Presidente Getúlio Vargas em audiência com estudantes da Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo, 1944

A Fiscalização dos Estabelecimentos do Ensino Comercial foi criada pelo decreto n. 17.329, de 28 de maio de 1926, com a finalidade de inspecionar a organização e o funcionamento das escolas comerciais privadas. Instituída na esfera do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, foi transferida pelo decreto n. 14.402, de 14 de novembro de 1930, para o Ministério da Educação e Saúde Pública, com a denominação de Superintendência dos Estabelecimentos do Ensino Comercial.

O ensino comercial foi objeto da ação oficial do Estado português no Brasil por meio da instituição da Aula de Comércio da Corte, em 1809, em virtude do processo de estruturação administrativa da nova sede do reino, após a transferência da família real. A Aula de Comércio foi reformulada em meados do século XIX, no contexto das grandes transformações econômicas e sociais que atravessaram o país, passando a ser denominada Instituto Comercial do Rio de Janeiro. Em sua trajetória, o instituto enfrentou problemas, como o baixo número de alunos, que levaram à sua extinção no final da década de 1870 (Fiscalização..., 2020).

No período republicano, observou-se a expansão de cursos particulares, favorecida pelo incremento das indústrias, bancos e casas comerciais, estimulado pela exportação do café e pelas transformações efetuadas na administração pública. Em 1905, o decreto n. 1.339 declarou a Academia de Comércio do Rio de Janeiro como instituição de utilidade pública e reconheceu os diplomas por ela emitidos, além de aprovar os cursos e suas disciplinas. Tais disposições foram estendidas, posteriormente, para outras escolas de comércio em todo o país (Fiscalização..., 2020).

O crescimento do número de estabelecimentos de ensino comercial foi acompanhado por debates, vistos, sobretudo, na década de 1920, em defesa dos interesses dos profissionais de contabilidade. Nessas discussões, estavam presentes demandas pelo reconhecimento profissional e pela atuação dos poderes públicos na fiscalização das escolas comerciais. Para a execução desta última tarefa, foi instituída uma repartição específica no âmbito federal responsável pela inspeção da organização dos estabelecimentos, do cumprimento de seus regulamentos, da execução dos programas, entre outros quesitos (Adde, 2012).

O órgão passou por grandes modificações após os acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolução de 1930, quando o candidato derrotado nas eleições, Getúlio Vargas, assumiu a Presidência da República. A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública foi um dos primeiros atos do governo provisório e se constituiu como um instrumento importante para a institucionalização de políticas na área da educação. Em 1931, foram realizadas reformas com o objetivo de conferir orientações de caráter geral, atendendo às reivindicações do movimento de renovação da educação, que teve na Associação Brasileira de Educação (ABE), seu grande promotor. Tais reformas ampliaram a intervenção do Estado na área e foram conduzidas por Francisco Campos, o primeiro-ministro da pasta, a partir da aprovação de atos que organizaram o ensino superior, o ensino secundário e o ensino comercial (Bomeny, 2003, p. 46; Romanelli, 1978).

O decreto n. 19.560, de 5 de janeiro de 1931, subordinou a Superintendência dos Estabelecimentos de Ensino Comercial ao Departamento Nacional do Ensino. Naquele ano, o decreto n. 20.158, de 30 de junho, dispôs sobre o ensino comercial e regulamentou a profissão de contador. De acordo com esse ato, o ensino comercial compreenderia curso propedêutico, cursos técnicos de secretário, guarda-livros, administrador-vendedor, atuário e perito-contador, curso superior de administração e finanças, e curso elementar de auxiliar do comércio. Houve, portanto, ampliação e especialização do ensino ligado às atividades comerciais em relação àqueles previstos na legislação elaborada durante a Primeira República. O decreto ainda dispôs de forma pormenorizada sobre as disciplinas dos cursos, promovendo a modernização dos currículos, regulou as exigências para efetuação das matrículas, o regime escolar, o provimento dos cargos de professores, e fixou os valores das taxas de inspeção (Brasil, 1931).

O ato reformulou a Superintendência do Ensino Comercial, que voltou a se subordinar diretamente ao ministro da Educação e Saúde. Ao órgão foram atribuídos a direção de todos os institutos de comércio, ciências econômicas e administração mantidos ou dependentes da União, e o registro dos diplomas e dos títulos de habilitação. Os procedimentos relativos a esse registro foram regulamentados no ano seguinte pelo decreto n. 21.033, de 8 de fevereiro. Para o desempenho dessas tarefas, a estrutura da superintendência foi ampliada, sendo formada pelo superintendente, cinco fiscais gerais, um secretário, quatro auxiliares e um porteiro-contínuo, e por outros fiscais gerais, regionais e de exames, que serviriam de acordo com as necessidades e o número de escolas fiscalizadas. Além da superintendência, um criado um novo organismo dedicado a esta modalidade de ensino, o Conselho Consultivo do Ensino Comercial, com a finalidade de avaliar e elaborar pareceres sobre livros, prêmios, programas e quaisquer outros assuntos relativos ao ensino comercial. O conselho era presidido pelo ministro da Educação e Saúde Pública, tendo como vice-presidente o superintendente do Ensino Comercial, e constituído pelos fiscais gerais e por um representante de cada escola de ensino comercial reconhecida (Brasil, 1931).

Em 1934, o decreto n. 24.439, de 21 de junho, dispôs sobre os serviços de fiscalização do ensino comercial a cargo da superintendência e estabeleceu, na Diretoria Nacional de Educação, o registro de professores candidatos ao exercício do magistério no curso propedêutico (Brasil, 1935). Logo em seguida, o decreto n. 24.734, de 14 de julho, alterou a denominação do órgão para Inspetoria-Geral do Ensino Comercial e detalhou suas atribuições, que compreendiam a direção e orientação da fiscalização dos estabelecimentos de ensino comercial; a promoção do melhoramento de suas instalações e o aperfeiçoamento dos métodos utilizados; o estudo dos problemas relativos a esta modalidade de ensino, em cooperação com a Diretoria Nacional de Educação; o fornecimento de dados estatísticos; o recolhimento das cotas de fiscalização e das taxas destinadas às despesas das verificações prévias, entre outras (Brasil, 1934).

Em 1937, a lei n. 378 reestruturou a pasta da Educação e Saúde e instituiu uma série de órgãos voltados para a saúde e o ensino, e estruturas dedicadas ao desenvolvimento de atividades culturais, como cinema, teatro e patrimônio histórico e artístico. De acordo com este ato, a Inspetoria-Geral do Ensino Comercial foi extinta, dando lugar à Divisão de Ensino Comercial subordinada ao Departamento Nacional de Educação. Tal extinção, no entanto, constitui-se em uma transformação, a partir da alteração de seu nome e do rebaixamento de seu nível hierárquico, pois suas competências permaneceram as mesmas, como indica a legislação aprovada posteriormente.

Esta reformulação foi elaborada por Gustavo Capanema, que permaneceu no comando do ministério nos períodos do governo constitucional (1934-1937) e do Estado Novo (1937-1945). Na década de 1940, Capanema foi responsável por reformas em várias esferas de ensino. Essas mudanças expressavam uma visão que atribuía a cada categoria social um papel específico, ficando a educação superior e a educação secundária reservadas às elites, e a educação profissional aos jovens que “comporiam [o] grande exército de trabalhadores necessários à utilização da riqueza potencial da nação” (Capanema apud Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000, p. 205). Enquanto o ensino secundário deveria ter um conteúdo humanístico e uma formação que permitiria a seus alunos o acesso à universidade, para os ingressos no ensino industrial, comercial ou mesmo agrícola, que foi mantido na pasta da Agricultura após 1930, o foco estava na sua preparação para o mundo do trabalho (Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000, p. 206).

Diferentemente do que ocorreu no início da década de 1930, quando somente o ensino comercial fora regulamentado, neste momento, a atenção do ministério se voltou para outras modalidades do ensino profissional. Em 1942, foi aprovada a lei orgânica do ensino industrial, categoria que assumiu grande relevância, estimulada pelos projetos voltados para a industrialização e o desenvolvimento do país forjados ao longo do governo de Getúlio Vargas. No ano seguinte, o decreto-lei n. 6.141, de 28 de dezembro, aprovou a Lei Orgânica do Ensino Comercial. O ato dividiu os cursos de ensino comercial em três categorias: formação, continuação e aperfeiçoamento. O primeiro compreendia dois ciclos, o curso comercial básico e os cursos de comércio e propaganda, de administração, de contabilidade, de estatística e de secretariado. Também foram definidos dois tipos de estabelecimentos de ensino comercial, as escolas comerciais e as escolas técnicas de comércio, e disposições relacionadas a admissão, trabalhos escolares, exames de suficiência, entre outros itens (Brasil, 1943).

O decreto-lei definiu a estrutura dos cursos e tornou obrigatória a prática de educação física e de canto orfeônico, temática cara à gestão de Capanema na pasta, que conferiu à música um papel de destaque no esforço educativo e de mobilização orientado para o projeto de construção de uma identidade nacional, considerada como ponto máximo da ação pedagógica pretendida pelo ministério (Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000, p. 107;157). Para os alunos do sexo masculino, foi estabelecida, ainda, a prática de instrução pré-militar. Além disso, foi prevista a inclusão do ensino religioso, sem caráter obrigatório, evidenciando a força da Igreja Católica nos debates que se travaram na formulação das políticas educacionais daquele período, contrariando os preceitos defendidos pelo movimento renovador a favor do ensino laico (Bomeny, 2003, p. 49).

A lei orgânica não fez referência à Divisão do Ensino Comercial, nem o decreto n. 14.373, de 28 de dezembro de 1943, que regulamentou a estrutura dos cursos de formação do ensino comercial, dispondo sobre suas disciplinas. Nesse período, ocorreu um aumento significativo dos trabalhos do órgão, acompanhando o crescimento do número de estabelecimentos e de matrículas no ensino comercial. De acordo com estimativas produzidas pelo governo, em 1930 existiam 145 escolas reconhecidas, número que subiu para 436 em 1945 (Schwartzman, 1983, p. 367).

A legislação aprovada na década de 1940 passou por alterações após a deposição de Getúlio Vargas. Durante o curto período em que José Linhares esteve na Presidência da República, observou-se uma continuidade das políticas educacionais elaboradas pelo governo anterior, a partir da aprovação do decreto-lei n. 8.535, de 2 de janeiro de 1946, que transformou a Divisão do Ensino Comercial em Diretoria do Ensino Comercial, diretamente subordinada ao ministro da Educação e Saúde. Outra medida voltada para essa área foi a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), pelo decreto-lei n. 8.621, de 10 de janeiro de 1946, cuja organização ficaria a cargo da Confederação Nacional do Comércio.

Angélica Ricci Camargo
Mar. 2025

 

Fontes e bibliografia

ADDE, Tiago Villac. O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira durante a Primeira República. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis e Atuariais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://shre.ink/MYWX.   Acesso em: 7 mar. 2025.

BEISEGEL, Celso Rui. Educação e sociedade no Brasil após 1930. In: FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira. t. 3: O Brasil republicano. v. 11. Economia e cultura (1930-1964). 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 468-513.

BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

BORGES, Ana Lúcia; CURI, Luciano; GONÇALVES NETO, Wenceslau. Ensino comercial e sua verticalização no Brasil: origens e história. Research, Society and Development, v. 10, n. 12, 2021. Disponível em: https://shre.ink/MYrq. Acesso em: 7 mar. 2025.

BRASIL. Decreto n. 20.158, de 30 de junho de 1931. Organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 9 jul. 1931. Seção 1, p. 11.122-11.129.

BRASIL. Decreto n. 24.439, de 21 de junho de 1934. Extingue a atual Diretoria-Geral de Educação e incorpora os seus serviços à Secretaria de Estado da Educação e Saúde Pública; organiza nessa secretaria a Diretoria Nacional de Educação; dispõe sobre os serviços de fiscalização dos institutos de ensino superior e dos estabelecimentos de ensino comercial e secundário. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 649-660, 1935. 

BRASIL. Decreto n. 24.734, de 14 de julho de 1934. Altera a denominação dos serviços de fiscalização do ensino superior, comercial e secundário e aprova e manda executar os regulamentos que organizam os respectivos serviços. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 28 jul. 1934. Seção 1, p.15.539-15.543. 

BRASIL. Decreto-lei n. 6.141, de 28 de dezembro de 1943. Lei Orgânica do Ensino Comercial. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 31 dez. 1943. Seção 1, p. 19.217. 

FISCALIZAÇÃO dos Estabelecimentos do Ensino Comercial. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2020. Disponível em: https://shre.ink/MYWP. Acesso em: 7 mar. 2025.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930-1973. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1978.

SCHWARTZMAN, Simon (org.). Estado Novo: um autorretrato (Arquivo Gustavo Capanema). Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983.

SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra; Fundação Getúlio Vargas, 2000.

SILVA, Eduardo Cristiano Hass da. Formando profissionais do comércio: uma análise do ensino comercial brasileiro na Era Vargas (1930-1945). In: ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA (Anpuh-RS), 13., 2016, Santa Cruz do Sul. Anais... Disponível em: https://shre.ink/MYI1.  Acesso em: 6 mar. 2025.

 

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no(s) seguinte(s) fundo do(s) Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_35 Gabinete Civil da Presidência da República

BR_RJANRIO_EH Agência Nacional

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional, BR_RJANRIO_EH_0_FOT_PRP_01211_D0002DE0003

 

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período do primeiro Governo Vargas. Para informações entre 1889-1930, consulte Fiscalização dos Estabelecimentos do Ensino Comercial