Nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, em 21 de março de 1890. De família tradicional, era filho de José Calistrato Carrilho Vasconcelos, médico, deputado estadual (1890-1891) e inspetor de Higiene de seu estado (1909-1923), e de Maria Emília Pereira Carrilho. Fez seus estudos iniciais no Instituto Aires Gama, no Recife, e no colégio Diocesano, no estado da Paraíba, e o ensino secundário no Ateneu Norte Rio Grandense, em Natal. Em 1906, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Concluiu o curso em 1911, defendendo a tese intitulada Contribuição clínica ao estudo das formas depressivas da psicose pré-senil, sob orientação de Antônio Austregésilo. Em 1915, passou no concurso de docência de Clínica Psiquiátrica da mesma faculdade. Nesse ano, conquistou a livre-docência com o trabalho Estudo clínico das parafrenias, categoria descrita pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926), considerado o fundador da psiquiatria moderna, que inspirou a reforma efetuada por Juliano Moreira (1872-1933) na direção do Hospício Nacional de Alienados, a partir de 1903. Ainda estudante, em 1910, foi admitido como extranumerário do Hospital Nacional de Alienados. Nesta instituição, assumiu o cargo de alienista substituto (1913) e de alienista efetivo (1917). Em 1918, foi nomeado para o comando da Seção Lombroso, destinada aos ‘alienados delinquentes’. Foi o primeiro diretor do Manicômio Judiciário, instituído no âmbito da Assistência Médica e Legal de Alienados, pelo decreto n. 14.821, de 25 de maio de 1921, resultado de uma campanha impulsionada pela imprensa da época após o assassinato por Mário Teixeira Coelho, taquígrafo do Senado, de Clarice Índio do Brasil, esposa do senador Arthur Índio do Brasil, que temia a possibilidade de que o acusado viesse a ser absolvido sob a alegação de “problemas mentais”. Outro acontecimento que levou à criação do órgão foi uma revolta ocorrida na ‘Seção Lombroso’, em 27 de janeiro de 1920, que deixou cinco guardas feridos, e foi seguida pela ordem de remoção de 16 pessoas para a Casa de Detenção. No Manicômio Judiciário, dedicou-se à pesquisa sobre as formas de repressão, tratamento e profilaxia de indivíduos considerados ‘anormais’, sobre crimes passionais, entre outras temáticas. Entre 1928 e 1929, atuou como perito oficial no caso de Febrônio Índio do Brasil, acusado de homicídio de dois meninos. Seu laudo tornou-se paradigmático, do ponto de vista da história da psiquiatria forense e da criminologia, evidenciando a defesa de preceitos da escola positiva, que alterou o objeto da ação penal do crime para o criminoso, que deveria ser analisado por meio de métodos científicos, contrapondo-se à escola clássica, que serviu de base para a elaboração do Código Penal de 1890. Partindo de uma abordagem ‘psicológica’ e da afirmação de um diagnóstico de “loucura moral”, embasado nos estudos do psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing (1840-1902), o laudo constitui-se como peça essencial para a absolvição do acusado, que foi encaminhado para internação no Manicômio Judiciário. Foi membro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, estabelecido pelo decreto n. 16.665, de 6 de novembro de 1924, para deliberar sobre as solicitações de livramento condicional, ao lado de nomes como Raul Leitão da Cunha, Juliano Moreira, Cândido Mendes de Almeida e José Gabriel de Lemos Brito. Durante o governo de Getúlio Vargas (1883-1954), foi designado para compor a comissão de elaboração do anteprojeto do Código Penitenciário, que acabou não se concretizando. Assumiu a cátedra de Clínica Psiquiátrica da Faculdade Fluminense de Medicina, localizada em Niterói, em 1939. Em 1945, foi nomeado diretor substituto do Serviço Nacional de Doenças Mentais do Departamento Nacional de Saúde. Foi segundo-secretário (1917), secretário-geral (1920), vice-presidente da ‘Seção de Medicina Legal’ (1932) e presidente (1941) da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal; membro da Liga Brasileira de Higiene Mental; membro titular da Academia Nacional de Medicina; e sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Participou da Primeira Conferência Brasileira de Criminologia (1936), apresentando o trabalho intitulado Os criminosos passionais e o sursis; do Primeiro Congresso Latino-Americano de Criminologia (1938), em Buenos Aires, onde tratou das relações entre sífilis e delinquência; e do Segundo Congresso Mundial de Criminologia (1950), ocorrido em Paris. Fundou, junto com Juliano Moreira, o periódico Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro (1930), e foi diretor dos Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria, da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal. Foi autor de inúmeros trabalhos, com destaque para Um caso de sífilis cerebral (1917), A colaboração dos psiquiatras nas questões penais (1930), Assistência aos psicopatas delinquentes: instruções, conselhos e advertências aos enfermeiros dos manicômios judiciários (1932), Psicopatologia da paixão amorosa e seu aspecto médico-legal (1933), Índices psicobiológicos da regeneração (1936), Psicogênese e determinação pericial da periculosidade (1941), Casa de custódia e tratamento (1945). Um ano após sua morte, a instituição que dirigiu até o final da vida recebeu seu nome, ficando conhecida como Manicômio Judiciário Heitor Carrilho. Morreu no Rio de Janeiro, em 20 de maio de 1954.
Angélica Ricci Camargo
Abr. 2023
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