Lista de passageiros embarcados no vapor Roma, Nápoles, Itália, com destino ao Rio de Janeiro, em 9 de janeiro de 1888.
Lista de passageiros embarcados no vapor Roma, Nápoles, Itália, com destino ao Rio de Janeiro, em 9 de janeiro de 1888.

A Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores começou a ser edificada em 1883, quando o governo imperial, através da Inspetoria-Geral das Terras e Colonização, adquiriu a ilha do senador Silveira da Mota. O local, antes dedicado a piscicultura, lavoura e fábrica de fécula de mandioca, possuía um espaço de 148 mil metros quadrados e se localizava na Baía de Guanabara (KUSHNIR, 2012, p. 163-164). A instalação de hospedarias no Império esteve relacionada à política de substituição da mão-de-obra escrava por imigrante, implementada a partir da segunda metade do século XIX.

Tal política foi possível com a promulgação de dois importantes atos em 1850: a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico de africanos no Brasil, e a Lei de Terras, que regulamentou o acesso à terra, determinando que, a partir daquela data, as terras devolutas da nação só poderiam ser adquiridas através de compra em hasta pública, cabendo ao Estado sua demarcação. Ambos os atos abriram oportunidade para a vinda de colonos estrangeiros para o Brasil. Enquanto a lei de extinção do tráfico criou a necessidade de buscar mão-de-obra alternativa à escrava, a Lei de Terras, ainda que tenha restringido o acesso à terra, impedindo a posse de imigrantes e ex-escravos, facultou a naturalização para os estrangeiros que comprassem terras e nelas se estabelecessem, ou que viessem por conta própria exercer qualquer indústria no Brasil. Também autorizou o governo a mandar vir anualmente, às custas do Tesouro Público, colonos para serem empregados em estabelecimentos agrícolas, em trabalhos dirigidos pela administração pública ou na formação de colônias.

Sendo assim, o governo formou um aparato administrativo para promover a vinda de imigrantes para o Império. Em 1854, foi criada a , pelo decreto n. 1.318, de 30 de janeiro, responsável pela medição, divisão, descrição e conservação e fiscalização da venda e distribuição das terras devolutas, assim como a promoção da colonização nacional e estrangeira. Suas atividades, entretanto, foram transferidas em 1860 para a 3ª Diretoria, das Terras Públicas e Colonização, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, criada nesse mesmo ano. Em 1870 foi instituída a Comissão do Registro Geral e Estatística das Terras Públicas e Possuídas para organizar o registro geral e a estatística dessas terras. O decreto n. 6.192, de 23 de fevereiro de 1876, fundiu essa comissão com a Agência Oficial de Colonização – instituição particular que fomentava a colonização estrangeira – dando origem à Inspetoria-Geral de Terras e Colonização (GABLER, 2012, p. 17-19).

A criação de hospedarias também fez parte do conjunto de políticas de fomento à imigração, e inicialmente, na ausência de hospedarias oficiais, o governo subsidiava instituições privadas como as hospedarias da Praia Formosa e a da Rua da Imperatriz, que foram substituídas posteriormente por alojamentos do governo. Além da recepção, triagem e encaminhamento dos imigrantes, as hospedarias ainda contavam com os serviços de alimentação, alojamento, registro, direcionamento ao trabalho e controle médico sanitário, que incluíam banho, desinfecção, troca de roupas e inspeção médica. A questão sanitária também foi um importante fator que motivou a construção de hospedarias. A cidade do Rio de Janeiro passou por grandes epidemias, como por exemplo, a de febre amarela que ocorreu entre 1849 e 1850, afetando metade da população. Na década de 1870, o problema se repetiu, com os grandes surtos de 1873 e 1878. Junto com a febre amarela, doenças como cólera, varíola, tuberculose e malária também assolavam a cidade. Esse quadro gerou uma grande campanha anti-imigração para o Brasil, como as ocorridas na Prússia em 1859, na Inglaterra em 1875 e na França em 1876. A solução encontrada pelo governo para proteger os imigrantes e mudar e imagem externa foi o isolamento dos recém-chegados em sanatórios (REZNIK, s.p., 2013; SILVA, FERNANDES, 2013, p. 24).

Em 1867, o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas arrendou um prédio de um particular, com capacidade para 400 pessoas, criando a Hospedaria de Imigrantes do Morro da Saúde, substituindo as da Praia Formosa e da Rua da Imperatriz. Esse espaço, entretanto, sofreu com a infestação de febre amarela, ficando fechado por um certo período em 1876 e 1881, respectivamente. Esses incidentes contribuíram para a ideia de construção da hospedaria na Ilha das Flores, local considerado mais adequado e salubre para o empreendimento (Idem).
 

Louise Gabler
25 jul. 2016

 
Bibliografia
BRASIL. Lei n. 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos neste Império. Coleção das leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, p. 267, v. 1, parte 1, 1850.

____. Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa e pacífica: e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de Colônias de nacionais, e de estrangeiros, autorizando o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara. Coleção das leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, p. 307, v. 1, parte 1, 1851.

____. Decreto n. 6.129, de 23 de fevereiro de 1876. Organiza a Inspetoria Geral das Terras e Colonização. Coleção das leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 247, 1876.

GABLER, Louise. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Cadernos MAPA n. 4. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/Hz6ddk> Acesso em: 12 mar 2018.

KUSHNIR, Beatriz. Hospedaria Central, o expurgo na Ilha das Flores. In MONTEIRO, Yara Nogueira & CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (orgs). As doenças e os medos sociais. São Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2012.

REZNIK, Luís. Entre o universal e o particular: a Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores. In: XXVII Simpósio Nacional de História. Natal, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/CN9PfM>. Acesso em: 6 jun 2016.

SILVA, Henrique M.; FERNANDES, Rui A. N. Ilha das Flores e de História. In: ARAÚJO, M. S., MOURA, R. S., FERNANDES, R. A. N.(orgs). São Gonçalo em Perspectiva: Ensaios e Histórias Gonçalenses. São Gonçalo: UERJ-FFP, 2013.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR RJANRIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR RJANRIO 23 – Decretos do Executivo – Período Republicano
BR RJANRIO OB – Departamento Nacional do Povoamento
BR RJANRIO 4M – Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
BR RJANRIO 8O – Série Agricultura – Gabinete do Ministro (IA1)
BR RJANRIO 8T – Série Agricultura – Terras Públicas e Colonização (IA6)
BR RJANRIO 9L – Série Guerra – Arsenais (IG7)


Referência da imagem

Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras. Relações de passageiros em vapores. BR_RJANRIO_OL_0_RPV_PRJ_3472_1

 

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores