Fachada do Palácio do Itamaraty, construído na rua Larga de São Joaquim, hoje Avenida Marechal Floriano, Rio de Janeiro, século XIX.
Fachada do Palácio do Itamaraty, construído na rua Larga de São Joaquim, hoje Avenida Marechal Floriano, Rio de Janeiro, século XIX.

A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros foi criada pelo decreto de 13 de novembro de 1823, que distribuiu as competências da antiga Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros em duas novas pastas, Império e Estrangeiros. Suas atribuições tiveram origem na administração portuguesa e remetiam ao alvará de 14 de outubro de 1788, que entendiam os negócios estrangeiros como todas as negociações com as Cortes estrangeiras e a nomeação dos ministros no exterior, assim como a administração de toda a documentação produzida pelos mesmos; tratados diversos, tais como os de paz, guerras, alianças, comércio e casamentos celebrados entre nações, as cartas para os reis, príncipes, e quaisquer outras pessoas no exterior, e as conferências com os ministros estrangeiros na corte. (IHGB, lata 4, doc. 21)

A estrutura tripartida que até hoje vigora no Ministério das Relações Exteriores, composta de secretaria de Estado, missões diplomáticas e repartições consulares iniciou-se na administração de José Bonifácio, quando os negócios estrangeiros ainda eram vinculados aos assuntos da pasta do Império (CASTRO, 1983, p. 20). As missões e os consulados, células administrativas no exterior, possuíam estruturas próprias e sua organização variava nos países de acordo com o grau de interesse e parceria do governo brasileiro com a nação estrangeira. A administração central não possuía uma organização especializada nos primeiros anos de sua existência e, assim como a dos demais ministérios, era bastante simplificada, não havendo a divisão das atividades em seções ou diretorias especializadas. Em 1828, no entanto, sob a direção de João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg, o marquês de Aracati, iniciou-se uma reorganização administrativa da pasta (GABLER, 2013).

Em 6 de agosto de 1828, por portaria de Aracati, o arquivo da secretaria foi dividido em três repartições e estabelecida a forma de distribuição dos documentos. Em 15 de setembro do mesmo ano, outra portaria repartiu os trabalhos e distribuiu os oficiais da Secretaria dos Estrangeiros por seis divisões. A competência das cinco primeiras era relativa à correspondência interna e externa da secretaria, distribuída de acordo com critérios geográficos. A sexta divisão ficou responsável pelos decretos, certidões e cartas a príncipes. Através da leitura das portarias emitidas entre 1822 e 1828, foi possível identificar ainda a existência de um oficial-maior, responsável pela distribuição dos trabalhos entre os demais oficiais (GABLER, 2013). Anos depois, em 1834, durante a gestão do ministro Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, foi promulgado o primeiro regimento consular, pelo decreto de 14 de abril de 1834. Nesse mesmo ano, por decreto de 15 de maio, foi promulgado o Regimento das Legações Brasileiras de sua majestade o Imperador do Brasil (CASTRO, 1983, p. 49-53).

Na década de 1840, inicia-se uma sequência de reformas administrativas nas secretarias de Estado e em outros órgãos do Império. É nesse período que a administração dos órgãos públicos começa a se aproximar de um modelo mais burocrático, com a divisão organizacional por funções, o estabelecimento de normas e disposições que orientassem as atividades e serviços e a visão do servidor como um agente do Estado, com atividades e o ingresso no serviço público regulados. Nesse sentido, o processo das reformas administrativas das secretarias de Estado iniciou-se com a estruturação da pasta da Guerra, em 1841, e no ano seguinte foi a vez de Marinha, Justiça, Império e Estrangeiros (CASTRO, 1983, p. 65-66; GABLER, 2013).

A reforma da pasta dos Estrangeiros, instituída pelo decreto n. 135, de 26 de fevereiro de 1842, estabeleceu que seus serviços ficassem divididos em quatro seções e um arquivo, todos sob a direção de um mesmo oficial-maior. A divisão das atividades entre as seções seguia uma lógica geográfica. A 1ª Seção ficou responsável por todos os negócios tratados pelas legações e consulados brasileiros na França e Inglaterra, assim como dos negócios desses dois países no Império. À 2ª Seção couberam os demais países europeus. A 3ª Seção tratava dos negócios junto às nações americanas, como também aos países fora da América e da Europa. A 4ª Seção possuía um caráter mais administrativo e cuidava da correspondência, orçamento e escrituração sobre vencimentos, dentre outras atribuições. Em 11 de junho de 1847, foi aprovado um novo regulamento consular, pelo decreto n. 520, que incluiu novas determinações ao regulamento de 1834, com novas instruções sobre expediente, serviços administrativos, normas para correspondência oficial, criação de cargos e, principalmente, o estabelecimento de exames para a admissão de cônsules, dispensando de prestá-los os estrangeiros e os brasileiros de reconhecida aptidão.

Os primeiros anos da década de 1850, período em que Paulino José Soares de Souza comandou a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, foram caracterizados por diversas reformas administrativas, destacando-se a lei n. 644, de 22 de agosto de 1851, que instituiu a primeira organização do corpo diplomático brasileiro e regulou o acesso à carreira diplomática, dando prioridade aos candidatos com formação jurídica ou equivalente. Também foi estabelecido um novo regulamento do corpo diplomático, pelo decreto n. 940, de 20 de março de 1852, e a fixação da primeira tabela de vencimentos, representações e verbas de expediente para o serviço diplomático, pelo decreto n. 954, de 6 de abril 1852 (CASTRO, 1983, p. 84-88).

Em 1859 a secretaria sofreu uma grande reforma pelo decreto n. 2.358, de 19 de fevereiro. O modelo administrativo diferiu muito do anterior, deixando de ser organizado em atividades segundo critérios geográficos, passando a ter seções cujas atribuições se estruturavam de acordo com aspectos diversos das relações exteriores. Desse modo, as seções passaram a ser: Seção Central; 1ª Seção, dos Negócios Políticos e do Contencioso; 2ª Seção, dos Negócios Comerciais e Consulares; 3ª Seção, da Chancelaria e Arquivo; 4ª Seção, da Contabilidade. O arquivo passou a integrar a 3ª Seção, enquanto o cargo de oficial-maior foi substituído pelo de diretor-geral, tendo sido criado o cargo de consultor.

A guerra com o Paraguai (1864-1870) gerou grandes dificuldades financeiras para o Império, e a lei orçamentária de 1867 buscou reduzir as despesas com a administração pública e melhorar a receita, autorizando reformas no sistema de arrecadação de impostos e nas secretarias de Estado. A orientação dada pela lei era a de alterar os quadros e vencimentos dos empregados, diminuir o pessoal, reduzir a despesa total das verbas competentes, regular as gratificações e porcentagens para corrigir as desproporções de vencimentos ou excesso resultante da cobrança das novas imposições. Seguindo essas determinações, as secretarias de Estado foram reformadas em 1868, mas a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros não sofreu grandes transformações em sua estrutura, sendo apenas suprimido o cargo de consultor, pelo decreto n. 4.171, de 2 de maio de 1868.

A configuração administrativa de 1868 manteve-se até o advento da República. Assim que o novo regime se estabeleceu, em 1889, a denominação da pasta mudou para Secretaria de Estado das Relações Exteriores. No ano seguinte, o decreto n. 291, de 29 de março, determinou uma nova organização composta por um diretor-geral e quatro diretores de seção, mas não explicitou sua distribuição, nem estabeleceu o nome das seções. Ainda em 1890, em 5 de dezembro, o decreto n. 1.120 deu nova divisão às seções da secretaria, extinguindo a 3ª – de Chancelaria e Arquivo – substituindo-a por um arquivista, que teria por atribuição os assuntos da antiga que eram de sua alçada, com exceção da correspondência, a cargo da 1ª Seção. Esta seção também passou a ter as competências da Seção Central, que fora extinta. Com a lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, que reorganizou a administração federal, os ministérios brasileiros sofreram uma nova reforma e a secretaria teve sua denominação alterada para Ministério das Relações Exteriores.


Louise Gabler
5 jun. 2014


Bibliografia
CALOGERAS, João Pandiá. A política exterior do Império. Brasília: Senado Federal, Conselho Editoral,1998.

CARVALHO, Carlos Miguel Delgado de. História diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.

CASTRO, Flávio Mendes de Oliveira. História da organização do Ministério das Relações Exteriores. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983.

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. A política externa brasileira 1822-1985. Série Princípios, n. 89. São Paulo: Ática, 1986.

Gabler, Louise. A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e a consolidação das relações exteriores no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013. (Publicações Históricas; 80) (Cadernos Mapa; 7 – Memória da Administração Pública Brasileira). Disponível em: < https://goo.gl/46fkWf>. Acesso: 21 mai. 2014.

SOARES, Álvaro Teixeira. Organização e administração do Ministério dos Estrangeiros. Brasília: FUNCEP, 1984.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO 1R – Conselho de Estado
BR AN,RIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 23 – Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO 2H – Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO NP – Diversos – SDH – Códices
BR AN,RIO OI – Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR AN,RIO 57 – Ministério do Reino
BR AN,RIO 0E – Polícia da Corte
BR AN,RIO 8T – Série Agricultura – Terras Públicas e Colonização (IA6)
BR AN,RIO 9E – Série Fazenda – Gabinete do Ministro (IF1)
BR AN,RIO DA – Série Guerra – Gabinete do Ministro (IG1)
BR AN,RIO A9 – Série Interior – Nacionalidades (IJJ6)
BR AN,RIO AM – Série Justiça – Polícia – Escravos – Moeda Falsa – Africanos (IJ6)
BR AN,RIO B7 – Série Relações Exteriores – Administração (IR2)
BR AN,RIO B8 – Série Relações Exteriores – Atividades Comerciais e Culturais (IR4)
BR AN,RIO B9 – Série Relações Exteriores – Gabinete do Ministro (IR1)
BR AN,RIO BA – Série Relações Exteriores – Missões Diplomáticas Etc. (IR3)
BR AN,RIO KE – Publicações Oficiais – Acervo Geral e Periódicos


Referência da imagem
Estereoscopia Rodrigues & Co. Rio de Janeiro, [s.d.]. Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT444_020

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte o verbete Ministério das Relações Exteriores