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Mesa da Consciência e Ordens

Publicado: Quinta, 10 de Novembro de 2016, 13h53 | Última atualização em Quarta, 04 de Agosto de 2021, 19h18 | Acessos: 8083

A Mesa da Consciência e Ordens foi estabelecida pelo alvará de 22 de abril de 1808 e compunha a estrutura do Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, órgão superior da administração judiciária que se instalou no Brasil com a vinda da corte portuguesa. Conforme registra o alvará de 12 de maio de 1808, nessa corte o recém-criado tribunal encarregava-se dos negócios que, em Portugal, pertenciam a quatro secretarias, ou seja, aos tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens, do Conselho do Ultramar e da Chancelaria-Mor da Corte e Reino.

Criada em Portugal em 1532, com a denominação de Mesa da Consciência, tinha por atribuição o aconselhamento do rei sobre as matérias que tocassem a “obrigação de sua consciência” (Hespanha, 1994, p. 251; 1982, p. 346). Em 1551, por meio da bula papal Praeclara carissimi, a Coroa incorporou a administração das ordens militares, com a anexação dos mestrados de Avis, Cristo e Santiago, e a Mesa da Consciência passou a denominar-se Mesa da Consciência e Ordens. Segundo Manuel Hespanha, a Mesa da Consciência teria funcionado sem regimento até 24 de novembro de 1558, data de sua primeira regulamentação (1994, p. 251). Esse regimento, confirmado pelo papa e por d. Sebastião em 1563, foi reformulado em 1608, quando se expediu um novo regimento para o presidente da mesa, em 12 de agosto, e um para a própria mesa, em 23 do mesmo mês (Hespanha, 1994, p. 252; Portugal, 1998, p. 232-234).

Segundo o regimento de 1608, o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens compunha-se de um presidente, cinco deputados, que seriam teólogos e juristas, um escrivão da câmara e, para cada uma das três ordens militares, três escrivães da câmara (Neves, 1997, p. 44). A mesa possuía uma gama de atribuições, como a tutela espiritual e temporal das ordens militares, a tutela das provedorias e mamposteiros dos cativos e dos defuntos e ausentes, o governo da Casa dos Órfãos de Lisboa, o provimento e governo das capelas de d. Afonso IV e d. Beatriz, o provimento das mercearias dos reis e infantes passados, a administração dos hospitais Real das Caldas, de Nossa Senhora da Luz, Real de Coimbra, de São Lázaro de Coimbra e de Santarém, gafarias e albergarias de proteção real, a superintendência da administração da universidade, o provimento dos ofícios relativos às repartições que tutelava, bem como das terras das ordens, o governo espiritual das conquistas e todos os assuntos que tocassem a consciência do rei (Hespanha, 1994, p. 253-254; MESA, 2008.). A mesa funcionava, ainda, como tribunal de recurso nas matérias de foro privilegiado dos cavaleiros das ordens, além de ser “a instância por onde se passavam os perdões e cartas de fiança dos privilegiados ou se concediam autorizações para a alienação ou sub-rogação dos bens de comendas” (p. 254).

No Brasil, o alvará de 22 de abril de 1808 atribuiu ao Tribunal do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens a decisão sobre os negócios que pertenciam à Mesa do Desembargo do Paço, incorporando-lhe também as competências não militares do Conselho Ultramarino, bem como “todos os negócios de que conhece a Mesa da Consciência e Ordens”.

Apesar do alvará de criação defini-lo como um único tribunal, na prática o Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens mantiveram funcionamento e práticas distintas. O tribunal despachava todos os dias pela manhã, desde que não fosse domingo, festa de guarda ou feriado, reservando-se as quartas e sextas-feiras para as matérias próprias da Mesa da Consciência e Ordens. O texto legal ressaltava, ainda, que no despacho do expediente do tribunal seria guardado o que fora estabelecido pelas ordenações, alvarás, regimentos e ordens régias, “expedindo todos os negócios pela forma e maneira praticada em Lisboa nos tribunais respectivos”. Da mesma forma, o alvará de 1808 definiu que haveria, no tribunal, deputados da Mesa da Consciência e Ordens, que só entenderiam dos seus negócios e teriam as mesmas prerrogativas dos da Mesa da Consciência e Ordens do Reino (Hespanha, 1994, p. 17-19).

Além dos deputados, o alvará de 22 de abril de 1808 criou outros cargos para administração dos assuntos sob a jurisdição da Mesa da Consciência e Ordens no Brasil, como o de procurador-geral, que deveria fiscalizar e promover os negócios e direitos das Três Ordens Militares. Para apelação das causas-crimes dos cavaleiros das Ordens Militares, foi criado o cargo de juiz dos cavaleiros, revogando-se o alvará de 12 de agosto de 1801, que autorizara que os desembargadores ouvidores-gerais do crime das relações do Rio de Janeiro e da Bahia desempenhassem tal função. Ainda segundo o alvará, os bispos das respectivas dioceses ficariam servindo de juízes das Ordens Militares, em conformidade com o parágrafo IX do alvará de 11 de outubro de 1786.

Para fiscalização da arrecadação da Fazenda dos defuntos e ausentes, foi criado o cargo de promotor, que seria exercido por um magistrado nomeado pelo rei, além de um chanceler das Três Ordens Militares, para os negócios dessa repartição. Para o expediente da Mesa da Consciência e Ordens, o alvará estabelecia um escrivão da câmara, um oficial-maior, um oficial-menor, um escrivão, que serviria também à Chancelaria-Mor, e um recebedor da chancelaria, para uma e outra repartição. O alvará de 12 de maio de 1809, além de determinar os emolumentos do presidente, deputados e demais empregados da Mesa da Consciência e Ordens, aumentou em três o número de oficiais que trabalhavam em sua secretaria: mais um oficial menor e dois oficiais papelistas.

Segundo o Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1817, a Mesa da Consciência e Ordens reunia-se em sessão nas quartas e sextas-feiras pela manhã e apresentava a seguinte estrutura: presidente, cujo lugar se encontrava vago; onze deputados, que eram os desembargadores do Desembargo do Paço, um deles servindo de escrivão da câmara; a cecretaria com três oficiais, sendo dois papelistas e um praticante, um porteiro, que serviria também de tesoureiro e distribuidor, um escrivão da receita, despesa e registro, dois contínuos, um meirinho e um capelão; o Juízo Geral da Ordem, com um procurador-geral das ordens, um juiz dos cavaleiros, um escrivão e o promotor da Fazenda dos defuntos e ausentes; a Chancelaria da Três Ordens Militares, com um chanceler, um escrivão, um recebedor e um praticante, com exercício de porteiro.

Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1825 apresenta algumas alterações na composição da Mesa da Consciência e Ordens. O número de deputados da mesa, que eram também desembargadores do Desembargo do Paço, passou para 14. Na secretaria havia mais um oficial papelista, e registrava-se uma nova estrutura, o Arquivo das Três Ordens Militares, composto de três encarregados de lançar os hábitos e receber as profissões: um para a Ordem de Cristo, um para a Ordem de São Bento de Avis e um para a Ordem de São Tiago da Espada.

Após a independência, a Constituição de 1824 organizou sob novas bases o Judiciário brasileiro, estabelecendo-o como um dos Poderes do Estado, conforme teorizado por Montesquieu (Martins Filho, 1999). A partir desse rearranjo institucional do Estado brasileiro, foi prevista uma outra composição para o sistema judicial, com a criação de tribunais da relação nas províncias e do Supremo Tribunal de Justiça, que, contudo, só foi estabelecido em 1828, com a lei de 18 de setembro.

Em conformidade com a criação desse novo tribunal, a lei de 22 de setembro de 1828 extinguiu a Casa de Suplicação e a Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, regulando, ainda, a expedição dos negócios de sua competência. Complementando essa reestruturação, a lei de 1º de outubro de 1828 retirou das câmaras municipais a função judicante, definindo-as como corporações meramente administrativas, sem qualquer jurisdição contenciosa.

É interessante observar que, na sua lei de extinção, o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens é tratado não como um único órgão, mas como dois tribunais distintos. Segundo o texto, os diversos assuntos que pertenciam aos dois tribunais seriam pulverizados e passariam a ser expedidos pelos juízes de primeira instância, juízes criminais, juízes de órfãos, relações provinciais, Tesouro e juntas de Fazenda, Supremo Tribunal de Justiça e secretarias de Estado. No caso das atribuições específicas da Mesa da Consciência e Ordens, caberia aos juízes de primeira instância “anular as eleições de irmandades feitas contra os compromissos, e mandar renová-las”. A imposição do pagamento de pensões dos párocos à capela imperial tornou-se responsabilidade do Tesouro e das juntas de Fazenda. Competiria ao governo, pelas respectivas secretarias de Estado, expedir “cartas de apresentação de benefícios eclesiásticos sobre as respostas dos prelados, na forma até aqui praticada”, e “confirmar os compromissos de irmandades, depois de aprovados pelos prelados na parte religiosa” (Neves, 1997, p. 132).


Dilma Cabral
Ago. 2011

 

Fontes e bibliografia
ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1817. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 270, p. 211-370, 1966.

ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1825. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 291, p. 177-284, 1971.

ARAÚJO, Rosalina Corrêa de. Rui e as questões constitucionais essenciais do Poder Judiciário na República. JurisPoiesis: revista dos cursos de direito da Universidade Estácio de Sá, v. 1 n. 1, mar./jul. 1999. Disponível em: https://goo.gl/x4wZQD. Acesso em: 22 mai. 2008.

PORTUGAL. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Guia Geral dos Fundos da Torre do Tombo. Instituições de Antigo Regime. Administração Central. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, p. 232-234, 1998.

HESPANHA, António Manuel As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.

______. História das instituições: épocas medieval e moderna. Coimbra: Livraria Almedina, 1982.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução histórica da estrutura judiciária brasileira. Revista Jurídica Virtual, n. 5, set. 1999. Disponível em: https://goo.gl/fN6aqN. Acesso em: 26 mar. 2008.

MESA da Consciência e Ordens. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994. p. 539.

______.  Arquivo Nacional Torre do Tombo, 2008. Disponível em: https://bit.ly/3wAe1sA. Acesso em: 6 abr. 2021.

NEVES, Guilherme Pereira das. E receberá mercê: a Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular no Brasil, 1808-1828. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.

 
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_4J Mesa da Consciência e Ordens
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_2H Diversos SDH - Caixas
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
BR_RJANRIO_4K Mesa do Desembargo do Paço
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_59 Negócios de Portugal
BR_RJANRIO_A6 Série Interior - Gabinete do Ministro (IJJ1)
BR_RJANRIO_B2 Série Marinha - Ministro - Secretaria de Estado (X M)
BR_RJANRIO_BU Supremo Tribunal de Justiça


Referência da imagem
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, epoques de l‘avénement et de I‘abdication de S.M. D. Pedro 1er. Paris: Firmind Didot Frères, 1834-1839. Arquivo Nacional, OR_1909_V3_PL8

 

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