Homenagem da Juventude Brasileira ao aniversário do presidente Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1942

A Direção Nacional da Juventude Brasileira foi criada pelo decreto-lei n. 4.101, de 9 de fevereiro de 1942, e regulamentada naquele ano pelo decreto-lei n. 5.045, de 5 de dezembro, que definiu como suas competências coordenar a execução da instrução pré-militar nos estabelecimentos de ensino, na parte que competia ao Ministério da Educação e Saúde; organizar as atividades cívicas e coordenar e orientar as direções estaduais e locais da Juventude Brasileira (Brasil, 1942b).

A Juventude Brasileira fora estabelecida dois anos antes, pelo decreto-lei n. 2.072, de 8 de março, como uma instituição destinada à promoção da educação cívica, moral e física da infância e da juventude em idade escolar. Colocada sob a “alta vigilância do presidente da República” (Brasil, 1944, p. 271), a Juventude Brasileira se constituiu como um experimento de organização a fim de mobilizar crianças, adolescentes e jovens em torno das ideias presentes nos projetos políticos e ideológicos concebidos durante o Estado Novo, iniciado, em 1937, com um golpe de Estado que manteve Getúlio Vargas no poder sob pretexto de uma ameaça comunista.

A exemplo de experiências desenvolvidas em outros países, como Alemanha, Itália e Portugal, foi atribuído aos jovens um papel importante para o futuro do país durante o período ditatorial do primeiro governo Vargas. A proposta de organização da juventude ficou, inicialmente, a cargo do ministro da Justiça e Negócios Interiores, Francisco Campos, responsável pela redação da Constituição outorgada em 1937, que restringiu a prática plena dos direitos dos cidadãos e reforçou os poderes do presidente da República, ampliando a possibilidade de intervenção nos estados, além de determinar a censura prévia da imprensa e diversões públicas, e outros dispositivos de caráter autoritário. Nessa Carta Constitucional, foi prevista a fundação de instituições voltadas para a promoção de trabalhos anuais em campos e oficinas, e de disciplina moral e “adestramento físico”, com o fim de preparar a juventude para o cumprimento de deveres relativos à economia e à defesa da nação (Brasil, 1937). Seguindo essa diretriz, o plano apresentado por Francisco Campos em 1938, inspirado nos modelos fascista e nazista europeus, tinha como objetivo constituir uma organização paramilitar de mobilização, denominada Organização da Juventude Nacional (Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000). O projeto sofreu resistência, especialmente entre os militares, que o viram como uma ameaça à autonomia na preparação de seus quadros. Em seu lugar, o ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, elaborou uma nova minuta, que deu origem à Juventude Brasileira, assinalando que essa organização deveria ser incluída nesse ministério (Bomeny, 1999; Hoche, 2015; Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000).

O decreto-lei n. 2.072, de 8 de março de 1940, declarou a educação cívica, moral e física obrigatória para a infância e a juventude de todo o país, dentro e fora das escolas. De acordo com este ato, a educação cívica orientava-se para a formação de uma consciência patriótica, servindo para incutir em cada cidadão o sentimento de responsabilidade pela segurança e engrandecimento da pátria. A educação moral, por sua vez, voltava-se para a elevação espiritual, a partir da difusão de ideias ligadas à disciplina, à perseverança no trabalho, entre outras. Por fim, a educação física tinha o objetivo de fortalecer a saúde e, por consequência, os corpos, conferindo-lhes “solidez, agilidade e harmonia” (Brasil, 1944, p. 272). Esses elementos se constituíram como peças importantes dos projetos políticos e ideológicos construídos durante o Estado Novo, que não foram concebidos de forma homogênea, haja vista a existência de diferentes atores envolvidos em sua formulação, o que não impede, contudo, de se localizar um conjunto de ideias centrais. Dentre essas ideias, destacam-se a formação de um ‘homem novo’ a criação de um sentimento de brasilidade, o fortalecimento da identidade do trabalhador, além da promoção de uma visão mítica do Estado e de seus expoentes e chefes. Para a difusão dessas ideias houve a criação de estruturas como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o incremento do uso dos meios de comunicação de massa e o reforço do papel da educação e da escola, que se tornaram dimensões estratégicas para o avanço desses projetos (Velloso, 1982; Bomeny, 1999).

A educação moral e cívica, incluída no currículo do ensino secundário pela Reforma Rocha Vaz, de 1925, ganhou maior destaque no governo de Getúlio Vargas. No Plano Nacional de Educação elaborado pelo Conselho Nacional de Educação em 1937, a disciplina foi objeto de regulamentação teórica e prática, envolvendo, entre outros aspectos, o estudo da vida dos grandes ‘heróis nacionais’ e até um trabalho de assistência social (Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000). Já a educação física foi tornada obrigatória no ensino secundário pela reforma efetuada pelo então ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, em 1931. Em 1937, passou a contar com uma divisão específica no âmbito do Departamento Nacional da Educação a partir da grande reformulação empreendida na pasta por Gustavo Capanema. Para além de seus benefícios para a saúde, sua importância vinculava-se às ideias de regeneração da ‘raça’ defendidas por alguns médicos e intelectuais desde o início do século XX (Parada, 2005). O decreto-lei n 2.072 ainda previu que a Juventude Brasileira poderia ministrar a educação religiosa, em conformidade com o desejo dos pais ou responsáveis. Assim, a consolidação dessas disciplinas escolares, voltadas para corpos e mentes, compôs um conjunto de estratégias dirigidas para a disciplinarização e controle população, de forma a garantir a estabilidade e a criação de uma ‘nova’ sociedade (Parada, 2005).

A Juventude Brasileira compreenderia todas as crianças, adolescentes e jovens entre 7 e 18 anos, sendo a inscrição obrigatória para os alunos matriculados nos estabelecimentos de ensino oficiais ou fiscalizados, e facultativa para os restantes. Dentre suas atividades, estavam o culto à bandeira nacional, a realização de formaturas, solenidades, demonstrações, trabalhos, exercícios e excursões. Também foi prevista a adoção de símbolos, estandarte e cânticos próprios da organização, sendo o estandarte e o vexilo aprovados pelo decreto n. 7.807, de 5 de setembro de 1941 (Brasil, 1944). No que se refere às atividades, figurava uma distinção entre os gêneros. Às meninas ficavam reservadas especialmente as ações ligadas à promoção do valor dos serviços domésticos e da educação dos filhos. Aos meninos, a ênfase residia no despertar do amor ao dever militar (Brasil, 1944). Essas atividades seriam realizadas nos centros cívicos, que deveriam ser criados pelos poderes públicos em todo o território nacional, ficando obrigatória a instituição dessas estruturas nos estabelecimentos de ensino oficiais e fiscalizados. As entidades particulares poderiam abrigar centros cívicos, contando com auxílios governamentais para financiar essas iniciativas.

O estudo das questões gerais relativas à organização e ao funcionamento da Juventude Brasileira ficou sob a responsabilidade de um conselho supremo, dirigido pelo presidente da República e constituído pelos ministros da Educação e Saúde, da Guerra e da Marinha. Suas bases foram aprovadas em 1942, pelo decreto-lei n. 4.101, de 9 de fevereiro, que determinou como finalidade da Juventude Brasileira o culto à pátria, o que incluía a veneração dos ‘grandes mortos’ e feitos da história nacional, o amor aos ideais nacionais, o interesse pelos problemas do país e a prática constante das virtudes patrióticas (Brasil, 1942a, p. 2.125). Na ocasião, fixou-se o calendário e dividiu-se a organização em alas, sendo a ala menor composta pelos alunos das escolas primárias e a maior, pelos estudantes do ensino secundário. O decreto-lei n. 4.101 também dispôs sobre os centros e cultos cívicos, os uniformes e símbolos, e criou a Direção Nacional.

A Direção Nacional foi regulamentada em dezembro de 1942, pelo decreto-lei n. 5.045. Sua estrutura era formada por uma secretaria-geral e um conselho de administração, presidido pelo secretário-geral e composto pelos diretores das repartições do Ministério da Educação e Saúde relacionadas ao ensino primário e secundário. Além dessa estrutura, foi determinada a instituição de direções regionais, como órgãos auxiliares da Direção Nacional, e de direções estaduais e direções locais, que seriam organizadas em articulação com o órgão federal. No ano seguinte, o regimento da Direção Nacional foi aprovado pelo decreto n. 12.100, de 25 de março, que estipulou as competências das unidades administrativas, bem como sua divisão. Foram ainda fixadas as atribuições dos membros do Conselho Administrativo e regras para o seu funcionamento, cabendo ao ministro da Educação e Saúde a presidência das sessões sempre que fosse necessário (Brasil, 1943).

Os primeiros centros cívicos da Juventude Brasileira foram fundados em várias partes do país ainda em 1940. Naquele ano, o decreto-lei n. 2.310, de 14 de junho, incorporou à Juventude Brasileira a União dos Escoteiros do Brasil, que, no entanto, manteria sua própria organização, nos termos dos estatutos, que seriam aprovados pelo presidente da República. Dentre as atividades desenvolvidas destacam-se a realização dos desfiles da Semana da Pátria e eventos comemorativos, como o de aniversário de Getúlio Vargas. No rádio, o movimento ganhou um programa denominado Hora da Juventude Brasileira, veiculado pela Rádio Nacional e dirigido pela chefe da Divisão do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde (Hoche, 2015).

Assim, mesmo distanciada da proposta original de Francisco Campos, a ideia de arregimentar a juventude permaneceu com aspectos autoritários, sobretudo em sua prática (Santana, 2009). Com a declaração de guerra aos países do Eixo, que incluía Alemanha e Itália, em agosto de 1942, a manutenção de uma organização inspirada nas experiências fascista e nazista foi colocada em questão, especialmente após o envolvimento direto do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados, com o envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB), em 1944. Em agosto desse ano, Gustavo Capanema propôs a extinção do quadro de funcionários da Secretaria-Geral da Direção Nacional (Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000) e, no ano seguinte, o decreto n. 17.889, de 26 de agosto, transferiu as funções de auxiliar do escritório do órgão para a Divisão de Educação Física do Departamento Nacional de Educação. Sua extinção ocorreu após a deposição de Getúlio Vargas, pelo decreto-lei n. 8.194, de 20 de novembro de 1945, que revogou todos os decretos-leis relacionados à Juventude Brasileira.

 

Angélica Ricci Camargo

maio 2025

 

Fontes e bibliografia

BOMENY, Helena. Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 137-166.

BRASIL. Constituição Federal, de 10 de novembro de 1937. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 10 nov. 1937. Seção 1, p. 22.359.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.072, de 8 de março de 1940. Dispõe sobre a obrigatoriedade da educação cívica, moral e física da infância e da juventude, fixa as suas bases, e para ministrá-la organiza uma instituição nacional denominada Juventude Brasileira. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 271-275, 1944.

BRASIL. Decreto-lei n. 4.101, de 9 de fevereiro de 1942. Estabelece as bases de organização da Juventude Brasileira. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 11 fev. 1942a. Seção 1, p. 2.125-2.126. 

BRASIL. Decreto-lei n. 5.045, de 5 de dezembro de 1942. Fixa a organização da Direção Nacional de Juventude Brasileira. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 8 dez. 1942b. Seção 1, p. 17.808.

BRASIL. Decreto n. 12.100, de 25 de março de 1943. Aprova o regimento da Direção Nacional da Juventude Brasileira. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 27 mar. 1943. Seção 1, p. 4.552-4.554.

HOCHE, Aline de Almeida. A hora da juventude: a mobilização dos jovens no Estado Novo (1940-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2015. Disponível em: https://shre.ink/eJnq. Acesso em: 5 maio 2025.

PARADA, Maurício. Corpo e poder: a criação do Departamento de Educação Física do Ministério da Educação e Saúde (1937/1945).  In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA (Anpuh), 23., 2005, Londrina. Anais... Disponível em: https://shre.ink/eJ9Y. Acesso em: 30 abr. 2025.

SANTANA, Márcio Santos. Projetos para novas gerações: juventude e relações de força na política brasileira (1926-1945). Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: https://shre.ink/eOnK. Acesso em: 6 maio 2025.

SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra; Fundação Getúlio Vargas, 2000.

VELLOSO, Mônica Pimenta. Uma configuração do campo intelectual. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 71-108.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional  

BR_RJANRIO_EH Agência Nacional              

BR_RJANRIO_35 Gabinete Civil da Presidência da República

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional, BR_RJANRIO_EH_0_FOT_PRP_01537_d0020de0035

Homenagem da Juventude Brasileira ao aniversário do presidente Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1942