaral (1938) e Afonso Arinos de Melo Franco (1948), procurou classificar os partidos a partir de uma distinção classista, buscando a diferenciação entre ambos a partir da origem social dos seus componentes; a segunda seria a corrente de autores como Fernando Azevedo (1958) e João Camilo de Oliveira Torres (1968), que buscaram diferenciar os partidos a partir da dicotomia campo/cidade, estando o Partido Conservador vinculado aos interesses rurais, enquanto que o Partido Liberal representaria os interesses dos grupos urbanos.
Para além dessas visões, temos a hipótese de Ilmar Rohloff de Mattos (1990), que propõe não uma indiferenciação total ou uma simples divisão classista ou regional entre os partidos, mas uma análise acerca da hierarquia existente entre ambos. Para o autor, a chave dessa compreensão está no período de consolidação monárquica, que iria mais ou menos desde o período regencial até os anos de 1850. Durante esses primeiros anos, os elementos integrantes do Partido Conservador tiveram uma posição de vanguarda na defesa da Coroa e da unidade territorial, que lhes permitiu angariar prestígio político frente os liberais, os quais, por sua vez, eram vistos como responsáveis por diversas revoltas e guerras civis ocorridas em diversos pontos do território nacional durante esse período. A vila de Santa Luzia, por exemplo, onde ocorreu a derrota liberal no levante mineiro de 1842, emprestaria seu nome de forma pejorativa ao grupo, que desde então passaria a ser chamado de “ luzias”, para que não se esquecessem de seu fracasso militar.
A alternância entre esses dois partidos nos principais cargos do Poder Executivo foi o traço marcante do sistema político brasileiro inaugurado com a Constituição de 1824 e consolidado durante o Segundo Reinado, em um modelo que ficou conhecido como ‘parlamentarismo às avessas’. Nesse caso, diferentemente de outros regimes parlamentares, a existência de um quarto poder, o Moderador, exercido exclusivamente pelo monarca, dava a este a prerrogativa de nomear ministros e dissolver a Câmara quando achasse necessário, adotando então um modelo de organização estruturado ‘de cima pra baixo’.
Dessa forma, durante o reinado de d. Pedro II, o imperador atuava como um árbitro entre os dois partidos, não permitindo a perpetuação de um ou outro à frente dos ministérios, num regime de alternância que contou com 37 gabinetes em 49 anos, o que nos dá uma média de pouco mais de um ano de duração para cada composição. Quando o monarca oferecia os cargos ministeriais do gabinete a determinado partido, cabia a este conformar sua maioria na Câmara. Não havendo consonância restava àquele dissolver a Câmara e convocar novas eleições, ou dissolver o ministério e conformar um novo.
Além desses dois grandes partidos apresentados acima, o Segundo Reinado presenciou ainda a breve existência de um terceiro: a Liga Progressista. No início dos anos 1860, a chamada política de conciliação, que procurou unir os dois grandes partidos em gabinetes mistos, formados por membros de ambas as forças, apresentava sinais de esgotamento. Em 1862, liberais históricos e conservadores moderados, descontentes com tal arranjo, formaram então a Liga Progressista como bloco de oposição aos sucessivos gabinetes conservadores. Após a queda do segundo gabinete chefiado por Caxias, o grupo chegou à frente do governo quando Zacarias Góis de Vasconcelos, um dos principais organizadores do movimento, passou a ocupar o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. A Liga tornou-se um partido em 1864 e esteve à frente do governo de 1862 até 1868, chefiando 6 gabinetes consecutivos, mas foi dissolvida após a ascensão do gabinete conservador do visconde de Itaboraí, o primeiro gabinete formado exclusivamente por conservadores desde 1853.
A substituição do ‘gabinete ligueiro’ por um conservador, quando este partido era minoritário na Câmara, gerou fortes descontentamentos e uma nova reorganização partidária no Império. A Liga foi dissolvida em 1868, e os liberais moderados, junto àqueles liberais históricos que não aderiram ao movimento progressista, reagruparam-se no Centro Liberal, que, no ano seguinte, refundaria o Partido Liberal sob as bandeiras de 1831, reivindicando o fim da vitaliciedade no Senado, mudanças na atuação do Conselho de Estado e uma maior descentralização administrativa. A essas propostas eram acrescidas agora as reformas eleitoral, policial e judiciária, bem como a extinção da Guarda Nacional, do recrutamento obrigatório e da escravidão, sendo que esta deveria ser abolida de forma lenta e gradual, libertando-se primeiro o ventre e depois os cativos.
Ainda em 1868, uma ala mais radical da antiga Liga Progressista, que não aderiu ao Centro Liberal, organizou-se no Clube Radical. Esse grupo apresentou um programa de reformas mais profundo que o programa liberal, incluindo em suas propostas o fim do Conselho de Estado e do Poder Moderador, a eleição dos presidentes de província e o sufrágio direto e universal, entrando assim em conflito direto com a monarquia. Em 1870, após o fim da Guerra do Paraguai, esse setor político sentiu-se mais à vontade para radicalizar suas críticas e, em 3 de dezembro, lançou, através do jornal ‘A República’, o Manifesto Republicano, dando início à organização de clubes e partidos republicanos pelo país. O mais próspero desses seria o Partido Republicano Paulista, fundado em 1873, que, diferentemente do Partido Republicano do Rio de Janeiro, por exemplo, possuía em suas fileiras além dos profissionais liberais, intelectuais e setores médios urbanos – traço característico de todos os partidos republicanos fundados nas províncias – uma forte representação de cafeicultores do Oeste Paulista. Essa característica fez com que o partido paulista possuísse uma estrutura organizacional sólida, bastante difundida pelo interior e que logo o elevou a representante dessa classe de fazendeiros do estado, que se sentiam sub-representados no sistema partidário vigente. Tal fato pode ser explicado pela nova colocação da região como setor mais dinâmico da economia do Império, em detrimento das antigas zonas do Rio de Janeiro e do Nordeste. Dessa forma, o partido republicano em São Paulo defendia, antes de tudo, o federalismo, de modo a fortalecer o seu governo provincial, dispensando pouca ou nenhuma atenção a questões como fim da escravidão, autenticidade do governo representativo ou as liberdades individuais.
Embora não possamos afirmar que a atuação dos partidos republicanos tenha sido determinante para a derrubada da monarquia e a implantação da República, a simples existência de tais organizações dentro de um regime monárquico já demonstrava a crise do modelo político. Os 20 anos finais do Império marcaram a ruptura da Coroa com sua principal base de apoio, os latifundiários, a partir de medidas que afetavam em cheio os interesses destes, principalmente aquelas relacionadas à libertação dos cativos em 1871, 1885 e finalmente 1888.
Além dos latifundiários, o clero e a oficialidade militar também entraram em atrito com o governo monárquico a partir das crises nesse período final do Império, que ficariam conhecidas como a Questão Religiosa e a Questão Militar.
Nesse cenário, o movimento que destituiu a monarquia foi orquestrado basicamente por oficiais do Exército – influenciados pela doutrina positivista – que, no dia 9 de novembro de 1889, em reunião do Clube Militar, decidiriam pela derrubada do Império antes da abertura da nova legislatura em 20 de novembro do mesmo ano. Em 15 de novembro de 1889, precipitados pela ameaça de prisão do marechal Deodoro, os militares depuseram o imperador e inauguraram o regime republicano no Brasil, contando naturalmente com o apoio dos partidos republicanos, que após os anos de 1880, na crise final do Império, começaram a se posicionar mais ativamente contra a monarquia e pela libertação dos cativos. Com isso, teve fim a antiga ordem partidária, com a extinção dos dois grandes partidos do Império.
Felipe Almeida
24 fev. 2015
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Referência da imagem
Pieter Godfred Bertichem. O Brasil pitoresco e monumental. Rio de Janeiro: Imperial de Rensburg, 1856. Disponível em: <http://bndigital.bn.br/acervo-digital>