Linhas de navegação da Companhia Lloyd Brasileiro, [1901]
Linhas de navegação da Companhia Lloyd Brasileiro, [1901]

O Lloyd Brasileiro foi criado pelo decreto n. 208, de 19 de fevereiro de 1890, como uma empresa privada destinada à exploração dos serviços de navegação. Suas origens remontam à década de 1880, quando o vice-almirante Artur Silveira de Mota, barão de Jaceguai, elaborou um projeto de criação de uma companhia de navegação de grande porte, constituída por meio da reunião de todas as companhias nacionais, denominada Lloyd Brasileiro (Goularti Filho, 2009, p. 7). Tal projeto previa a manutenção das linhas existentes e o estabelecimento de duas transoceânicas. Além disso, a companhia atuaria como reserva da Marinha de guerra, cuja precariedade fora exposta durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), quando o país foi obrigado a solicitar o apoio da navegação civil para atender às suas necessidades bélicas (Goularti Filho, 2009, p. 6).

O desenvolvimento dos transportes terrestre, marítimo e fluvial ganhou impulso na segunda metade do século XIX. Para incentivar a circulação de mercadorias e pessoas, o governo imperial promoveu diversas iniciativas, concedendo garantia de juros para a construção de ferrovias e subvenções com o objetivo de organizar companhias de navegação (Goularti Filho, 2011, p. 411). O decreto n. 632, de 1851, regulou a concessão do privilégio exclusivo de até vinte anos para a navegação a vapor entre os portos e a subvenção anual a companhias, ou a garantia de 8% do capital empregado conforme a modalidade da linha explorada. Em 1860, o decreto n. 2.647 determinou que o transporte de gêneros e mercadorias entre os portos do Império fosse uma prerrogativa das embarcações nacionais, medida que começou a ser revertida pouco tempo depois, pelo decreto n. 3.631, de 27 de março de 1866 (Inspetoria-Geral..., 2020).

Em 1888, a lei n. 3.397 autorizou a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas a contratar o barão de Jaceguai para organizar uma companhia de navegação a vapor, a fim de realizar viagens entre Brasil e Europa, fixando os valores da subvenção. No mesmo ano, o decreto n. 10.106, de 10 de dezembro, concedeu a ele favores para estabelecer e custear duas linhas de paquetes a vapor entre o porto de Santos e os de Hamburgo e Gênova. Logo depois, Jaceguai chegou a organizar uma empresa, chamada Companhia Transatlântica de Navegação, que, no entanto, não saiu do papel (Goularti Filho, 2009, p. 7).

Após a Proclamação da República, o barão de Jaceguai, junto com outros empresários, apresentou o projeto ao novo governo, aprovado pelo decreto n. 208, de 1890, que organizou o Lloyd Brasileiro, cujo prazo de duração iria até 30 de junho de 1906, tendo por obrigação o desenvolvimento da navegação da costa e da linha fluvial de Mato Grosso, dentre outras disposições. Na ocasião, ocorreu a formação da companhia, por meio da fusão da Companhia Transatlântica de Navegação, ainda não instalada, além da criação de outras: Companhia Progresso Marítimo, cujo patrimônio estava hipotecado junto ao Banco do Brasil; Companhia Espírito Santo e Caravelas, endividada com bancos ingleses; Companhia Nacional de Navegação a Vapor e Companhia Brasileira de Navegação a Vapor (Goularti Filho, 2009, p. 8).

O decreto n. 857, de 13 de outubro de 1890, regulou o serviço do Lloyd Brasileiro, estabelecendo sete linhas, especificações para a construção dos vapores, os tipos de armamentos presentes em cada classe de embarcação, a quantidade de acomodações e o pessoal necessário aos trabalhos. Determinou, ainda, as vantagens recebidas e as obrigações impostas, tais como a de transportar gratuitamente o inspetor da navegação subvencionada, empregados dos Correios e da Inspetoria-Geral de Terras e Colonização, e o dinheiro remetido do Tesouro Nacional para as tesourarias estaduais, e a de conceder outras espécies de descontos e abatimentos nos preços de passagens e fretes (Brasil, 1890b, p. 2.837-2.848).

Além da autorização para a criação do Lloyd, outra novidade instaurada pela República nos serviços de navegação, a partir da Constituição de 1891, foi o monopólio da cabotagem para os navios brasileiros, posição defendida por alguns republicanos positivistas, que buscavam fortalecer o capital nacional (Goularti Filho, 2009, p. 9).

O Lloyd Brasileiro enfrentou problemas financeiros desde seus primeiros anos, mesmo recebendo subvenção e favores do governo federal. Essas dificuldades foram agravadas, de acordo com relatos dos diretores, devido a exigências de manutenção de linhas deficitárias, aos preços estipulados pelo transporte das mercadorias e das passagens, que estavam bem abaixo dos praticados por outras companhias, e aos gastos com a manutenção da frota, considerada obsoleta (Goularti Filho, 2009, p. 11). Um ano depois de sua criação, o decreto n. 611, de 22 de outubro, aprovou sua incorporação à Empresa de Obras Públicas do Brasil, e o dispensou da manutenção das linhas transatlânticas.

Nos anos seguintes, a empresa teve sua reconstituição autorizada pelo decreto n. 1.165, de 9 de dezembro de 1892, e seus estatutos reformados pelo decreto n. 1.815-a, de 27 de setembro de 1894, que foi declarado sem efeito pelo decreto n. 1.985-b, de 11 de março de 1895.

A empresa esteve durante um período sob intervenção do governo e, posteriormente, sob a fiscalização do Banco do Brasil, e teve decretada sua falência em 1899, que foi seguida pelo processo de liquidação da companhia. Em 1901, seu acervo foi posto em hasta pública e arrematado por Antônio Vaz de Carvalho, ficando o Banco do Brasil responsável pela administração desses bens até ser constituída uma nova empresa.

No ano seguinte, o decreto n. 4.311, de 6 de janeiro, autorizou a reorganização dos serviços de navegação que estiveram a cargo da extinta companhia Lloyd Brasileiro, dando origem à companhia Novo Lloyd Brasileiro, fundada em 1903. Essa iniciativa passou igualmente por problemas, e, em 1905, uma empresa, sob a forma de sociedade em comandita por ações, foi instituída para explorar os serviços do Lloyd. A autorização para o seu funcionamento foi aprovada pelo decreto n. 5.903, de 23 de fevereiro de 1906, que definiu como obrigatória a organização de uma escola de pilotos, a criação de uma linha para os Estados Unidos, dentre outros dispositivos ausentes nos contratos anteriores.

Em 1909, ocorreu a transformação da empresa em sociedade anônima, em razão da situação crítica que atravessava. Em 1913, os acionistas aprovaram a proposta do governo, autorizada pela lei n. 2.738, de 4 de janeiro, que permitiu a incorporação da companhia ao patrimônio nacional, para ser posteriormente arrendada ou vendida (Companhia..., 1980, p. 5-9). Essa mudança foi formalizada pelo decreto n. 10.387, de 13 de agosto, que transferiu para o governo federal a responsabilidade de todo o passivo da Sociedade Anônima Lloyd Brasileiro, inclusive seus empréstimos realizados em Londres, ficando com a propriedade do ativo da empresa e incorporando seu acervo ao patrimônio nacional sob a administração do Ministério da Fazenda (Brasil, 1916b, p. 509-510).

Apesar dos problemas enfrentados entre 1890 e 1913, o Lloyd realizou seus serviços com certa regularidade, sendo fiscalizado por um inspetor designado pelo Ministério da Viação e Obras Públicas e, a partir de 1907, pela Inspetoria-Geral de Navegação, órgão responsável pela inspeção das empresas de navegação subvencionadas ou favorecidas pelo governo federal e dos vapores que gozassem das vantagens e regalias de paquete.

A partir de 1913, o Lloyd Brasileiro passou por um breve período de prosperidade, favorecido pelo contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que também acarretou a incorporação de 43 navios alemães à sua frota, após o país declarar guerra à Alemanha, em 1917 (Goularti Filho, 2009, p. 13). Contribuíram, ainda, para essa situação a implementação de medidas rigorosas de controle dos gastos e a proibição de práticas como a concessão de passagem “de favor” (Brasil, 1915, p. 226). Nessa mesma época, o Lloyd foi utilizado para auxiliar o governo no combate aos efeitos da seca nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte, realizando o transporte, entre agosto e dezembro de 1915, de quase vinte mil “flagelados” dessas regiões para a capital do país (Brasil, 1915, p. 450). Naquele ano, o Lloyd também adquiriu, por troca com o Ministério da Marinha, um navio para a formação profissional de pilotos, ao qual foi dado o nome de Venceslau Brás, que naquele momento ocupava a Presidência da República (Brasil, 1916b, p. 452).

Em 1919, o decreto n. 13.420, de 15 de janeiro, transferiu os serviços do Lloyd Brasileiro para o Ministério da Viação e Obras Públicas, e o decreto n. 13.549, de 16 de abril, aprovou seu regulamento. Segundo este último ato, a empresa teria por finalidade “o transporte de passageiros e cargas entre os portos do norte, noroeste e sul do Brasil e os portos estrangeiros” (Brasil, 1919, p. 6.345), e seria administrada por um diretor-presidente, auxiliado pelos superintendentes dos serviços de navegação e de tráfego. Sua estrutura seria formada por 11 seções, divididas em secretaria, contabilidade, tesouraria, intendência, navegação, serviço médico, ensino profissional, construção, máquinas e oficinas, inspetoria-geral das linhas, tráfego e contencioso administrativo. Essa composição foi modificada no mesmo ano, com a extinção da inspetoria-geral das linhas pelo decreto n. 13.799, de 9 de outubro.

Em 1920, o Lloyd Brasileiro foi reorganizado sob a forma de sociedade anônima, pelo prazo de trinta anos, de acordo com o decreto n. 14.577, de 28 de dezembro. O capital da nova sociedade seria de trinta mil contos de réis, contribuindo a União com os bens que estavam a seu cargo, no valor de 25 mil contos de réis. Nessa fase de sua trajetória, a empresa enfrentou obstáculos que quase a levaram novamente à falência, situação que melhorou a partir de 1933, com o apoio concedido pelo governo federal. Em 1937, em uma conjuntura de implementação de um projeto nacional de industrialização, o governo de Getúlio Vargas determinou incorporação do Lloyd, de forma semelhante ao que ocorreu com quase todas as ferrovias (Goularti Filho, 2009, p. 15), transferindo-o, mais uma vez, para a esfera federal.

Angélica Ricci Camargo
Jul. 2021

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 208, de 19 de fevereiro de 1890. Organiza o Lloyd Brasileiro. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 2, p. 289-290, 1890a.

______. Decreto n. 857, de 13 de outubro de 1890. Regula o serviço do Lloyd Brasileiro. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 10, p. 2.837-2.848, 1890b.

______. Decreto n. 10.387, de 13 de agosto de 1913. Autoriza o ministro da Fazenda a emitir apólices, até a quantia de 32.000:000$, papel, para liquidar as dívidas da Sociedade Anônima Lloyd Brasileiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 509-510, 1916a.

______. Decreto n. 13.420, de 15 de janeiro de 1919. Transfere do Ministério da Fazenda para o da Viação os serviços do Lloyd Brasileiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 64, 1920a.

______. Decreto n. 13.549, de 16 de abril de 1919. Aprova o novo regulamento para o Lloyd Brasileiro. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 9 maio 1919. Seção 1, p. 6.345-6.353.

______. Decreto n. 13.799, de 9 de outubro de 1919. Suprime a inspetoria-geral das linhas do Lloyd Brasileiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 314, 1920b.

______. Decreto n. 14.577, de 28 de dezembro de 1920. Reorganiza o Lloyd Brasileiro, constituindo-o sob a forma de sociedade anônima, para a exploração dos serviços de navegação e outros, atualmente a cargo daquela empresa. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, t. 2, p. 1.357, 1921.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Fazenda dr. João Pandiá Calógeras, v. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1915. Disponível em: https://bit.ly/3yl39zC. Acesso em: 30 jul. 2021.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Fazenda dr. João Pandiá Calógeras, v. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1916b. Disponível em: https://bit.ly/3f9MGGz. Acesso em: 30 jul. 2021.

COMPANHIA de Navegação Lloyd Brasileiro. Legislação da empresa, 1980.

GOULARTI FILHO, Alcides. Abertura da navegação de cabotagem brasileira no século XIX. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 409-434, nov. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3lcy1OQ. Acesso em: 30 jul. 2021.

______. A companhia de navegação Lloyd Brasileiro: uma trajetória de déficit financeiro e desenvolvimento econômico. História Econômica & História de Empresas, São Paulo, v. 12, n. 2, set. 2009. Disponível em: https://bit.ly/3ye1w6t. Acesso em: 30 jul. 2021.

INSPETORIA-GERAL de Navegação. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2020. Disponível em: https://bit.ly/3ygM8Gu. Acesso em: 30 jul. 2021.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_LD Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices

BR_RJANRIO_ F2 Proveniência Desconhecida

BR_RJANRIO_8T Série Agricultura - Terras Públicas e Colonização (IA6)

BR_RJANRIO_AM Série Justiça - Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Proveniência Desconhecida, BR_RJANRIO_F2_0_MAP_0226_d0001de0001