Exposição do Estado da Fazenda Pública (1821-23), apresentada pelo presidente do Tesouro Público do Rio de Janeiro, Manuel Jacinto Nogueira da Gama, marquês de Baependi.
Exposição do Estado da Fazenda Pública (1821-23), apresentada pelo presidente do Tesouro Público do Rio de Janeiro, Manuel Jacinto Nogueira da Gama, marquês de Baependi.

O Erário Régio foi criado no Brasil pelo decreto de 11 de março de 1808, que nomeou d. Fernando José de Portugal seu presidente e ministro e secretário de Estado dos Negócios do Brasil. O alvará de 28 de junho de 1808 determinou que através do órgão e do Conselho da Fazenda, estabelecido nesta data, fossem expedidos todos os negócios pertencentes a arrecadação, distribuição e administração da Fazenda Real do continente e domínios ultramarinos.

Criado em Portugal em 1761, o Erário Régio fez parte dos esforços empreendidos por Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e depois marquês de Pombal, durante o reinado de d. José I, para organizar e centralizar a arrecadação das rendas do Reino e Domínios Ultramarinos. Tais mudanças visavam à modernização da administração do Estado e a recuperação da economia portuguesa, o que impunha maior controle e vigilância do sistema financeiro. Ligada à emergência de novos princípios administrativos, verifica-se o estabelecimento de um formato em que se ampliaram as funções relacionadas às novas atividades do poder – como as finanças, a economia ou a própria organização administrativa – em detrimento na preponderância da Justiça, com seus conselhos, tribunais e juntas (HESPANHA, 1994).

Instalado no Brasil por ocasião da vinda da família real, ao longo do período joanino o funcionamento do Erário Régio foi bastante regulamentado, ao contrário de outros órgãos da administração central transferidos para o novo centro de poder. A importância dos negócios sob sua administração permite compreender a organização altamente especializada definida em seus regulamentos e no arranjo precocemente assumido por sua estrutura, composta por unidades administrativas e não cargos. O formato institucional do Erário Régio do Brasil era distinto de seu congênere em Portugal. Da mesma forma, não houve o estabelecimento de uma repartição da Fazenda na nova sede da corte; a secretaria em Lisboa, criada em 1788 e estabelecida em 1801, continuou a funcionar regularmente até a revolução liberal de 1820 (ALMEIDA, 2008, p. 79).

A grave crise econômica e a ausência prolongada da corte deram origem ao movimento liberal constitucionalista que esteve à frente da Revolução do Porto. A busca pela retomada da centralidade política de Lisboa no império luso-brasileiro e o estabelecimento das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa acabaram por promover algumas mudanças na organização político-administrativa que vigorou durante a permanência de d. João VI no Rio de Janeiro. Por determinação das Cortes Gerais, em 1821 foi criado o lugar de ministro e secretário dos Negócios da Fazenda no Brasil, que somente existia em Portugal, e alterada a denominação de Erário Régio para Tesouro Público do Rio de Janeiro. Seguindo a trajetória administrativa de sua similar portuguesa, a Secretaria de Fazenda não foi imediatamente instalada como uma repartição administrativa distinta, o que aconteceria apenas na década de 1830 (BARCELOS, 2014).

A Independência e a promulgação da Constituição de 1824 deram início à reorganização do aparato administrativo e do ordenamento jurídico da jovem nação, requisitos essenciais à estabilização da ordem e à recomposição das relações internas de poder. A Constituição brasileira estabeleceu apenas os princípios básicos da organização do Poder Executivo e que haveria diferentes secretarias de Estado, cabendo à legislação ordinária determinar os negócios pertencentes a cada uma e o seu número. Ficava estabelecido pela Carta Magna que a administração da Fazenda Nacional estava a cargo do ministro da Fazenda e de um tribunal, denominado Tesouro Nacional. Este ficava mantido como um órgão que desempenhava funções administrativas e judiciais, responsável pela administração, arrecadação e contabilidade do Império (BRASIL, CF, 1824, art. 170).

Apesar do novo estatuto político e da promulgação da Constituição, poucas mudanças se verificaram na administração imperial até a década de 1830. As que ocorreram foram bastante localizadas, promovendo pequenos ajustes em competências ou na estrutura dos órgãos. No caso do Tesouro Nacional, essas alterações orientaram-se no sentido de procurar adequar o seu funcionamento à extinção de alguns órgãos, como no caso do Tribunal da Junta da Bula da Cruzada (1828) e da Provedoria dos Defuntos e Ausentes (1830). No decreto de 23 de janeiro de 1829 houve a primeira mudança de maior amplitude, quando as contadorias que compunham sua estrutura central tiveram as atribuições ajustadas ao cumprimento das exigências da lei de 8 de outubro de 1828, que determinava que todas as repartições que despendessem dinheiro público deveriam prestar contas no Tesouro Nacional, devendo o secretário da Fazenda apresentar na Câmara dos Deputados o balanço geral da receita e despesa, e o orçamento geral do Império (BRASIL, 1829, p. 9-10).

Mas foi a reforma aprovada pela lei de 4 de outubro de 1831 que promoveu a primeira alteração da administração imperial em toda uma área de governação – a Fazenda – antecipando o que ocorreria com outras secretarias de Estado somente a partir da década de 1840. Foram reestruturados o Tesouro Nacional e as juntas de Fazenda, que passaram a se chamar, respectivamente, Tesouro Público Nacional e tesourarias provinciais. O Conselho da Fazenda foi extinto, ficando sua jurisdição contenciosa a cargo dos juízes territoriais, cabendo ao próprio Tesouro Público toda jurisdição voluntária de objetos como habilitações, ordenados, tenças, pensões, assentamentos dos próprios nacionais, dos contratos das rendas públicas e da expedição de títulos ou diplomas a todos os oficiais de Fazenda subordinados ao órgão.

As tesourarias provinciais, presididas pelos presidentes de províncias, eram responsáveis pela administração, arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização das rendas públicas, e por todas as repartições fiscais locais, mas subordinadas ao Tesouro Público Nacional. Integrava a estrutura do Tesouro a Secretaria, a Contadoria-Geral de Revisão, a Tesouraria-Geral e o Cartório, e o Tribunal do Tesouro Público Nacional, também criado pela lei de 4 de outubro de 1831. O Tribunal funcionava segundo o modelo administrativo que moldara seu antecessor, o Conselho da Fazenda, constituindo-se num colegiado, presidido pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, e composto ainda pelos dirigentes das repartições da estrutura central do Tesouro Público Nacional.

A partir de 1831 “a atuação da Secretaria de Fazenda começa a tomar contornos mais bem definidos” (BARCELOS, 2014, p. 46). Assim, a condução da administração fazendária ficava sob a responsabilidade da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, do Tesouro Público Nacional e do Tribunal do Tesouro Público Nacional, que coexistiam assumindo papéis distintos, segundo o modelo institucional vigente no Antigo Regime. O Tribunal do Tesouro Público Nacional era um órgão consultivo e constituía-se na instância superior de deliberação e consulta dos negócios da Fazenda; a Secretaria de Estado compreendida o conjunto de órgãos subordinados ao secretário, a quem cabia o comando da política financeira e econômica; e o Tesouro Público Nacional, o núcleo administrativo através do qual era exercida a administração da Fazenda (BARCELOS, 2014, p. 9). Na estrutura do Tesouro Nacional havia uma secretaria, responsável pelo despacho e expediente do secretário de Estado, designada Secretaria de Estado da Fazenda, que não se deve confundir com a Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, responsável por toda administração fazendária (BARCELOS, 2014, p. 39).

O Ato Adicional de 1834 – que, pela primeira vez definiu competência fiscal específica para as províncias, o que permitiu distinguir as despesas e rendas do governo central e das províncias – promoveu alterações localizadas na organização fazendária (CABRAL, 2015a). Assim, a Corte e a província do Rio de Janeiro ficavam separadas administrativamente. A tesouraria provincial foi transferida para a nova capital, Niterói, e foi criada na Corte a Recebedoria de Rendas, diretamente subordinada ao Tribunal do Tesouro, cabendo à Contadoria-Geral de Revisão a escrituração das despesas e receitas ali realizadas (BARCELOS, 2014, p. 46). Ao longo da década de 1840, o Tesouro Nacional sofreu novas mudanças: a decisão n. 213, de 15 de abril de 1840, dividiu os trabalhos da Contadoria-Geral da Revisão por quatro seções: de Escrituração e Expediente, de Balanço, de Tomada e Revisão de Contas e de Dívida Pública. Em 1841, pela decisão n. 281, de 11 de janeiro, ficava criada mais uma seção na Contadoria-Geral, a de Assentamento; em 1844, o decreto n. 348, de 19 de abril, reformava a Secretaria da Fazenda, subordinada ao inspetor-geral, ampliava seu quadro de funcionários e autorizava a sua divisão em seções.

No entanto, uma ampla reformulação do Tesouro Público Nacional foi realizada em 1850, pelo decreto n. 736, de 20 de novembro. Essa reforma teve por objetivo solucionar problemas administrativos enfrentados pelo órgão, em virtude do grande volume de trabalho, agravado pelo despreparo e falta de pessoal (BARCELOS, 2014, p. 50). O Segundo Reinado reunia condições políticas apropriadas para avançar no sentido de estruturar a administração imperial, afastando-se do modelo de organização que caracterizara os primeiros anos pós-Independência, de forma a fazer frente à crescente complexidade das atividades e procedimentos burocráticos. Resultado da maior presença do Estado em diversas áreas, a reforma que teve início da área da Fazenda atingiu as repartições centrais de outras secretarias de Estado.

Ficava mantido o Tribunal do Tesouro, com alterações em suas atribuições, e seu modelo administrativo: colegiado composto pelos chefes das diferentes repartições do Tesouro Público e presidido pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. No Tesouro Público Nacional foram criadas quatro diretorias-gerais, independentes e diretamente subordinadas ao secretário de Estado: das Rendas Públicas, da Despesa Pública, da Contabilidade e do Contencioso. Integrava ainda sua estrutura a Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, “repartição principal de despacho do ministro da Fazenda e do Tribunal do Tesouro” (BARCELOS, 2014, p. 50). A reforma de 1850 atingiu ainda as tesourarias provinciais, regulamentadas no ano seguinte, e extinguiu a Tesouraria do Rio de Janeiro, cujas funções passaram a ser exercidas pelo Tesouro Público (BARCELOS, 2014, p. 52-53).

Em 1859 e 1860 o Tesouro Público Nacional e as secretarias da Justiça, dos Estrangeiros, da Marinha, do Império e da Guerra foram mais uma vez reorganizadas, desta vez em duas etapas, ambas sob os mesmos fundamentos. Na base desses arranjos administrativos estava a expansão da atuação do Estado em diferentes áreas, com maior ou menor êxito, o que exigiu o paulatino reforço das secretarias de Estado, que passaram a se constituir como o centro da ação administrativa do Poder Executivo (ALMEIDA, 1995, p. 251).

Aprovada pelo decreto de 29 de janeiro de 1859, a reforma redefiniu o papel do Tribunal do Tesouro Público, reforçando seu caráter de órgão consultivo, responsável pela fiscalização e julgamento das contas (BARCELOS, 2014, p. 54). Esse novo arranjo foi complementado pelo decreto n. 2.548, de 1º de março de 1860, que definiu a jurisdição do Tribunal do Tesouro e das tesourarias provinciais na tomada de contas das repartições de Fazenda. Na estrutura do Tesouro Público Nacional foram mantidas a Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda e as diretorias-gerais de Rendas Públicas, da Contabilidade e do Contencioso e da Tomada de Contas. Foi extinta a Diretoria-Geral das Despesas Públicas, cujas atribuições foram distribuídas pelas demais diretorias, e transformada a 1ª Contadoria, subordinada à Diretoria-Geral de Contabilidade, em Diretoria-Geral da Tomada de Contas.

A aprovação do orçamento imperial para os exercícios 1867-1868 e 1868-1869, pela lei n. 1.507, de 26 de setembro de 1867, autorizou o governo a alterar a organização das secretarias de Estado, da Contadoria e da Intendência da Marinha, da Pagadoria das Tropas, dos arsenais, da Secretaria de Polícia e das repartições de Fazenda, bem como os quadros e vencimentos dos respectivos empregados. Tal iniciativa pretendeu fazer face à conjuntura econômica iniciada em 1864, marcada por uma crise comercial e bancária, endividamento e inflação, agravada ainda pelo aumento do gasto do governo com a Guerra do Paraguai (1864-1870).

A primeira reforma ocorreu no Tesouro Público Nacional, pelo decreto n. 4.153, de 6 de abril de 1868. Não se verificou uma alteração substancial em sua estrutura, restringindo-se à extinção de um cargo de subdiretor, de uma das seções da Diretoria-Geral de Rendas, e de uma das pagadorias da Diretoria-geral da Contabilidade. Verificou-se ainda a supressão de atribuições e a transferência de serviços entre diretorias-gerais, além da passagem do Cartório do Tesouro para a Secretaria (BRASIL, 1868, p. 164-182). Tal redução foi alcançada somente em 1873, pelo decreto n. 5.245, de 5 de abril, que aprovou um novo quadro de funcionários, extinguiu cargos e seções, além de promover outras alterações em sua estrutura (BARCELOS, 2014, p. 56).

Foi o decreto n. 9.199, de 3 de maio de 1884, que realizou a última reforma do Tesouro Público Nacional no período imperial, transformando a Repartição Especial de Estatística, criada pela lei n. 2.792, de 20 de outubro de 1877, em Diretoria-Geral de Estatística.

Dilma Cabral
10 jun. 2015


Bibliografia

ALMEIDA, Joana Estorninho de. A Cultura Burocrática Ministerial: repartições, empregados e quotidiano das secretarias de Estado na primeira metade do século XIX. 466p. Dissertação de mestrado – Instituto de Ciências Sociais. Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2008.

BARCELOS, Fábio Campos. A Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda e o Tesouro Nacional. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2014. (Publicações Históricas; 109) (Cadernos Mapa; 9 – Memória da Administração Pública Brasileira). Disponível em: <https://goo.gl/xnJ2pw>. Acesso em: 12 mar 2018.

CABRAL, Dilma. Erário Régio. In: Dicionário Online da Administração Pública Brasileira do Período Colonial (1500-1822). Disponível em: <https://goo.gl/Jey4Fk>. Acesso em: 1º abr. 2015.

____. Ato Adicional. In: Dicionário Online da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: <https://goo.gl/WsdF2H>. Acesso em: 1º abr. 2015a.

HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO 0G Caixa de Amortização
BR AN,RIO 1B Cofre dos Órfãos
BR AN,RIO 1H Comissão Especial de Exame do Cofre dos Órfãos
BR AN,RIO EL  Conselho de Fazenda
BR AN,RIO 23 Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO NP Diversos – SDH – Códices
BR AN,RIO OI Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR AN,RIO EM Fazenda Nacional de Santa Cruz
BR AN,RIO EG Junta da Fazenda da Província de São Paulo
BR AN,RIO 4O Ministério da Fazenda
BR AN,RIO 53 Ministério do Império
BR AN,RIO 59 Negócios de Portugal
BR AN,RIO 7T Provedoria da Fazenda Real de Santos
BR AN,RIO 7W Real Erário
BR AN,RIO 86 Secretaria do Estado do Brasil
BR AN,RIO 8M Série Agricultura – Administração (IA2)
BR AN,RIO 99 Série Fazenda – Administração (IF2)
BR AN,RIO 9A Série Fazenda – Bancos e Caixas (IF5)
BR AN,RIO 9B Série Fazenda – Casa da Moeda – Caixa de Amortização (IF6)
BR AN,RIO 9E Série Fazenda – Gabinete do Ministro (IF1)
BR AN,RIO 9I Série Fazenda – Tesouraria da Fazenda – Alfândegas – Etc. (IF3)
BR AN,RIO 9J Série Fazenda – Tribunal Tesouro Público Nacional e Procuradorias da Fazenda (IF8)
BR AN,RIO A8 Série Interior – Mordomia – Casa Imperial – Casa Presidencial (IJJ3)
BR AN,RIO B0 Série Marinha – Intendência da Corte (VII M)
BR AN,RIO B2 Série Marinha – Ministro – Secretaria de Estado (X M)
BR AN,RIO B6 Série Marinha – Socorros de Marinha – Corpo de Fazenda (XVII M)
BR AN,RIO BX Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia
BR AN,RIO BY Tesouraria da Fazenda da Província de São Paulo
BR AN,RIO BZ Tesouraria da Fazenda da Província do Pará
BR AN,RIO C2 Tesouro Nacional


Referência da imagem

Exposição do Estado da Fazenda Pública do ano de 1821 a 1823, p. TP-1. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1504/000002.html>

 

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período  imperial. Para informações entre 1808-1822 e 1889-1930, consulte Erário Régio e Tesouro Público Nacional