O Conselho Supremo Militar e de Justiça, tribunal superior de justiça militar, foi estabelecido pelo alvará de 1º de abril de 1808, como parte das transformações políticas e administrativas ocasionadas pela transferência da corte portuguesa para o Brasil. Composto por dois conselhos relativamente independentes – o Conselho Supremo Militar e o Conselho de Justiça – tinha por atribuição as matérias militares que em Lisboa se expediam pelos conselhos de Guerra, do Almirantado e do Ultramar. No Brasil, o novo órgão era regulado pelo regimento do Conselho de Guerra, de 22 de dezembro de 1643, e pelas demais resoluções e ordens régias que o geriam em Lisboa, bem como pelo alvará do regimento de 26 de outubro de 1796, referente ao Conselho do Almirantado.
A forma federativa de Estado assumida com a Proclamação da República não promoveu um rearranjo imediato da administração pública. As mudanças na configuração da administração herdada do período imperial se dariam apenas após a promulgação da Constituição, em 24 de fevereiro de 1891. As alterações ocorridas ainda no governo provisório se deram de forma bastante localizada, movimento que obedeceu a questões específicas de cada área do novo governo. No que diz respeito ao ordenamento jurídico, o governo editou uma série de atos a fim de regular a organização político-institucional, até que a nova Constituição fosse promulgada.
No caso do Poder Judicial, conforme designado pela Constituição de 1824, manteve-se no primeiro momento a estrutura que vigorara ao longo do Império: os juízes ordinários, os tribunais da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça e o Conselho Supremo Militar e de Justiça. Em 1890 foram aprovados os decretos n. 848, de 11 de novembro, que organizou a justiça federal, composta pelo Supremo Tribunal Federal, juízes de seção e juízes substitutos, e o n. 1.030, de 14 de novembro, sobre a Justiça no Distrito Federal.
Com a Constituição de 1891, a organização do Judiciário passou por alterações, tornado de fato um poder independente, com a faculdade de julgar o chefe do Executivo. O Supremo Tribunal Federal, composto por 15 ministros, foi instituído como o órgão máximo da justiça federal, competente para apreciar as causas em que a União fizesse parte. Ficava prevista ainda a criação de tribunais federais distribuídos pelo país, não cabendo à Justiça dos estados intervir em questões submetidas aos tribunais federais, bem como anular, alterar ou suspender as suas sentenças ou ordens. Obedecendo ao modelo dual, aos estados caberiam a maior parte das funções de jurisdição ordinária e a organização da justiça estadual após a promulgação de suas constituições (Horta, 1987).
A justiça militar não foi objeto do projeto de Constituição elaborado pela comissão especial de juristas instituída logo após a Proclamação da República, que serviria para os debates da Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 15 de novembro de 1890. Na Constituição promulgada no ano seguinte também não se tratou da justiça militar, tendo sido definido apenas que os militares teriam foro especial para julgamento nos delitos militares, composto por “um Supremo Tribunal Militar”, cuja organização e atribuições seriam reguladas por lei (Brasil. Constituição (1891), art. 77). Assim, a justiça militar funcionaria “com a mesma estrutura herdada do Império, mantendo inclusive a prática imperial de recorrência às comissões militares ad hoc, com o objetivo de lidar judicialmente com situações de oposição política” (Souza; Silva 2016, p. 370-1).
Somente em 1893 o Supremo Tribunal Militar foi reorganizado, pelo decreto n. 149, de 18 de julho, mas não se verificaram mudanças profundas em suas atribuições. O órgão tinha por função estabelecer a forma processual militar, julgar em segunda e última instância todos os crimes militares, responder a consultas da Presidência da República sobre economia, disciplina, direitos e deveres das forças de terra e mar, comunicar ao governo sobre os indivíduos indiciados em crimes militares, processar e julgar os seus membros nos crimes militares e mandar expedir as patentes militares dos oficiais efetivos reformados, honorários e classes anexas. Assim o arranjo institucional da justiça militar na República manteve o Supremo Tribunal Militar fora da estrutura do Poder Judiciário, além de ter conservado suas funções judiciais e administrativas, característica dos tribunais superiores portugueses instalados no Brasil em 1808. O órgão, com sede na capital federal, não mais seria presidido pelo chefe de Estado, mas pelo general mais graduado que o compusesse, sendo integrado por quinze membros vitalícios nomeados pelo presidente da República: oito do Exército, quatro da Marinha e três juízes togados. Mantinham-se em sua formação os membros do Conselho Supremo Militar e de Justiça, que perderiam apenas os títulos nobiliárquicos, passando a ter o tratamento de ministro.
O Supremo Tribunal Militar recebeu nova organização pelo decreto n. 14.450, de 30 de outubro de 1920, que instituiu o Código de Organização Judiciária e Processo Militar, já previsto na lei n. 3.991, de 5 de janeiro de 1920, que aprovou o orçamento da União. O tribunal teve diminuído seu número de integrantes para nove membros, sendo dois da Armada, três do Exército e quatro togados, com no mínimo seis anos de prática, de preferência magistrados. Os cargos de presidente e vice-presidente do Supremo Tribunal seriam ocupados somente pelos ministros militares, mediante eleição com direito a voto dos ministros civis. O mandato seria de dois anos, sem possibilidade de reeleição.
Em 1926, pelo decreto n. 17.231-A, de 26 de fevereiro, que aprovou o Código de Justiça Militar, o Supremo Tribunal Militar passou por nova reestruturação. Sua composição aumentou para o número de dez ministros, nomeados pelo presidente da República, sendo três do Exército, dois da Armada e cinco civis, que deveriam ser magistrados e bacharéis em direito. Ficava mantida a eleição para o preenchimento dos cargos de presidente e vice-presidente, a serem ocupados somente pelos ministros militares.
A instalação do governo de Getúlio Vargas, em 1930, e a promulgação de uma nova Constituição, em 1934, trouxeram mudanças para a organização do Poder Judiciário, especialmente com a criação de justiças especializadas – a militar e a eleitoral (BRASIL. Constituição (1934), art. 63). Assim, passava o Supremo Tribunal Militar a encarregar-se apenas da função jurisdicional, ficando dispensado da competência administrativa antes sob seu encargo. Outra alteração introduzida pela Carta de 1934 foi estender a alçada do Supremo Tribunal Militar e dos tribunais militares inferiores aos civis em crimes contra a “segurança externa do país ou contra instituições militares” (Brasil. Constituição (1934), art. 84).
Dilma Cabral
Abr. 2018
Fontes e bibliografia
BASTOS, Paulo César. (1981), Superior Tribunal Militar — 173 Anos de História. Brasília, Superior Tribunal Militar.
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. “História Constitucional do Brasil”, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
HORTA, Raul Machado. Unidade e dualidade na magistratura. Revista de informação legislativa, v. 24, n. 96, p. 179-188, out./dez. 1987. Disponível em: https://goo.gl/KnGuKE. Acesso em: 22 abr. 2018.
LEMOS, Renato Luís do Couto Neto e. A Justiça Militar e a implantação da ordem republicana no Brasil. Topoi, v. 13, n. 24, jan.-jun. 2012, p. 60-72. Disponível em: https://goo.gl/UxGhNU Acesso em: 21 maio 2018.
SOUZA, Adriana Barreto; SILVA, Angela Moreira Domingues da. A organização da justiça militar no Brasil: Império e República. Estud. hist. (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 29, n. 58, p. 361-380, ago. 2016. Disponível em: https://goo.gl/HWxp6K. Acesso em: 18 abr. 2018.
ZAVERUCHA, Jorge; MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. Superior Tribunal Militar: entre o autoritarismo e a democracia. Dados, Rio de Janeiro, v. 47, n. 4, p. 763-797, 2004. Disponível em: https://goo.gl/id7dNg. Acesso em: 22 abr. 2018.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_1X Conselho Supremo Militar e de Justiça
BR_RJANRIO_AV Série Marinha: Contadoria - (I M)
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_DA Série Guerra - Gabinete do Ministro (IG1)
BR_RJANRIO_AG Série Justiça - Chancelaria, Comutação de Penas e Graças (IJ3)
BR_RJANRIO_B2 Série Marinha - Ministro - Secretaria de Estado (X M)
Referência da imagem
[Praça da República]. Estereoscopia Rodrigues & Co. Rio de Janeiro, [s.d.]. Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_444_58
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período da Primeira República. Para informações entre 1808-1822 e 1822-1889, consulte Conselho Supremo Militar e de Justiça e Conselho Supremo Militar e de Justiça