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Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa

Publicado: Quarta, 09 de Novembro de 2016, 18h22 | Última atualização em Segunda, 03 de Mai de 2021, 23h00 | Acessos: 21953
Partida da rainha d. Carlota para Portugal, em litografia incluída no livro Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848)
Partida da rainha d. Carlota para Portugal, em litografia incluída no livro Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848)

Reunidas durante os anos de 1821 e 1822, em decorrência da Revolução do Porto, as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa foram instaladas com o objetivo de elaborar uma constituição para Portugal e seus domínios ultramarinos. Sua convocação foi decorrência da revolução iniciada na cidade de Porto, deflagrada em 24 de agosto de 1820 e liderada pela burguesia mercantil portuguesa. As sessões se prolongaram de 24 de janeiro de 1821 a 4 de novembro de 1822, período em que os deputados constituintes procuraram legislar sobre aspectos diversos das relações no interior do império português, em especial, a centralidade do império luso.

A Revolução do Porto foi fortemente influenciada pelo movimento liberal que teve início na Espanha em janeiro de 1820, e obrigou o rei Fernando VII a jurar a Constituição de Cádiz. A experiência espanhola demonstrou ser uma alternativa capaz de canalizar o crescente descontentamento português pela prolongada ausência da corte, que estava no Brasil desde 1808, e pela tutela política e militar do reino, transferida ao Conselho de Regência, sob o comando do marechal inglês William Beresford. A burguesia mercantil portuguesa ressentia-se também com as perdas econômicas impostas pelas invasões francesas e com a autonomia político-administrativa alcançada pelo Brasil em 1815. A reunião das Cortes e a elaboração de uma Constituição constituíram-se na principal reivindicação dos liberais portugueses, o que significava o estabelecimento de um novo pacto político cujo alicerce era a restituição do papel de Portugal no cenário político europeu.

Logo após o início da revolução em agosto, foi constituída a Junta Provisória do Governo Supremo do Reino, com o objetivo de assumir o governo e convocar as Cortes Gerais portuguesas, instituição absolutista de caráter consultivo que não se reunia desde 1697. Em setembro, o movimento chegou a Lisboa, sendo instaurado na capital um governo interino e destituída a Regência, que exercia as funções de governo na ausência de d. João VI. Finalmente, ainda naquele mês, formou-se a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, resultante da junção do governo interino de Lisboa e da Junta Provisória estabelecida no Porto, tendo por atribuição elaborar as instruções eleitorais para convocação das Cortes.

Em outubro de 1820, foram expedidas as primeiras instruções para eleição dos deputados para as Cortes Gerais, que incluíram apenas os representantes de Portugal, provocando grande descontentamento. As instruções foram republicadas em novembro após serem reelaboradas, estabelecendo a proporcionalidade da representação de indivíduos na nação portuguesa, inclusive nos domínios ultramarinos, e abandonando a divisão tradicional da sociedade em três ordens, clero, nobreza e povo.

Em Portugal, a eleição de deputados se deu em cinco províncias: Alentejo, Beira, Estremadura, Minho e Trás-os-Montes, além do Algarves, que então era considerado um reino separado. O sistema era bastante complexo e a eleição ocorria em diferentes etapas, sendo que apenas na primeira delas, quando cidadãos residentes e domiciliados em uma freguesia escolhiam seus representantes paras as juntas eleitorais, de freguesia, o voto era realizado de maneira direta. A partir daí, a eleição dos compromissários, dos eleitores de paróquia e dos eleitores de comarca se dava de forma indireta, culminando na eleição dos deputados constituintes, que acontecia na capital da província. Concluído o processo eleitoral em dezembro de 1820, em 26 de janeiro do ano seguinte, as Cortes Gerais inauguraram os trabalhos para a elaboração da Constituição, cujas sessões iniciais contaram apenas com a participação dos cem deputados eleitos em Portugal.

A adoção desses critérios eleitorais, baseados na Constituição espanhola de 1812, impôs uma primeira mudança na administração do Reino do Brasil, com a elevação das capitanias brasileiras à condição de províncias, dotadas de autonomia para elegerem seus representantes, desde que declarada sua adesão às Cortes Gerais (Berbel, 1999, p. 230-234). Em 1º de janeiro de 1821, o Pará anunciou sua adesão, seguido pela Bahia, em 10 de fevereiro, acompanhadas pelas províncias do Piauí, Maranhão e Pernambuco. A filiação das províncias brasileiras à Revolução do Porto se deu de forma diferenciada, sendo fortemente influenciada pelas relações que cada uma delas mantinha com Portugal e com o governo instalado no Rio de Janeiro. Com o apoio das Cortes, foram instaladas juntas de governo no Pará e na Bahia, legitimadas pelo constitucionalismo português e desvinculadas do centro político-administrativo representado pela presença da corte no Rio de Janeiro.

Em 30 de janeiro daquele ano, um decreto das Cortes criou uma regência, que substituiu a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e passou a exercer o Poder Executivo em nome de d. João VI, que permanecia no Brasil. Em 8 de fevereiro, foi concluído o documento As Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, aprovado pelas Cortes Gerais em 9 de março e que orientou os trabalhos das Cortes Gerais na elaboração da Constituição. As Cortes Gerais também exigiram o imediato retorno do monarca a Lisboa, que deveria reassumir seu papel de centro político do império ultramarino.

A indefinição inicial de d. João em reconhecer a soberania das Cortes Gerais e retornar a Portugal foi afetada por uma série de acontecimentos, como a adesão das províncias ao movimento liberal, a pressão das tropas da Divisão Auxiliadora, composta por oficiais portugueses, e as manifestações populares no largo do Rocio em defesa das Cortes Gerais. Estes episódios levaram à promulgação do decreto de 24 de fevereiro de 1821, pelo qual d. João VI aprovou a Constituição que estava sendo elaborada e comprometeu-se com o regresso a Portugal. Seu retorno deu início a uma reorientação da política portuguesa em relação ao Brasil, o que significava reduzir sua centralidade política no império e estabelecer uma administração hierarquizada e centralizada, cujo polo de poder deveria assentar-se em Portugal.

O regresso do rei a Lisboa e a permanência de d. Pedro como regente no Brasil tornaram-se públicos pelo decreto de 7 de março, mesma data em que foram expedidas as instruções para a eleição dos deputados do Brasil às Cortes Gerais, sendo adotados os mesmos critérios do Reino de Portugal. A partir de abril de 1821, as províncias brasileiras receberam as bases da Constituição, junto com as instruções para que procedessem às eleições de seus representantes à Constituinte. Tal como a adesão ao movimento vintista, as eleições em cada província se deram de forma diferenciada. Assim, os primeiros deputados do Brasil tomaram assento nas Cortes Gerais somente em agosto de 1821, provenientes das províncias de Pernambuco e do Rio de Janeiro. Em seguida, tomaram posse os representantes de Maranhão, Santa Catarina, Alagoas e Bahia. Apenas em 1822 chegaram a Lisboa os deputados de São Paulo, Paraíba, Pará, Espírito Santo, Goiás e Ceará. Não tomaram assento nas Cortes Gerais as representações de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, que permaneceram no Brasil em demonstração de apoio ao regente. Também não tomou posse em Lisboa o deputado eleito pela província Cisplatina, que ficou no Rio de Janeiro como membro do Conselho de Procuradores, convocado por d. Pedro (Berbel, 1999; Carvalho, 2003; Tomaz, 1972).

Em agosto, as Cortes Gerais deram início à discussão em torno de uma série de medidas administrativas cujo objetivo era reorganizar o poder político-institucional luso. A política das Cortes em relação ao Brasil foi manifestada pelos decretos promulgados em outubro de 1821, determinando alterações na estrutura da administração, que fora paulatinamente transformada a partir da vinda da família real portuguesa para o Brasil. Tais mudanças incluíam a transformação das capitanias em províncias; a deposição dos governadores nomeados por d. João, sendo criadas, em substituição, as juntas provinciais e reconhecidas aquelas já formadas na Bahia e no Pará como governos provinciais legítimos; a subordinação dos presidentes das províncias às Cortes e ao rei; a destituição de qualquer autoridade militar para os governos provinciais; e a extinção da Casa de Suplicação e de todos os tribunais superiores instalados a partir de 1808, promovendo assim a reinstalação da antiga Relação do Rio de Janeiro. Além destas alterações, as Cortes exigiam o retorno imediato do príncipe regente a Lisboa (Berbel, 1999, p. 188-189). A discussão que originou os decretos de outubro se deu antes da chegada dos representantes brasileiros às Cortes, já que os primeiros deputados tomaram assento somente em 29 de agosto. Essas medidas administrativas inauguraram uma política de confronto entre Lisboa e a regência de d. Pedro, o que determinou a atuação dos deputados do Brasil nas Cortes Gerais. Além dessas mudanças na administração, as questões de ordem econômica, especialmente as relações comerciais entre Brasil e Portugal, tornaram-se pontos de divergência entre deputados dos dois reinos. A regeneração econômica portuguesa implicava o estímulo aos setores ameaçados pela concorrência estrangeira, ou seja, tornava-se necessário o estabelecimento de uma política protecionista.

O debate em torno do comércio entre Portugal e Brasil ganhou maior destaque conforme aumentava a representação dos “brasileiros” nas Cortes Gerais. Em fevereiro de 1822, a chegada da bancada paulista, que defendia uma proposta de unidade luso-brasileira, intensificou a disputa referente à integração do Brasil à política de regeneração das Cortes Gerais. A tentativa de conciliar as posições distintas levou à criação, em março de 1822, de uma comissão especial formada por seis deputados brasileiros e seis portugueses, com a incumbência de apresentar artigos adicionais à Constituição, relativos aos negócios do Brasil.

O que estava em jogo era o papel de centralidade política de Portugal, defendido pelos deputados portugueses, que se contrapunham às propostas dos representantes brasileiros, os quais defendiam o funcionamento de dois centros de poder, na Europa e na América, cada um com Executivo e Legislativo próprios, além de uma assembleia geral que legislasse sobre assuntos de interesse de todo o império. Esta proposição baseava-se na ideia de uma federação luso-brasileira, disposta no programa político trazido pelos deputados paulistas e defendida por Antônio Carlos de Andrada e Silva. Nesse aspecto, a discussão sobre a presença de d. Pedro no Brasil ganhou uma dimensão significativa, não apenas por desafiar as determinações das Cortes Gerais, mas também por projetar para o futuro o problema da sede da monarquia, já que o regente era o sucessor de d. João VI. A permanência d. Pedro no Brasil não apenas confrontou a imposição dos decretos de outubro, como acabou por exercer um papel determinante ao catalisar a insatisfação de importantes setores da elite do Brasil.

A polarização entre dois centros governativos fez crescer a tensão nas províncias, especialmente a partir de janeiro de 1822, quando d. Pedro decidiu se manter no Brasil. Logo após o Dia do Fico, em 9 de janeiro daquele ano, o regente expulsou a Divisão Auxiliadora, que, ao expressar sua fidelidade às Cortes Gerais, protagonizou cenas de violência na cidade do Rio de Janeiro e colocou em xeque a autoridade do príncipe regente. Em fevereiro, foi instituído o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, com funções similares às de um Conselho de Estado, que contribuiria para fortalecer as relações do Rio de Janeiro com as demais províncias brasileiras, sem a intermediação de Lisboa.

Ainda no Brasil, em 4 de maio de 1822, a decisão n. 10 determinou que não se daria execução a nenhum decreto das Cortes Gerais no país sem o “cumpra-se” de d. Pedro, o que significava submeter à sua autoridade as decisões de Lisboa. Dois acontecimentos tiveram ainda especial relevância política nos atos finais desse processo, tornando evidente a impossibilidade do projeto integracionista: a primeira reunião do Conselho de Procuradores-Gerais, em 2 de junho, e a convocação de uma Assembleia Constituinte, em 3 de junho, com o objetivo de redigir uma Constituição para o Brasil.

Enquanto isso, a discussão nas Cortes pouco avançava, apesar das tentativas dos deputados brasileiros para uma solução institucional dos impasses relativos à integração dos dois reinos. A tentativa em garantir a reciprocidade e a igualdade política e econômica entre os dois reinos, com o Rio de Janeiro como centro do poder na América, fracassou com a convocação de uma Constituinte no Brasil. Em agosto, deputados paulistas argumentaram pela anulação de seus mandatos, já que a adesão de províncias brasileiras – como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro – a d. Pedro evidenciava o desacordo em relação às decisões emanadas pelas Cortes Gerais. Essa orientação foi seguida pelas representações de Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Santa Catarina. Concluída em setembro, a Constituição Política da Monarquia Portuguesa foi assinada em sessão solene nos dias 23 e 24, por 39 dos 46 deputados brasileiros em exercício, à exceção de quatro paulistas, dois baianos, além de outros quatro que se encontravam licenciados. Por ocasião do juramento, em 30 de setembro, ao grupo que não assinou a Constituição somaram-se dois deputados, de Pernambuco e da Bahia (Carvalho, 2003, p. 307-326).

No dia 4 de novembro, encerraram-se os trabalhos das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, que foram transformadas em uma assembleia ordinária, instalada em 15 de novembro de 1822. No fim, o projeto vintista não foi capaz de acomodar as diferentes forças políticas, que divergiam quanto à regeneração portuguesa e à unidade e integridade do império luso-brasileiro. Com isso, a geração de homens que se dirigiu às Cortes Gerais sob o ideal ilustrado do vasto império luso-brasileiro retornou ao país com uma nova tarefa, a de estabelecer as bases político-institucionais de construção do jovem Estado, o Brasil, agora independente.


Dilma Cabral
Out. 2012

Fontes e bibliografia
BERBEL, Márcia Regina. A nação como artefato: deputados do Brasil nas cortes portuguesas (1821-1822). São Paulo: Fapesp; Hucitec, 1999.

CARVALHO, M. E. Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821. Brasília: Senado Federal, 2003.

LIMA, Manuel de Oliveira. O movimento da Independência: 1820-1822. 6. ed. Rio de Janeiro: Top Books, 1997.

NEVES, Lúcia Maria B. P. das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan, 2003.

NIZZA, Maria Beatriz. Movimento constitucional e separatismo no Brasil (1821-1823). Lisboa: Livros Horizonte, 1988.

SOUZA, Iara Liz Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1831). São Paulo: Unesp, 1999.

TOMAZ, Fernando. Brasileiros nas Cortes Constituintes de 1821-1822. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 74-101.

 


Referência da imagem
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, epoques de l‘avénement et de I‘abdication de S.M. D. Pedro 1er,. Paris: Firmind Didot Frères, 1834-1839. Arquivo Nacional, OR_1909_V3_PL46

 

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