Biblioteca Nacional, RJ, 1941

A Biblioteca Nacional, inicialmente denominada Biblioteca Real, foi instalada no contexto de transferência da corte portuguesa para o Brasil. A historiografia sobre o tema assinala como ato de sua fundação o decreto de 29 de outubro de 1810, que determinou seu estabelecimento no local onde antes estavam as catacumbas dos religiosos do Carmo, revogando o decreto de 27 de junho de 1810, que ordenou sua acomodação no Hospital da Ordem Terceira do Carmo (Biblioteca..., 2025).

O órgão, originalmente subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, passou por diversas transformações ao longo de sua trajetória. Teve sua denominação alterada para Biblioteca Imperial e Pública, após a Independência, e para Biblioteca Nacional, em 1876. Junto com a mudança de nome, o decreto n. 6.141, de 1876, aprovado durante a direção de Ramiz Galvão, realizou uma grande reforma institucional, estruturando o órgão em unidades administrativas, e não mais por cargos, instituindo as seções de Impressos e Cartas Geográficas, de Manuscritos e de Estampas. Essa nova organização foi, em grande parte, preservada durante a Primeira República, quando a Biblioteca Nacional foi transferida da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior para a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em 1890, e para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, em 1891. Nesse período, foram efetuadas algumas modificações, com a criação da Seção de Permutas Internacionais (1890-1892), da Seção de Moedas e Medalhas (1911), que vigorou até 1922, quando seu acervo foi transferido para o Museu Histórico Nacional, e da Seção de Publicações Periódicas (1922), além do Curso de Biblioteconomia (1911) (Biblioteca..., 2025).

Novas mudanças ocorreram após os acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolução de 1930, que levaram ao poder o candidato derrotado à presidência da República, Getúlio Vargas. Logo no início de seu governo, Vargas empreendeu importantes transformações administrativas, com o estabelecimento de dois novos ministérios, do Trabalho, Indústria e Comércio, e da Educação e Saúde Pública, para o qual a Biblioteca Nacional foi transferida. Em meio à expansão da máquina administrativa federal e à promoção de medidas de caráter intervencionista, teve início a institucionalização da área da cultura no país. Algumas iniciativas voltadas para a esfera cultural foram realizadas ainda nos anos do governo provisório (1930-1934). No entanto, foi no período do governo constitucional de Vargas (1934-1937) e durante o Estado Novo (1937-1945) que a área recebeu maior destaque entre as políticas governamentais (Calabre, 2009). A Constituição promulgada em 1934 representou um importante marco nessa direção, a partir da inclusão de um dispositivo que determinava à União, aos estados e aos municípios favorecer o desenvolvimento da cultura, e proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do país, além de prestar assistência ao trabalhador intelectual (Brasil, 1934). 

Durante o governo provisório, a Biblioteca Nacional assumiu a atribuição de enviar as publicações oficiais do governo brasileiro para o exterior, de acordo com o decreto n. 20.529, de 16 de outubro de 1931, que criou o Serviço Nacional de Intercâmbio Bibliográfico (Brasil, 1943a). Ainda em 1931, o Curso de Biblioteconomia foi restabelecido pelo decreto n. 20.673, de 17 de novembro. Com duração de dois anos, contava com as disciplinas de bibliografia, paleografia e diplomática no primeiro ano, e de história literária, iconografia e cartografia no segundo ano (Brasil, 1943b).

Em 1932, a direção do órgão foi assumida pelo ex-diretor do Museu Histórico Nacional, Rodolfo Garcia, que permaneceu no cargo até 1945. Formado em direito, o historiador e jornalista Rodolfo Garcia era membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e grande conhecedor de acervos em todo o país. Durante sua gestão, adquiriu documentos relacionados à história do Brasil, assim como disponibilizou registros históricos nas publicações Anais da Biblioteca Nacional, existente desde 1876, e Documentos Históricos, criada em 1928, que atingiu o número de setenta volumes nesse período. Outra diretriz de destaque foi a capacitação e formação de bibliotecários, forjando uma identidade profissional que, em um primeiro momento, vinculava-se à imagem do erudito, para o qual era necessário o conhecimento sobre os acervos de cada seção, com o fim de melhor auxiliar os leitores em suas pesquisas (Brönstrup, 2015).

Em janeiro de 1937, o ministro Gustavo Capanema conduziu uma grande reforma na pasta da Educação e Saúde Pública, então denominada Educação e Saúde. Esta reforma, aprovada pela lei n. 378, foi responsável pela criação e institucionalização de uma série de órgãos destinados à produção, difusão e conservação do trabalho intelectual e artístico, que abarcava dos monumentos históricos aos ‘modernos’ meios de comunicação (Calabre, 2009). Dentre as novas instituições, podem ser citados o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a Comissão de Teatro Nacional, o Serviço de Radiodifusão Educativa, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) e o Instituto Cairu, posteriormente transformado em Instituto Nacional do Livro. Este último foi resultado dos trabalhos de uma comissão nomeada por Capanema, para elaborar um plano de organização e publicação de uma enciclopédia brasileira, que, inicialmente, ficaria a cargo da Biblioteca Nacional. Dada a complexidade da tarefa, a comissão sugeriu a instituição de um órgão específico, que funcionou no edifício da Biblioteca Nacional durante anos (Leitão, 2010; Rodrigues, 2016).

Caracterizada como instituição de educação extraescolar pela lei n. 378, a Biblioteca Nacional passou por grandes transformações no período. Em 1944, o decreto-lei n. 6.732, de 24 de julho, determinou como suas competências a manutenção e conservação do repertório completo das publicações nacionais, das coleções de manuscritos, cartas geográficas e estampas, e das coleções de obras estrangeiras; e a divulgação da cultura sob suas diversas formas para tornar mais conhecido o patrimônio bibliográfico nacional dentro e fora do país (Brasil, 1944b). Nessa mesma data, o decreto n. 16.167 aprovou o regimento do órgão, designando uma nova e complexa estrutura formada pelas divisões de Consulta e de Preparação, pela Seção de Administração e pelo Curso de Biblioteconomia. As divisões, por sua vez, ficaram compostas por seções, que refletiam as atividades da instituição e os diferentes acervos existentes, que, além daqueles herdados da Primeira República, passaram a abranger novidades, como explicita a presença de uma seção de Obras para Cegos. Destaca-se também a criação de uma Seção de Conservação, no âmbito da Divisão de Consultas, e das seções de Aquisição, Classificação, Catalogação, Encadernação e Restauração, Fotoduplicação e Publicações, subordinadas à Divisão de Preparação, refletindo as transformações técnicas e as mudanças atravessadas pelo campo da biblioteconomia naquele momento, decorrentes, sobretudo, dos trabalhos do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) (Brasil, 1944c). 

Criado em 1938 tendo como um de seus objetivos a promoção da reforma administrativa do Estado brasileiro, de forma a garantir maior economia e eficiência, o Dasp também era responsável pela readaptação e aperfeiçoamento dos funcionários civis da União. De seus trabalhos resultaram o decreto-lei n. 2.166, de 6 de maio de 1940, que dividiu as carreiras de bibliotecário e bibliotecário-auxiliar nos quadros dos ministérios. Este ato foi regulamentado naquele ano pelo decreto n. 6.416, que institui, no Dasp, um curso de preparação de bibliotecários-auxiliares, com duração de seis meses, que serviria como um dos requisitos para que os auxiliares fossem promovidos para a carreira de bibliotecário. Este curso, baseado em modelos da biblioteconomia norte-americana, possuía um perfil bastante diferente do curso existente na Biblioteca Nacional e era composto pelas disciplinas catalogação e classificação, administração e organização de bibliotecas, e bibliografia e referência (Oddone, p. 203).

Essa experiência, contudo, serviu como base para reformulação do curso da Biblioteca Nacional em 1944, efetuada pelo decreto n. 15.395, de 27 de abril. Este ato dividiu o curso em fundamental, superior e avulsos, definindo como sua finalidade a formação de pessoal para organizar e dirigir bibliotecas; o aperfeiçoamento e especialização de bibliotecários, de bibliotecários-auxiliares e servidores em exercício nas bibliotecas oficiais ou particulares; a elaboração de diretrizes de orientação técnica, visando à padronização desses serviços; e a difusão de conhecimentos no campo da biblioteconomia. Como consequência, outras disciplinas foram implantadas, como organização de bibliotecas, classificação e catalogação, bibliografia e referência, figurando ao lado das antigas cadeiras de história da literatura, iconografia, entre outras. Também foi instituído o cargo de coordenador dos cursos, que foi ocupado por Josué Montello, anteriormente lotado no Dasp (Brasil, 1944a; Dias, 1954; Brönstrup, 2015). A partir disso, o curso adquiriu um novo perfil em termos curriculares, ampliando também seu alcance a partir da formação de quadros técnicos especializados em conformidade com as diretrizes de eficiência e racionalidade presentes na reforma administrativa conduzida pelo Dasp.

Após a deposição de Getúlio Vargas em outubro de 1945, e o início do chamado período democrático (1945-1964), a Biblioteca Nacional passaria por novas mudanças, a partir da reformulação de sua estrutura, ocorrida pelo decreto n. 20.478, de 24 de janeiro de 1946, que criou as divisões de Aquisição, de Catalogação e de Obras Raras e Publicações.

Angélica Ricci Camargo

fev. 2025

 

Fontes e bibliografia

BILIOTECA NACIONAL. Sesquicentenário (1810-1960). Guia da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Oficinas de Sedegra Sociedade Editora e Gráfica Ltda., 1960.

BIBLIOTECA Real. - Órgão (481). In: ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Sistema de Informações do Arquivo Nacional - SIAN (base de dados). Memória da Administração Pública Brasileira - MAPA (módulo). Rio de Janeiro, (2025). Disponível em: https://shre.ink/brrp. Acesso em: 10 fev. 2025.

BRASIL. Constituição Federal de 16 de julho de 1934. [Promulga a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, estabelecendo que todas as questões relativas à segurança nacional serão estudadas e coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional – artigo 159]. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 16 jul. 1934. Seção 1.

BRASIL. Decreto n. 20.529, de 16 de outubro de 1931. Institui o Serviço Nacional de Intercâmbio Bibliográfico e regula a sua execução. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 305, 1943a.

BRASIL. Decreto n. 20.673, de 17 de novembro de 1931. Restabelece na Biblioteca Nacional o Curso de Biblioteconomia. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 501, 1943b.

BRASIL. Decreto n. 15.395, de 27 de abril de 1944. Aprova o regulamento dos cursos da Biblioteca Nacional. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 2 maio 1944a. Seção 1, p. 7.772.

BRASIL. Decreto-lei n. 6.732, de 24 de julho de 1944. Dispõe sobre a finalidade e funcionamento da Biblioteca Nacional. Lex-Coletânea de Legislação e Jurisprudência: legislação federal e marginália, São Paulo, p. 255, 1944b.

BRASIL. Decreto n. 16.167, de 24 de julho de 1944. Aprova o regimento da Biblioteca Nacional. Coleção das leis [da] República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 6, p. 203, 1944c. 

BRÖNSTRUP, Gabriela D’Ávila. Um ofício polivalente: Rodolfo Garcia e a escrita da história (1932-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis-SP, 2015. Disponível em: https://shre.ink/br8Q. Acesso em: 7 fev. 2025.

CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

CARVALHO, Gilberto Vilar de. Biografia da Biblioteca Nacional (1807 a 1990). Rio de Janeiro: Irradiação Cultural, 1994.

DIAS, Antônio Caetano. O ensino de biblioteconomia no Brasil. In: PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA, Recife, 1954. Anais... Disponível em: https://shre.ink/brbJ. Acesso em: 10 fev. 2025.

LEITÃO, Bárbara Júlia Menezello. A relação entre bibliotecas públicas, bibliotecários e censura na Era Vargas e Regime Militar: uma reflexão. Tese (Doutorado em Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://shre.ink/brDg. Acesso em: 10 fev. 2025.

ODDONE, Nanci Elizabeth. Lydia Sambaquy e a Biblioteca do Dasp: contribuições para a constituição do campo biblioteconômico no Brasil. Acervo, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 77-91, jul./dez. 2013. Disponível em: https://shre.ink/brgq. Acesso em: 10 fev. 2025.

RODRIGUES, Mariana Tavares. Um Brasil inapreensível: história dos projetos da Enciclopédia Brasileira do Instituto Nacional do Livro. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ, 2016. Disponível em: https://shre.ink/brgP. Acesso em: 7 fev. 2025.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_2H Diversos - SDH - Caixas

BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices

BR_RJANRIO_0C Registro de Direitos Autorais - Biblioteca Nacional

BR_RJANRIO_92 Série Educação - Cultura - Belas-Artes - Bibliotecas - Museus (IE7)

BR_RJANRIO_97 Série Educação - Gabinete do Ministro (IE1)

BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional, BR_RJANRIO_EH_0_FOT_EVE_01584_D0003de0003

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período do Primeiro Governo Vargas. Para informações entre 1808-1822, 1822-1889 e 1889-1930, consulte Biblioteca Real, Biblioteca Imperial e Pública e Biblioteca Nacional