O Tribunal do Tesouro Público Nacional, criado com a lei de 4 de outubro de 1831, funcionava como um órgão colegiado, onde o ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e demais funcionários pertencentes ao alto escalão do governo tomavam decisões relativamente às diferentes matérias da Fazenda Nacional. Cabia a essa instância hierárquica a “suprema direção e fiscalização da receita e despesa nacional, inspecionando a arrecadação, distribuição e contabilidade de todas as rendas públicas, e decidindo todas as questões administrativas” relacionadas a essas matérias (Brasil, 1831, p. 104).
A periodização estabelecida pela historiografia sobre as principais reformas da administração imperial implementadas pelo governo durante o século XIX identificou um primeiro período de 1822 a 1840 no qual ocorreram algumas tentativas que visavam à reestruturação das secretarias de Estado e a reordenação dos seus trabalhos. As mudanças realizadas nesse período foram bastante pontuais, atentando para as especificidades de cada área, bem como para a sua importância na nova ordem político-institucional que se inaugurara com a Independência do país. Nesse contexto, a área da Fazenda ganhou uma atenção especial do governo, ao ser aprovada, durante a regência, a lei de 4 de outubro de 1831, que representou de fato uma grande reformulação interna da estrutura de sua secretaria de Estado (Cabral, 2014, p. 8-10).
Na conjuntura que se seguiu imediatamente à Independência, as secretarias de Estado não sofreram alterações significativas, funcionando ainda com a mesma estrutura herdada do período joanino (1808-1821), cujas reformulações sofridas foram bastante restritas, não sendo, portanto, orientadas por um projeto de reordenação do modelo institucional administrativo como um todo. Quanto à área fazendária, cabe notar a decisão das Cortes Gerais de criar, ainda em 1821, o cargo de ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, separado do posto de secretário de Estado dos Negócios do Brasil, que até então exercia esta função, e a de presidente do Erário Régio. No entanto, tal medida não redundou, nesse momento, na criação de uma secretaria de Estado como uma repartição administrativamente distinta da organização fazendária (Cabral, 2014, p. 8-9).
A Constituição de 1824 trouxe mudanças significativas para a organização das secretarias de Estado, prevendo posteriormente a regulamentação das suas áreas de atuação, estrutura e funcionamento, e definiu os princípios gerais que regulamentaram a administração imperial norteada pela centralização e subordinação hierárquica dos presidentes de províncias a ministros e secretários de Estado e destes últimos à autoridade do imperador. Tendo sido o princípio da inviolabilidade do imperador igualmente definido pelo texto constitucional, a responsabilidade pelos atos do governo recaíam então sobre ‘os agentes diretos da administração geral’, isto é, seus ministros e secretários de Estado (Cabral, 2014, p. 7). Foi previsto também uma instância superior denominada Tribunal do Tesouro Nacional, responsável pela receita e despesa da Fazenda Nacional, sendo organizado em diversas estações, onde, de acordo com legislação posterior, ficariam estabelecidas “sua administração, arrecadação e contabilidade em recíproca correspondência com as tesourarias e autoridades das províncias do Império (Brasil. Constituição (1824), art. 170).
Dentro desse contexto, a aprovação da lei de 4 de outubro de 1831 pode ser considerada uma reforma mais orgânica em conformidade com os princípios do ideário político liberal e de uma administração mais centralizada e hierarquizada, alterando de forma significativa não só a repartição central da área fazendária, mas seus congêneres nas províncias (Cabral, 2014, p. 9).
A reforma de 1831 reestruturou o Tesouro Público Nacional, então denominado Tesouro Nacional, que passou a reunir “os principais órgãos de administração da estrutura fazendária ligados às tarefas administrativas de escrituração, fiscalização e controle das contas nacionais, sendo, portanto, o núcleo administrativo da Secretaria de Estado da Fazenda” (Barcelos, 2014, p. 39). Ampliou a organização fazendária ao acrescentar um nível hierárquico no topo da pirâmide institucional, o Tribunal do Tesouro Público Nacional, que sucedeu e absorveu as atribuições do Conselho da Fazenda, estabelecido em 1808 e extinto por essa reforma. O Tribunal passava então a exercitar toda a jurisdição voluntária “a respeito de habilitações, ordenados, tenças e pensões do assentamento dos próprios nacionais; dos contratos das rendas públicas e da expedição de títulos ou diplomas a todos os Oficiais da Fazenda, subalternos do Tesouro Público” (Brasil, 1831, p. 105).
Conforme definição à época, o termo “tribunal” se referia à reunião que os altos funcionários do tesouro faziam “com o fim de acordarem sobre o conhecimento e decisão dos objetos sujeitos a sua jurisdição e consulta” (apud Barcelos, 2014, p. 8). O tribunal era composto por um presidente, cargo exercido pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, inspetor-geral, contador geral e procurador fiscal, nomeados pelo imperador. O tribunal era um órgão consultivo que auxiliava o presidente a deliberar sobre todos os negócios de competência do Tesouro Nacional. Responsável político pela condução dessas matérias, competia-lhe levar à presença do imperador todos os negócios do tribunal que exigissem sua aprovação e assinatura (Brasil, 1831, p. 106). O vice-presidente do tribunal era o inspetor-geral, responsável pela “fiscalização particular da arrecadação, administração, distribuição e contabilidade das rendas nacionais em todo o Império, exercitando esta sua atribuição por meio dos respectivos inspetores de Fazenda ou chefes de tesourarias das províncias do Império”. A lei de 4 de outubro também criou e definiu as atribuições das tesourarias nas províncias que ficaram subordinadas ao tribunal, cabendo-lhes “a administração, arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização de todas as rendas públicas da província” (Brasil, 1831, p. 115).
Na reforma de 1831, foi instituída uma secretaria do Tribunal do Tesouro, onde o ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, o Tribunal do Tesouro e seu inspetor-geral expediam suas resoluções, instruções e ordens às tesourarias provinciais e às demais repartições da Fazenda. A cargo dessa repartição, ficava ainda a expedição de títulos, ou diplomas, para todos os empregados de Fazenda, qualquer que fosse a sua classe, e bem assim a escrituração das condições de contratos, e administrações de rendas nacionais e seus respectivos alvarás decorrentes (Brasil, 1831, p. 111). A secretaria era chefiada pelo inspetor-geral que contava, para auxiliá-lo, com cinco oficiais, sendo um deles o oficial-mor, e quatro amanuenses. Posteriormente, essa repartição foi reformada pelo decreto n. 348, de 19 de abril de 1844, passando a ser denominada Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda.
O ano de 1850 foi um marco importante para o processo de construção do Estado imperial. Na área fazendária, tendo à frente um dos representantes da trindade saquarema, o ministro e secretário de Estado Joaquim José Rodrigues Torres (1848-1853), foi aprovado o decreto n. 736, de 20 de novembro, distinguindo uma Suprema Administração da Fazenda Nacional da Administração Central da Fazenda ou Tesouro Nacional (Carvalho, 2010, p. 256-7). Nessa primeira divisão, estava o Tribunal do Tesouro, que continuava a ser um órgão colegiado, possuindo atribuições deliberativas nas questões relativas “ao julgamento de contas e recursos, na solução de conflitos de jurisdição e imposição de multas” onde todos os seus membros possuíam voto deliberativo e o presidente apenas o voto de qualidade. Mas nas questões de natureza mais técnica e prática das atividades do tesouro, o tribunal tinha função consultiva, cabendo ao presidente a decisão final (Barcelos, 2014, p. 50). Quanto à sua estrutura, o ministro da Fazenda continuava sendo o presidente, acrescido de quatro membros nomeados pelo imperador: os diretores-gerais das Rendas Públicas, da Despesa Pública, da Contabilidade e o procurador fiscal (Brasil, 1850, p. 243).
A partir da reforma de 1850, conforme avaliação de um ministro à época, o tribunal passou a funcionar mais como uma instância administrativa em detrimento de sua atuação como uma instituição fiscalizadora das contas públicas (Barcelos, 2014, p. 50). No final da década de 1850, o decreto n. 2.343, de 29 de janeiro de 1859, que reorganizou o Tesouro Público, reforçou a atuação do tribunal como um órgão de fiscalização das contas públicas, acrescentando às atribuições já definidas pelo decreto n. 736, de 20 de novembro, o pagamento de contas e a aplicação de multas. Em 1860, o decreto n. 2.548, de 10 de março, deu regulamento definitivo ao Tribunal do Tesouro Nacional e o instituiu como um tribunal administrativo para a tomada de contas, exercendo, para tanto, jurisdição contenciosa e disciplinar sobre os responsáveis pela Fazenda Pública (Brasil, 1860, p. 72-3).
O Tribunal do Tesouro Público Nacional foi extinto pelo artigo 12 da lei n. 23, de 30 de outubro de 1891. Suas atribuições de julgar passariam a ser exercidas pelo Tribunal de Contas logo que fosse constituído. Já as atribuições meramente consultivas ou administrativas sob a responsabilidade do Tribunal ficaram a cargo do ministro da Fazenda, que passaria a despachá-las em audiência singular ou coletiva dos respectivos diretores.
Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
28 abr. 2015
Bibliografia
BARCELOS, Fábio Campos. A Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda e o Tesouro Nacional. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2014. (Publicações Históricas; 109) (Cadernos Mapa; n. 9 – Memória da Administração Pública Brasileira). Disponível em: <https://goo.gl/xnJ2pw>. Acesso em: 12 mar 2018.
Brasil. Lei de 4 de outubro de 1831. Dá organização ao Tesouro Público Nacional e às Tesourarias das Províncias. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 103-127, 1875.
____. Decreto n. 348, de 19 de abril de 1844. Reformando a Secretaria d’Estado dos Negócios da Fazenda, em virtude do artigo 44 da Lei de 21 de Outubro de 1843. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte. 2, p. 42, 1844.
____. Decreto n. 736, de 20 de novembro de 1850. Reforma o Tesouro Público Nacional e as Tesourarias das províncias. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 243-61, 1851.
____. Decreto n. 2.343, de 29 de janeiro de 1859. Faz diversas alterações nos decretos n. 736, de 20 de novembro de 1850 e 870, de 22 de novembro de 1851. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 20, 1859.
____. Decreto n. 2.548, de 10 de março de 1860. Dá Regulamento ao Tribunal do Tesouro para a tomada de contas dos responsáveis para com a Fazenda Nacional. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte, p. 72-83, 1860.
____. BRASIL. Lei n. 23, de 30 de outubro de 1891. Reorganiza os serviços da administração federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 42-45, 1892.
CABRAL, Dilma e CAMARGO, Angélica Ricci (orgs.) Guia da Administração Brasileira Império e Governo Provisório (1822-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2017. Disponível em:
<https://goo.gl/tW2VZ6> Acesso em 12 mar 2018.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 9I Série Fazenda – Tesouraria da Fazenda – Alfândegas – Etc. (IF3)
BR AN,RIO 9J Série Fazenda – Tribunal Tesouro Público Nacional e Procuradorias da Fazenda (IF8)
BR AN,RIO BZ Tesouraria da Fazenda da Província do Pará
Referência da imagem
GRV 132