Jardim Botânico
A data de criação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro é motivo de polêmica entre estudiosos do assunto. Não há qualquer referência à sua criação até o alvará de 1º de março de 1811, que determinou como uma das atribuições do presidente da recém-criada Real Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições a direção de um jardim botânico, destinado à cultura de plantas exóticas, que se mandava formar na fazenda da lagoa de Rodrigo de Freitas. No entanto, existem evidências de que o Jardim Botânico se estabeleceu anteriormente junto à Fábrica de Pólvora, que foi instalada no engenho da mesma fazenda da lagoa de Rodrigo de Freitas em 13 de maio de 1808. Nesse sentido, o decreto de 12 de outubro daquele ano instituiu o lugar de feitor da fazenda, cujas instruções incluíam que as terras não arrendadas fossem utilizadas “naquela espécie de cultura que for de maior interesse e benefício da Real Fazenda, ou em qualquer outra plantação que lhe for determinada por ordem superior” (Brasil, 1891, p. 147). Devido a essa definição, a incorporação das terras nas margens da lagoa de Rodrigo de Freitas aos bens da Coroa, por meio do decreto de 13 de junho de 1808, é considerado como ato de criação do Jardim Botânico.
Da mesma forma, a bibliografia sobre o tema aponta inúmeras denominações para o estabelecimento: Real Horto, Real Jardim Botânico, Real Quinta e Jardim da Lagoa Rodrigo de Freitas. No entanto, a legislação do período aqui considerado refere-se ao órgão apenas como Jardim Botânico da lagoa de Rodrigo de Freitas.
Até o século XVII, o local ocupado pelo Jardim Botânico foi um engenho de cana-de-açúcar que pertencia à família de Rodrigo de Freitas. Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, o príncipe regente d. João adquiriu a fazenda, com o intuito de ali fundar uma fábrica de pólvora que estivesse à altura da cidade que o acolhia e atendesse às necessidades de segurança da Corte. Carlos Napion, primeiro diretor da Fábrica de Pólvora, foi o responsável pelos reparos e ampliação dos prédios que lá existiam, para que as instalações se adaptassem melhor às novas atividades.
Especialmente durante o século XVIII, países como Inglaterra, França, Espanha e Holanda produziram experimentos de botânica com espécies nativas originárias de suas colônias, utilizando para isso uma política de criação de jardins botânicos coloniais que funcionassem sob a administração de instituições similares àquelas situadas nas metrópoles (Bediaga, 2007, p. 1.134). No Brasil, houve dois empreendimentos de construção de jardins e pesquisas botânicas nos séculos XVII e XVIII. O primeiro, em 1640, foi o jardim elaborado com o empenho de Maurício de Nassau, em Recife, e o segundo, a criação, em 1798, do jardim botânico de Belém do Pará, sob as ordens de d. Maria I.
O jardim criado pelo conde Nassau se destacava por apresentar-se como um espaço útil de conhecimento do mundo natural, reunindo informações sobre diversas espécies de natureza americana, muitas delas remetidas à Europa para enriquecer os jardins botânicos e outras coleções. Além disso, funcionava como um local de recepção e adaptação de espécies estrangeiras enviadas à colônia (Gesteira, 2004, p. 9; Sanjad, 2001, p. 33).
O jardim botânico de Belém do Pará possuía uma função estratégica, em virtude de sua proximidade da Amazônia, que era alvo de inúmeras incursões para estudos de botânica. O jardim do Pará deveria funcionar como um entreposto português para intercâmbio de espécies vegetais, dados o potencial da flora amazônica para o comércio e a proximidade com as colônias francesas ao norte, que já tinham em funcionamento jardins semelhantes. Além disso, o jardim do Pará vinculava-se a um amplo esforço empreendido pelas autoridades metropolitanas e coloniais para reforçar a soberania portuguesa na região (Jobim, 1986; Sanjad, 2001, p. 3).
Nesse sentido, o aviso régio de 19 de novembro de 1798 destacou a relevância da criação de estabelecimentos congêneres ao horto de Belém, que seria seguida por iniciativas semelhantes que dariam origem aos do Rio de Janeiro, Ouro Preto, São Paulo, São Luís e Salvador (Real Horto, s.d.). No período de 1808 a 1822, entretanto, encontramos na legislação somente referências ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
As primeiras espécies vindas do estrangeiro para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro eram oriundas das Ilhas Maurício e foram trazidas por Luiz de Abreu Vieira e Silva, como presente para d. João. Assim, foram introduzidas as seguintes espécies vegetais: abacateiros, caneleiras, coração de negro, pés de lichia, moscadeiras, sagu, fruta-pão, cajá e areca. Estas e outras espécies de plantas são citadas no alvará de 1º de março de 1811, assim como alcanforeiras, cravo-da-índia, canela, pimenta e cactos como a cochonilha. Seu cultivo e propagação foram estimulados e levados ao maior grau de perfeição possível com a plantação dos bosques artificiais de madeiras de lei, como perobas, tapinhoãs, canelas, vinháticos e tecas.
A possibilidade de produção de conhecimentos sobre novas espécies vegetais aumentou, proporcionalmente, o poder de difusão das informações entre plantadores e fazendeiros potenciais, facilitando o intercâmbio de plantas entre colônias tropicais e a sua aclimatação (Dean, 1991, p. 5). Em 1810, o marechal Manoel Marques contribuiu com o envio de algumas espécies. Em 1812, Rafael Botado de Almeida remeteu ao Brasil as primeiras sementes de chá (Thea viridis L.). A partir daí, houve um grande incentivo à plantação de chá, com a colaboração de colonos chineses que emigraram com o intuito de ensinar o cultivo e a preparação do produto. Posteriormente, empreendeu-se a tentativa de exportação do chá em 1837, que, todavia, não teve êxito, sendo o produto aproveitado no mercado interno.
O decreto de 11 de maio de 1819 anexou o Jardim Botânico ao Museu Real. Contudo, o órgão esteve subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra até 1822, quando passou para a esfera da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.
Rodrigo Lobo
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
BEDIAGA, Begonha. Conciliar o útil ao agradável e fazer ciência: Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1808-1860). História, Ciências e Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 1.131-1.157, out./dez., 2007.
BRASIL. Decreto de 12 de outubro de 1808. Cria o lugar de feitor da Lagoa de Freitas e dá instruções a respeito. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 147, 1891.
DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: a introdução e domesticação de plantas no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 216-218, 1991.
GESTEIRA, Heloisa Meireles. O Recife holandês: história natural e colonização neerlandesa (1624/1654). Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 6-21, 2004.
JOBIM, Leopoldo Collor. Os jardins botânicos no Brasil colonial. Bibl. Arq. Mus., Lisboa, v. 2, n. 1, p. 53-120, 1986.
LAVÔR, João Conrado Niemeyer de. Histórico do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jardim Botânico, 1983.
SANJAD, Nelson. Nos jardins de São José: uma história do Jardim Botânico do Grão-Pará (1796-1873). Dissertação (Mestrado em Geociências) – Instituto de Geociências, Campinas, 2001.
REAL Horto. In: DICIONÁRIO histórico-biográfico das ciências da saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: https://goo.gl/VtqUeD. Acesso em: 23 maio 2008.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado
BR_RJANRIO_NP Diversos SDH - Códices
BR_RJANRIO_2H Diversos SDH - Caixas
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_KE Publicações Oficiais - Acervo Geral e Periódicos
Referência da Imagem
Johann Moritz Rugendas. Voyage pittoresque dans le Brésil. Paris: Engelmann & Cie., 1835. Arquivo Nacional, OR_2119_DIV3_PL_25
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período colonial. Para informações entre 1822 e 1889, consulte Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas
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