Imagem da Igreja de S. Joaquim e da antiga sede do Externato de Pedro II, do livro Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, de Joaquim Manoel de Macedo, publicado na década de 1860.
Imagem da Igreja de S. Joaquim e da antiga sede do Externato de Pedro II, do livro Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, de Joaquim Manoel de Macedo, publicado na década de 1860.

O Colégio de Pedro II foi criado pelo decreto de 2 de dezembro de 1837, que converteu em escola de instrução secundária o Seminário de São Joaquim, criado em 1739 com o nome de Colégio dos Órfãos de São Pedro, destinado a receber e dar instrução primária a órfãos e meninos desvalidos (MOACYR, 1936, p. 195). Instituído na data de aniversário do imperador, por decreto de Bernardo Pereira de Vasconcelos, então ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, o colégio teve suas aulas iniciadas em 25 de março do ano seguinte.

Seu surgimento se deu no conturbado período regencial (1831-1840), quando foram tomadas diversas medidas para frear os movimentos populares e combater a possibilidade de fragmentação do território brasileiro. Tais medidas não tiveram apenas o caráter coercitivo, como no caso da criação da Guarda Nacional e da aprovação do Código Criminal de 1830, mas procuravam também ampliar a ação do Estado em todo o território nacional através da criação e reestruturação de suas instituições, como forma de garantir a ordem e a unidade do Império.

Neste projeto de construção do Estado-nação, o colégio tinha papel de grande relevância, cabendo-lhe a transmissão dos valores culturais de uma elite nacional que comungava entre si os ideais de civilização e progresso. Este ideário era refletido em um currículo escolar onde predominavam as ‘humanidades’, prezando por uma cultura vasta e enciclopédica, caracteristicamente voltada para a formação desta elite (ANDRADE, 1999). Logo, o colégio se instituiu como o espaço de formação do cidadão erudito, apto a conquistar lugar de destaque na estrutura político-administrativa do país, além de importante instrumento de ascensão e de reprodução das hierarquias sociais vigentes (MATTOS, 1990, p. 258-259).

A descentralização política verificada após o Ato Adicional de 1834 transferiu algumas atribuições do governo central para a administração provincial. No que se refere à educação, o governo imperial ficou responsável pela organização do ensino superior em todo o país, e no município da Corte pelos demais níveis. Já aos governos provinciais caberia a responsabilidade pelo ensino primário, secundário e profissional, através da criação dos liceus e de estabelecimentos de ensino secundário particular nas províncias. Até então a educação secundária fora ministrada através de aulas avulsas, nos moldes das escolas régias, e os primeiros liceus foram fundados pela reunião destas cadeiras. Como exemplo temos o Ateneu do Rio Grande do Norte, criado em 1835, e os liceus da Bahia e Paraíba, ambos em 1836 (HAIDAR, 1972, p. 22; MATTOS, 1990, p. 202-203).

O decreto de 2 de dezembro de 1837 estabeleceu que no Colégio de Pedro II seriam ensinadas as línguas latina, grega, francesa e inglesa, além de retórica e dos princípios elementares de geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, botânica, química, física, aritmética, álgebra, geometria e astronomia. O regime poderia ser de internato e externato, e o pagamento dos honorários para os alunos pagantes seria fixado pelo governo. Segundo o mesmo decreto, o governo poderia admitir gratuitamente até onze alunos internos e dezoito externos (Brasil, 1837, p. 60).

De acordo com o regulamento aprovado em 31 de janeiro de 1838, para ingresso no colégio todos os alunos deveriam ter idade entre oito e doze anos, saber ler e escrever, fazer conta com as 4 operações, e possuir atestado de bom procedimento de outras escolas. Os diferentes estatutos, promulgados ao longo de todo Império, estabeleceram a rotina da instituição, as atribuições dos funcionários e a distribuição das disciplinas pelas séries, bem como o número de aulas semanais de cada uma. No regulamento de 1838, constavam também aulas de desenho, música e ensino religioso, e no de 1841 aula de alemão, ano em que também teve início as aulas de ginástica. (BRASIL, 1842, p. 18; CUNHA JUNIOR, 2008, p. 66-125). Inicialmente o curso seria dividido em 8 séries, o que foi alterado pelo regulamento n. 62, de 1º de fevereiro de 1841, que estabeleceu 7 anos para sua conclusão. Ao final desse período o estudante recebia o grau de bacharel em Letras e poderia entrar no ensino superior sem a prestação de exames.

Em 1854, o decreto n. 1.331-A reformou o ensino primário e secundário do município da Corte, determinando que a inspeção dos estabelecimentos públicos e particulares de instrução primária e secundária seria exercida pelo secretário de Estado dos Negócios do Império, um inspetor-geral e um conselho diretor. A presidência do conselho diretor caberia ao inspetor, sendo composto ainda pelo reitor do Colégio de Pedro II, dois professores públicos e um particular, designados pelo governo. O decreto também regulou diversos aspectos da educação na Corte, tais como os critérios para o funcionamento das escolas, o estabelecimento de normas e rotinas nas instituições, as formas de admissão, direitos e deveres dos professores e o currículo das escolas. No que se refere ao Colégio de Pedro II, o decreto dispôs sobre currículo, professores, admissão e rotinas escolares. Além disto, determinou que o regulamento da instituição deveria ser organizado pelo conselho diretor, sujeito à aprovação do governo, e que a inspeção do ensino seria de competência do inspetor-geral.

O decreto n. 1.556, de 17 de fevereiro de 1855, promulgou um novo regulamento para o colégio, baseado nas diretrizes estabelecidas no ano anterior. Os estudos passaram a se dividir em duas classes, com matérias específicas para cada uma. Os estudos de primeira classe durariam quatro anos, mas o grau de bacharel em Letras seria conferido ao estudante que completasse a a segunda classe, com duração de três anos. Dois anos depois, mais um regulamento dividiu o colégio, separando os alunos do externato e criando um espaço independente para o internato, além de tratar das questões de funcionamento e ensino. O sistema de classes continuou, agora com duração de cinco anos para a primeira e dois anos para segunda (BRASIL, 1857, p. 384).

As reformas que separaram os estudos em duas classes estão relacionadas à tentativa de formar dois públicos distintos. Os alunos que concluíssem os estudos de primeira classe estariam aptos a exercer as profissões de caráter técnico, já os que concluíssem o ciclo complementar ingressariam nas academias do Império. Essa divisão em ciclos foi inspirada nas reformas educacionais francesas e tentavam adequar os liceus a uma formação que pudesse suprir as novas demandas da economia em expansão. Esse modelo, entretanto, durou pouco tanto na França quanto no Brasil, e foi suprimido na reforma de 1º de fevereiro de 1862. Durante o Império, os planos de estudos e as diretrizes do colégio ainda sofreriam novas reformas em 1870, 1876, 1878 e 1881 (HAIDAR, 1972, p. 114-115; LORENZ, 2003, p. 4-7).

Dias após a proclamação da República, o colégio passou a ser subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios Interiores, e teve o seu nome alterado para Instituto Nacional de Instrução Secundária, pelo decreto de 21 de novembro de 1889. Em abril de 1890, foi criada a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, e o instituto passou para sua subordinação. No mesmo ano, em 8 de novembro, o decreto n. 981 estabeleceu um novo regulamento da instrução primária e secundária do Distrito Federal, assinado por Benjamin Constant, onde se destacaram a criação do Pedagogium, estabelecimento destinado a oferecer formação profissional a professores e ao público, a criação de um fundo escolar para o fomento à educação e o estabelecimento da instrução moral e cívica como disciplina obrigatória.

Com essa reforma, o Instituto Nacional de Instrução Secundária passou a se chamar Ginásio Nacional, denominação que perdurou até 1911, quando a escola adquiriu a sua denominação atual, Colégio Pedro II.


Louise Gabler

Salomão Pontes Alves
9 maio 2014


Bibliografia
ANDRADE, Vera Lúcia Cabana de Queiroz. Colégio Pedro II: um lugar de memória. 1999. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.

BRASIL. Decreto s/n, de 2 de dezembro de 1837. Convertendo o Seminário de São Joaquim em colégio de instrução secundária, com a denominação de Colégio de Pedro II, e outras disposições. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v.1, parte 2, p. 59-61, 1837.

____. Decreto n. 598, de 25 de março de 1849. Altera os Estatutos do Colégio de Pedro Segundo, na parte relativa ao julgamento dos exames, divide em duas a cadeira de história e geografia, subdivide em duas a 2ª de latim; marca o vencimento dos professores; e providencia sobre a hora em que devem achar-se no Colégio. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, tomo 12, parte 2, p. 69, 1850.

____. Decreto n. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Aprova o Regulamento para a reforma do ensino primário e secundário do Município da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 45, 1854.

____. Decreto n. 1.556, de 17 de fevereiro de 1855. Aprova o Regulamento do Colégio Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 80, 1856.

____. Decreto n. 2.006, de 24 de outubro de 1857. Aprova o Regulamento para os colégios públicos de instrução secundária do Município da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 384, 1857.

____. Decreto n 2.883, de 1º de fevereiro de 1862. Altera os Regulamentos relativos ao curso de estudos do Imperial Colégio de Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 13, 1862.

____. Decreto n. 4.468, de 1º de fevereiro de 1870. Altera os Regulamentos relativos ao Imperial Colégio de Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 67, 1870.

____. Decreto n. 6.130, de 1º de março de 1876. Altera o Regulamento do Imperial Colégio de Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 256, 1876.

____. Decreto n. 6.884, de 20 de abril de 1878. Altera os Regulamentos do Imperial Colégio de Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, 41º tomo, p. 207, 1879.

____. Decreto n. 8.051, de 24 de março de 1881. Altera os Regulamentos do Imperial Colégio de Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 225, 1882.

____. Decreto n. 9, de 21 de novembro de 1889. Altera a denominação do antigo Colégio de Pedro II e suprime a de Imperial de vários estabelecimentos dependentes do Ministério dos Negócios do Interior. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, primeiro fascículo, p. 8, 1890.

____. Decreto n. 377-A, de 5 de maio de 1890. Organiza a Secretaria dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, quinto fascículo, p. 207, 1898.

____. Decreto n. 981, de 8 de novembro de 1890. Aprova o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, décimo primeiro fascículo, p. 3474, 1891.

____. Decreto n. 1.075, de 22 de novembro de 1890. Aprova o Regulamento para o Ginásio Nacional. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, décimo primeiro fascículo, p. 3865, 1891.

____. Decreto n. 725, de 2 de fevereiro de 1892. Extingue o Internato do Ginásio Nacional e cria em substituição segundo Externato. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 28, 1893.

____. Regulamento n. 8, de 31 de janeiro de 1838. Contém os Estatutos para o Colégio de Pedro Segundo. Coleção das leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, parte 2, p. 61-95, 1839.

____. Regulamento n. 62, de 1 de fevereiro de 1841. Altera algumas disposições do regulamento n. 8, de 31 de janeiro de 1838, que contém os Estatutos do Colégio Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 18, 1842.

CUNHA JUNIOR, Carlos Fernando Ferreira da. O imperial collegio de Pedro II e o ensino da boa sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.

HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O Ensino Secundário no Império. Ed.Grijalbo, 1972.

LORENZ, K. M. A influência francesa no ensino de ciências e matemática na escola secundária brasileira. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 2., Natal, 2003. Anais… Natal, 2003. Disponível em: <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema3/0306.pdf>. Acesso: 3 jun. 2013.

MOURA, Laércio Dias. A educação católica no Brasil. São Paulo: Loyola, 2000.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. A formação do Estado imperial. 2ª ed. São Paulo: Editora Hucitec,1990.

MOACYR, Primitivo. A instrução e o império: subsídios para a história da educação no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. 3v.;18cm. (Biblioteca pedagógica brasileira, Série 5, Brasiliana, v.66, 87, 121).


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 23 – Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO 2H – Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO KE – Publicações Oficiais – Acervo Geral e Periódicos
BR AN,RIO 94 – Série Educação – Ensino Secundário (IE4)
BR AN,RIO 99 – Série Fazenda – Administração (IF2)
BR AN,RIO AF – Série Justiça – Administração (IJ2)
BR AN,RIO DF – Série Viação – Estrada de Ferro – (IV3)


Referência da imagem

Joaquim Manuel de Macedo. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, Livreiro-Editor do Instituto Histórico do Brasil, 1862/1863. OR_0232

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte Colégio Pedro II