A Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra foi instalada no Brasil por decreto de 22 de abril de 1821, promulgado pelas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, reunidas em decorrência da Revolução Liberal iniciada na cidade do Porto, e confirmado por ato de 2 de maio de 1822. As atribuições ligadas aos chamados ‘negócios estrangeiros’ foram transferidas para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, ficando a pasta da Guerra responsável apenas pelos assuntos pertinentes às dependências do Exército e ao seu corpo militar, incluindo fortificações, vedorias, hospitais, armazéns de munições e o provimento de postos militares.
O primeiro ato legal onde as secretarias aparecem separadas foi o decreto de 1821, que preparava o retorno de d. João para Portugal, determinava que d. Pedro assumisse o posto de regente e lugar-tenente d'El rei, além de nomear os novos ministros e secretários de Estado. Porém, apesar dessa orientação para a criação das duas secretarias – Guerra e Estrangeiros – somente em 2 de maio de 1822 o príncipe regente expede novo decreto ratificando a cisão. O ato determinava ainda que não fossem criados novos cargos, os oficiais existentes seriam divididos entre as duas repartições e o oficial-maior serviria a ambas. Contudo, dez anos depois desse rearranjo administrativo, a decisão n. 269, de setembro de 1832, ainda precisava alertar aos agentes do governo que os ‘Negócios da Guerra’ e os ‘Negócios Estrangeiros’ eram secretarias distintas, devendo a pasta da Guerra ser comunicada sobre qualquer assunto relativo a questões militares.
Durante todo o Primeiro Reinado (1822-1831), a Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra possuiu uma estrutura bastante reduzida e personalizada, contando apenas com o secretário, um oficial-maior e oficiais em número indeterminado. Mesmo após a Independência e a Constituição de 1824, a administração imperial manteve grande parte das estruturas herdadas da administração joanina, o que viria a ser alterado em algumas áreas de governação somente após a década de 1830, mas ainda assim em reformas bastante localizadas. Foi com o fim do conturbado período regencial (1831-1840) e a maior estabilidade política que o governo imperial colocou em execução reformas cujo objetivo era a construção de uma burocracia sob novos princípios.
No caso da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, uma das principais mudanças foi a reorganização de sua estrutura central pelo decreto n. 112, de 22 de dezembro de 1841. Esse novo arranjo dividiu a secretaria em três seções, subordinadas ao oficial-maior. A primeira seção seria responsável pelo expediente da secretaria e seu arquivo; a segunda, encarregada de organizar o livro mestre, teria sob sua competência tudo o que fosse relativo a disciplina e instrução, além da organização e extinção de corpos, recrutamento, baixas e licenças; à terceira caberiam os assuntos referentes ao estado do armamento, equipamento e fardamento, além dos arsenais, fortificações, fábricas, aquartelamentos, prisões e demais estabelecimentos vinculados à secretaria.
O mais importante nesse decreto foi a organização da Contadoria-Geral da Guerra, que deveria funcionar anexa à secretaria e seria chefiada por um contador. Nenhuma despesa ou pagamento poderia ocorrer sem a prévia informação à Contadoria-Geral, que seria dividida em três seções: a primeira, responsável pela organização de receitas e despesas relativas ao pessoal do Exército e de todas as repartições subordinadas ao ministério; a segunda, incumbida de tomar as despesas e receitas relativas ao material do Exército e a terceira, encarregada exclusivamente da contabilidade do Arsenal de Guerra da Corte, antes atribuída à contadoria, extinta por este ato.
A Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra sempre contou com grandes orçamentos durante o período imperial, ficando atrás apenas dos créditos destinados à Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, chegando a superá-la algumas vezes, como no ano de 1840. Em busca de um melhor funcionamento no controle dos gastos por parte do governo central, outras reformas se sucederam, principalmente nas repartições fiscais nas décadas seguintes.
Em 1844 a secretaria seria reformada mais uma vez, pelo decreto n. 350, de 20 de abril, que organizou quatro seções e incluiu a contadoria como parte da estrutura administrativa central, deixando, portanto, de ser uma repartição anexa. As duas primeiras seções seriam subordinadas ao oficial-maior e tratariam dos assuntos da secretaria propriamente dita, sendo a primeira responsável pelo expediente e a segunda pelo registro do Livro-Mestre e pelas promoções, reformas e licenças do pessoal. A terceira e quarta seções ficavam dependentes do contador, encarregadas pela receita e despesa da secretaria ou o que tivesse relação com ela, bem como orçamentos, relatórios, distribuição de créditos, fiscalização, processo, exame, tomada e liquidação de contas de todas as repartições e empregados sujeitos a sua alçada. A terceira seção da contadoria, criada em 1841, seria convertida novamente em uma repartição autônoma, voltando a denominar-se Contadoria do Arsenal, diretamente subordinada à nova Contadoria-Geral da Guerra. O decreto criava ainda a figura do cartorário e seu ajudante, que teriam a função de guarda de todos os papéis e livros da secretaria e da contadoria, bem como de sua livraria.
Em 1850 as seções subordinadas ao contador foram extintas, e no seu lugar foi criada, mais uma vez, uma repartição independente da estrutura central da secretaria, denominada Contadoria-Geral, que passava a ser constituída apenas pela primeira e pela segunda seções. Tal organização permaneceu estável até 1860, quando o decreto n. 2.677, de 27 de outubro, rearranjou a secretaria, que ficou assim composta: Primeira Diretoria-Geral e Gabinete do Ministro, responsável pelo expediente da pasta; Segunda Diretoria-Geral do Pessoal, ou Repartição do Ajudante-General; Terceira Diretoria-Geral do Material, ou Repartição do Quartel-Mestre General e Quarta Diretoria-Geral, ou Repartição de Contabilidade da Guerra. Portanto, a contadoria voltou a integrar a Secretaria da Guerra, e duas repartições, que já funcionavam separadamente desde a década de 1850, foram transformadas em diretorias.
Criada em 1853, a Repartição do Quartel-Mestre General seria responsável pela parte logística e de materiais do Exército, tendo como competência a escrituração e o controle do estado do armamento, provisões de guerra, equipamentos, fardamento e materiais em geral. Já a Repartição do Ajudante-General do Exército, criada em 1857, estava encarregada da organização do pessoal da Guerra, funcionando, na prática, como um entreposto entre o ministro – um cargo eminentemente político cujo ocupante nem sempre era versado nos assuntos da pasta – e as tropas. A figura do ajudante-general, nomeado sempre dentre os oficiais generais, é definida no seu decreto de criação como “a primeira autoridade do Exército”, devendo ser o “imediato executor, promotor e fiscal da execução das ordens do ministro tendentes à organização, disciplina e administração do exército” (BRASIL, 1857).
Essa organização da secretaria permaneceu praticamente inalterada até o final do Império, sendo reformada mais uma vez apenas em 1868, em um contexto de exceção, devido aos gastos com a campanha no Paraguai e à crise fiscal. A lei de orçamento votada em 1867 autorizou a realização de mudanças que reduzissem a estrutura da secretaria, suprimindo as seções da Repartição do Quartel-Mestre General e da Repartição do Ajudante General. Esse mesmo decreto, datado de 17 de abril de 1868, alterou ainda a forma como eram chamadas as seções subordinadas à secretaria, passando todas elas a ter apenas o título de Repartição, e não mais de diretorias-gerais.
A lei de orçamento votada em 1879 autorizou a restauração das seções extintas anteriormente, com a condição de que não fossem criados novos encargos para o Tesouro, o que ocorreu nesse ano com a promulgação do decreto n. 7.562, de 6 de dezembro, que reestruturava essas repartições e alocava os oficiais que se encontravam nos corpos especiais. Assim, não foram criados novos gastos para o Tesouro Nacional, voltando a Secretaria da Guerra a possuir a organização aprovada pela reforma de 1860.
Felipe Pessanha de Almeida
Bibliografia
ALMEIDA, Felipe Pessanha de. A Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra (1821-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013. (Série Cadernos Mapa; n. 6).
BRASIL. Decreto n. 1.881, de 31 de janeiro de 1857. Aprova o regulamento para a Repartição do Ajudante-general do Exército. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, v. 1, 1857, p. 36.
PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. Organização e administração do Ministério da Guerra no Império. Brasília: FUNCEP, 1986.
PORTUGAL. DGARQ - Arquivo Nacional Torre do Tombo. Descrição do Fundo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Disponível em: http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4227811. Acesso em: 7 mar. 2013.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO ON Afonso Pena
BR AN,RIO DB Agricultura
BR AN,RIO 0P Caxias
BR AN,RIO 1N Confederação do Equador
BR AN,RIO 1R Conselho de Estado
BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR AN,RIO 23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR AN,RIO 25 Decretos S/N
BR AN,RIO 2H Diversos - SDH - Caixas
BR AN,RIO NP Diversos - SDH - Códices
BR AN,RIO OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR AN,RIO RT Duque de Caxias
BR AN,RIO 3D Inspetoria Geral das Terras e Colonização
BR AN,RIO OG Ministério da Guerra
BR AN,RIO 53 Ministério do Império
BR AN,RIO 0E Polícia da Corte
BR AN,RIO SE Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão
BR AN,RIO KE Publicações Oficiais - Acervo Geral e Periódicos
BR AN,RIO 8E Secretaria do Governo da Província de São Paulo
BR AN,RIO 8T Série Agricultura - Terras Públicas e Colonização (IA6)
BR AN,RIO 9K Série Guerra - Administração (IG2)
BR AN,RIO 9L Série Guerra - Arsenais (IG7)
BR AN,RIO 9M Série Guerra - Colônias Militares (IG12)
BR AN,RIO 9N Série Guerra - Engenharia e Comunicações (IG10)
BR AN,RIO 9O Série Guerra - Escolas (IG3)
BR AN,RIO 9P Série Guerra - Fábricas (IG5)
BR AN,RIO DA Série Guerra - Gabinete do Ministro (IG1)
BR AN,RIO 9R Série Guerra - Guarda Nacional (IG13)
BR AN,RIO 9S Série Guerra - Hospitais, Corpo de Saúde (IG6)
BR AN,RIO 9T Série Guerra - Intendência (IG4)
BR AN,RIO 9U Série Guerra - Pagadoria das Tropas (IG9)
BR AN,RIO 9V Série Guerra - Quartéis (IG8)
BR AN,RIO A6 Série Interior - Gabinete do Ministro (IJJ1)
BR AN,RIO AM Título: Série Justiça - Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)
Referência da imagem
Exército brasileiro. GRA 15, Acervo Gravuras Arquivo Nacional
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte o verbete Ministério da Guerra