Foi criado no Brasil em 1808, por ocasião da transferência da Corte portuguesa para o Brasil, com a denominação de Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. Em 1821, passou a denominar-se Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha, quando os negócios ultramarinos passaram a ser expedidos por todas as secretarias de Estado, e transformada em Ministério da Marinha pela lei n. 23, de 31 de outubro de 1891, que promoveu a primeira organização da administração pública federal no período republicano. Cabiam ao Ministério da Marinha os assuntos relativos à força naval e às repartições de administração em terra, como os arsenais, armazéns, hospitais e escolas de formação.
Ao final do século XIX, a Marinha brasileira recebeu investimentos, que procuravam dotá-la de condições para exercer a função de proteção e defesa, o que exigia uma reestruturação relativa não apenas ao aparelhamento militar, mas também aos seus quadros profissionais. Os relatórios ministeriais desse período fornecem um quadro da desorganização das repartições navais, bem como da obsolescência do material flutuante e do ensino naval, o que seria o mote para uma campanha de restauração da Marinha brasileira, alimentada ainda pelos conflitos internacionais do período. A Marinha enfrentou nessa ocasião a Revolta da Armada (1891-1894), que agravou a crise experimentada pela força naval, ao mesmo tempo em que colocava em discussão seu necessário aparelhamento para defesa nacional. Assim, em 1897, foi aprovado parcialmente um plano geral de reforma da Marinha, que reorganizou o ensino da escola naval, implantou a inscrição para provimento das guarnições, dividiu o país em quatro prefeituras marítimas, Pará, Bahia, Rio de Janeiro e Ladário, no Mato Grosso, e extinguiu os arsenais da Bahia e de Pernambuco (Arias Neto, 2014). Mas esta reforma esteve longe de sanar a crise de infraestrutura da Marinha. As dificuldades financeiras do ministério ao longo deste período não permitiram a realização de transformações mais profundas, apontadas como necessárias desde a década de 1890 (Alves, 2017).
Ao longo da Primeira República, o Ministério da Marinha atravessaria uma conjuntura de mudanças significativas em sua organização, com a constatação da necessidade de reformas, especialmente no tocante aos equipamentos, à técnica e à formação do pessoal militar. Apesar do reconhecimento da importância do papel da Marinha na defesa nacional, sobretudo na defesa estratégica do litoral, e na garantia de um lugar hegemônico na América do Sul, a falta de consenso em torno de como deveria ser orientada essa reforma e a escassez de recursos financeiros para sua execução retardavam a reunião de condições necessárias à modernização da força naval (Almeida, 2010).
No plano nacional, a Marinha enfrentou uma nova rebelião, a Revolta da Chibata (1910), que intensificou o debate em torno de uma possível contradição entre progresso técnico experimentado pela força naval, recrutamento e instrução militar. Por outro lado, a conjuntura internacional caracterizou-se pela emergência de novas potências e, por conseguinte, um novo arranjo nas relações internacionais. Como resultado deste debate sobre os desafios da Marinha brasileira e a necessidade de reformas, tivemos a proposição de dois programas de modernização naval, em 1904 e 1906, pelos almirantes Júlio César de Noronha e Alexandrino de Alencar (Almeida, 2010; Arias Neto, 2014; Ministério..., 2014). Em 1922, a demanda por uma ampla reestruturação da Marinha brasileira levou à contratação da Missão Naval Americana, com o objetivo de auxiliar na reorganização administrativa da Marinha, fornecer treinamento e formação especializada ao oficialato, além de estabelecer uma estratégia naval brasileira (Alves, 2017).
A conjuntura econômica do período 1891-1930 caracterizou-se pela política de defesa da cafeicultura, que se tornara o eixo dinâmico da economia, o que significava uma dependência maior das flutuações do mercado internacional. No entanto, a complexidade da produção e exportação do café promoveu a diversificação das atividades econômicas, com melhoria dos portos, instalação e expansão das ferrovias, investimentos em infraestrutura e melhoramentos urbanos, ampliação dos setores bancário e comercial, e gradativa integração do mercado interno (Arias Neto, 2008). A crise de 1929, provocada pela quebra da bolsa de Nova Iorque, teve contornos mais profundos em países dependentes da agroexportação, o que contribuiu para estimular outros setores da economia, notadamente o industrial. As demandas do mercado interno foram um importante propulsor da industrialização por substituição de importações, o que mudaria o eixo dinâmico da economia, da agricultura exportadora para as atividades industriais e de serviços, bem como as políticas governamentais, que procuraram alterar o modelo agroexportador, e a luta do empresariado na defesa de um projeto político de desenvolvimento (Earp; Kornis, 2004; Ferreira; Delgado, 2007, p. 248).
No plano político, o período teve início com a crise em torno da sucessão presidencial de Washington Luís (1926- 1930), em que se defrontaram a chapa situacionista de Júlio Prestes e Vital Soares, e a oposicionista de Getúlio Vargas e João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. Impedida a posse da chapa situacionista vencedora das eleições, foi deflagrado o movimento armado em 3 de outubro de 1930, dando início ao governo provisório de Getúlio Vargas. Nesse novo cenário, verificam-se mais uma vez esforços de reequipar a Marinha brasileira, com a apresentação de um novo plano de reaparelhamento naval em 1932, na gestão do então ministro almirante Protógenes Pereira Guimarães, que seria implementado apenas parcialmente ao longo da década (Val, 2013).
No início do governo Vargas, o Ministério da Marinha não foi objeto de reestruturação. A última grande organização ocorrera em 1923, pelo decreto n. 16.237, de 5 de dezembro, reforma que ficou conhecida pelo nome do ministro na época, Alexandrino Faria de Alencar, elaborada a partir de plano da Missão Naval Americana (Alves, 2017). Em ações pontuais de reorganização da estrutura administrativa, pelo decreto n. 20.829, de 21 de dezembro de 1931, foram criados a Diretoria da Marinha Mercante e os tribunais marítimos administrativos, tendo estes sua autonomia concedida pelo decreto n. 22.900, de 6 de julho de 1933, e a Diretoria do Ensino Naval, decreto n. 20.734-A, de 27 de novembro de 1931. Em 1933, o decreto n. 22.811, de 10 de junho, criou os distritos navais e o Comando Naval de Mato Grosso.
Em 1934, pelo decreto n. 24.581, de 5 de julho, a pasta recebeu uma nova organização, que não promoveu alterações profundas na organização administrativa da Marinha, mantendo em linhas gerais o que fora aprovado em 1923 e vigorou com algumas alterações até 1952. Podemos apontar a extinção do cargo de consultor jurídico, pelo decreto n. 24.581, e a transformação da Diretoria do Expediente da Marinha em Secretaria de Marinha, que subordinava o Arquivo da Marinha, pelo decreto n. 24.686, de 12 de julho de 1934. Por este ato, compunham a estrutura do Ministério da Marinha, diretamente subordinados ao ministro: o Almirantado; a Secretaria da Marinha; o Estado Maior da Armada; as diretorias de Aeronáutica, do Pessoal, de Fazenda, de Navegação, do Ensino Naval, de Engenharia Naval, de Marinha Mercante, de Saúde, do Armamento e a Diretoria-Geral do Arsenal do Rio; os distritos navais e o Comando Naval de Mato Grosso; e os tribunais marítimos administrativos.
Em 1934-1945, as alterações verificadas na organização do Ministério da Marinha foram bastante pontuais, como no período anterior, iniciando pelo restabelecimento do cargo de consultor jurídico, pela lei n. 168, de 2 de janeiro de 1936. Nesse mesmo ano, foi aprovada a lei n. 284, de 28 de outubro, que previu a criação em cada ministério de uma comissão de eficiência, com o objetivo de identificar e propor medidas para a melhoria do rendimento dos serviços públicos, extintas nos ministérios militares pelo decreto n. 3.838, de 19 de novembro de 1941. Em 1939, pelo decreto-lei n. 1.284, de 18 de maio, foi criada a Comissão de Metalurgia, com dois representantes da Marinha, do Ministério da Guerra e um do Ministério da Viação e Obras Públicas, para regular a alienação de metais. A organização dos distritos navais e do Comando Naval de Mato Grosso foi objeto regulamentações pelo decreto n. 7.227, de 28 de maio de 1941, e os decretos-lei n. 3.572, de 29 de agosto de 1941, e n. 8.181, de 19 de novembro de 1945. Em 1943, pelo decreto-lei n. 5.558, de 8 de junho, foi criado o Serviço de Documentação da Marinha. Por fim, em 1945, pelo decreto-lei n. 8.256, de 30 de novembro, foi criado o Departamento Administrativo de Recuperação do Material, com a finalidade econômica de promover o aproveitamento de todo o material naval, manufaturado ou não, considerado inservível para a finalidade especificada.
A década de 1930 ficou marcada pelo ciclo de reformas na administração pública federal, especialmente pela criação dos novos ministérios da Educação e Saúde Pública (Mesp), pelo decreto n. 19.402, de 14 de novembro de 1930, e do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), pelo decreto n. 19.433, de 26 de novembro de 1930, que conferiu um novo arranjo à organização administrativa, com atribuições e instituições remanejadas. Apesar da criação dos novos ministérios, que procurou atingir metas sociais voltadas para a regulação do trabalho urbano industrial, conforme programa da Aliança Liberal, a maior ênfase das reformas se deu nas atividades de administração geral, mais do que nas finalísticas (Wahrlich, 1974). Este aspecto do reformismo pode ser evidenciado nas transformações da estrutura administrativa do Ministério da Marinha no período 1930-1945, com mudanças apenas pontuais, ao contrário da reforma de 1923, que esteve voltada para as atividades finalísticas, com a transformação das inspetorias em diretorias técnicas. Somente em 1952, em consonância com um amplo projeto de reforma administrativa elaborado no governo Vargas, foi aprovada a nova organização administrativa do ministério da marinha, pela lei n. 1.658, de 4 de agosto de 1952.
Dilma Cabral
Jan. 2024
Fontes e bibliografia
ALMEIDA, Sílvia Capanema P. A modernização do material e do pessoal da Marinha nas vésperas da revolta dos marujos de 1910: modelos e contradições. Estudos Históricos, v. 23, n. 45, p. 147-169, jan./jun. 2010. Disponível em: https://shre.ink/rFMs. Acesso em: 27 dez. 2023.
ALVES, Salomão Pontes. Pelo domínio dos mares do sul: a modernização da Marinha na Primeira República (1891-1930). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2017. Disponível em: https://shre.ink/rghs. Acesso em: 27 dez. 2023.
ARIAS NETO, J.M. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L.A.N. O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 191-230 (O Brasil Republicano, v. 1).
ARIAS NETO, José Miguel. A Marinha brasileira no início do século XX: tecnologia e política. Antíteses, v. 7, n. 13, p. 84-112, jan./jun. 2014. Disponível em: https://shre.ink/rz4S. Acesso em: 27 dez. 2023.
EARP, Fabio Sá; KORNIS, George. O desenvolvimento econômico sob Getúlio Vargas. In: GETÚLIO Vargas e seu tempo. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; Mauad, 2004. p. 29-36.
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do nacional-estatismo. v. 2: Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo: Segunda República (1930-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
MINISTÉRIO da Marinha (1889-1930). In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1822-1889), 2014. Disponível em: https://shre.ink/rzJp. Acesso em: 27 dez. 2023.
VAL, Sylvio dos Santos. A Marinha entre guerras: o esforço de reconstrução da autonomia operacional. Revista Navigator, v. 9, n. 17, p. 22-41, out. 2013. Disponível em: https://shre.ink/rbyB. Acesso em: 6 fev. 2024.
WAHRLICH, Beatriz M. de Souza. Reforma administrativa federal brasileira: passado e presente. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 27-76, 1974. Disponível em: https://shre.ink/T7Is. Acesso em: 17 nov. 2023.
Quadro de ministros da Marinha (1930-1945)
Ministro | Início | Fim |
Isaías de Noronha | 25 out. 1930 | 17 dez. 1930 |
Conrado Heck | 17 dez. 1930 | 9 jun. 1931 |
Protógenes Guimarães | 9 jun. 1931 | 12 nov. 1935 |
Henrique Aristides Guilhem | 12 nov. 1935 | 30 out. 1945 |
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_ON Afonso Pena
BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado
BR_RJANRIO_1X Conselho Supremo Militar e de Justiça
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_2H Diversos - SDH - Caixas
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_Q6 Floriano Peixoto
BR_RJANRIO_4X Ministério da Marinha
BR_RJANRIO_59 Negócios de Portugal
BR_RJANRIO_0E Polícia da Corte
BR_RJANRIO_8D Secretaria do Governo da Nova Colônia de Sacramento
BR_RJANRIO_8E Secretaria do Governo da Província de São Paulo
BR_RJANRIO_8T Série Agricultura - Terras Públicas e Colonização (IA6)
BR_RJANRIO_DA Série Guerra - Gabinete do Ministro (IG1)
BR_RJANRIO_A6 Série Interior - Gabinete do Ministro (IJJ1)
BR_RJANRIO_AI Série Justiça - Gabinete do Ministro (IJ1)
BR_RJANRIO_AM Série Justiça - Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)
BR_RJANRIO_AS Série Marinha - Batalhão Naval - Inválidos (XV M)
BR_RJANRIO_AT Série Marinha - Capitania dos Portos (XVI M)
BR_RJANRIO_AV Série Marinha - Contadoria (IM)
BR_RJANRIO_AX Série Marinha - Inspeção do Arsenal da Corte (V M)
BR_RJANRIO_AY Série Marinha - Inspeção do Arsenal de Pernambuco (XII M)
BR_RJANRIO_B0 Série Marinha - Intendência da Corte (VII M)
BR_RJANRIO_B1 Série Marinha - Intendência e Inspeção da Bahia (XI M)
BR_RJANRIO_B2 Série Marinha - Ministro - Secretaria de Estado (X M)
BR_RJANRIO_B3 Série Marinha - Navios - Força Naval - Distritos Navais (IV M)
BR_RJANRIO_B5 Série Marinha - Quartel-General e Conselho Naval (III M)
BR_RJANRIO_B6 Série Marinha - Socorros de Marinha - Corpo de Fazenda (XVII M)
BR_RJANRIO_BX Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional, BR_RJANRIO_EH_0_FOT_PRP_01694_d0008de0009