O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi criado em 1808, com o nome de Real Horto, como espaço para aclimatação e propagação de espécies vegetais, além do cultivo do chá, bastante incentivado na instituição até 1840. Primeiramente, esteve subordinado à Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas e Fundições, passando, no entanto, a compor a estrutura do Museu Real em 1919. Nesse mesmo ano, foi aberto ao público, que deveria ser autorizado pelo diretor e acompanhado por praças do Corpo de Veteranos. O acesso seria ampliado em 1838, com regulamento policial que determinou regras de conduta e visitação ao espaço (Jardim, 2014; Real Horto, s.d.).
Após a Independência, o Jardim Botânico ficou subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios do Império, pasta responsável pelas instituições científicas e culturais no período, onde permaneceu até 1861, quando passou para o âmbito da recém-criada Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Nesse ano, o governo assinou contrato com o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, passando para este a administração do Jardim Botânico. O objetivo do instituto era criar um asilo agrícola para meninos órfãos nas dependências do jardim, voltado para o ensino prático de agricultura (Bediaga, 2016).
Com a Proclamação da República, o Jardim Botânico foi incorporado à esfera federal pelo decreto n. 61, de 25 de março de 1890, subordinado à Diretoria de Agricultura do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Meses depois, o decreto n. 518, de 23 de junho, reorganizou o órgão instituindo um novo regulamento. Esse ato ampliou os estudos de botânica, em especial da flora brasileira. Para isso, determinou que, além da administração das atividades de cultura e jardinagem, caberia ao diretor a competência de estudar e classificar as plantas por métodos científicos, catalogá-las, bem como estabelecer correspondência com as instituições congêneres no exterior. Também foi criado o cargo de naturalista-viajante, com a incumbência de recolher no interior do país plantas vivas e secas, sementes, frutos e produtos vegetais, com suas respectivas informações. O regulamento previu ainda um Museu Botânico, cujo acervo seria composto por herbários de folhas, flores, frutos secos, bem como amostras de madeiras, desenhos de espécies vegetais e instrumentos agrícolas e industriais.
Ainda em 1890, o botânico João Barbosa Rodrigues foi nomeado para dirigir a instituição, cargo que ocupou por duas décadas, contribuindo para a ampliação da pesquisa botânica da flora brasileira, além de produzir publicações científicas e o periódico Contributions du Jardin Botanique de Rio de Janeiro (Amarante, s.d.).
Em 1908, foi realizada na capital federal a Exposição Nacional, que tinha como temática o centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas. As exposições nacionais tiveram início em 1861 e reuniam elementos naturais da fauna e da flora brasileiras, assim como produtos agrícolas e manufaturas. Os melhores produtos eram selecionados para serem exibidos nas exposições universais (Gabler, 2012, p. 21). Nessas mostras as nações apresentavam seus principais produtos e tecnologias, como uma espécie de ‘vitrine do progresso’ (Jatahy, 1997).
O Jardim Botânico teve uma participação importante na Exposição Nacional de 1908, visto que nessa ocasião, a instituição também comemorou seus 100 anos de existência. O espaço destinado ao órgão contou com onze mil expositores e mais de cem mil mostras, além de inúmeras plantas em estufa e ao ar livre. Nesse contexto ainda foram produzidas publicações especiais como o décimo volume da Contributions du Jardin Botanique de Rio de Janeiro, um álbum histórico ilustrado intitulado Uma lembrança do 1º Centenário (1808-1908), escrito por Barbosa Rodrigues, e um catálogo de enumeração, classificação e apreciação de plantas (Heizer, 2007, p. 10-11).
O Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio foi criado pela lei n. 1.606, de 29 de dezembro de 1906, tendo sido instalado pelo decreto n. 7.501, de 12 de agosto de 1909, e regulamentado pelo decreto n. 7.727, de 9 de dezembro do mesmo ano. O Jardim Botânico ficou sob a jurisdição desta pasta, junto com outros órgãos voltados para o desenvolvimento científico, como o Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, a Escola de Minas, o Museu Nacional e o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Com a criação de um ministério específico para a agricultura, distinto dos assuntos de viação e obras públicas, esses órgãos assumiram uma visão científica direcionada ao desenvolvimento e modernização agrícola (Ministério, 2017; Bhering; Maio, 2011).
O projeto de racionalização da produção agrícola na Primeira República esteve balizado nas premissas de modernização da lavoura, por meio da mecanização, e da diversificação, que seria feita com a aplicação de métodos intensivos de plantio, bem como da seleção e beneficiamento das espécies (Mendonça, 1997, p. 95). Nesse sentido, o Jardim Botânico assumiria a função de realizar estudos e experimentos voltados para o desenvolvimento de cultivos. No decreto n. 7.848, de 3 de fevereiro de 1910, que reorganizou o órgão, a aplicabilidade dos estudos realizados na instituição foi exposta em seu primeiro artigo: “O Jardim Botânico é um estabelecimento destinado ao estudo sistemático e experimental da botânica, com especialidade da flora brasileira, tendo em vista a agricultura e as indústrias rurais”.
Novas áreas de estudo voltadas para o progresso da lavoura e da indústria também foram institucionalizadas na estrutura administrativa, sendo criada a seção Agronômica, composta pelas áreas de silvicultura, arboricultura, fruticultura, campos de culturas econômicas, estudo agrícola e industrial das plantas têxteis, além de um posto meteorológico. O órgão passou a contar ainda com os laboratórios de química agrícola e o de ensaios de sementes e fisiologia vegetal.
O decreto n. 9.215, de 15 de dezembro de 1911, transformou a seção Agronômica em Horto Florestal, órgão subordinado à primeira seção da Diretoria-Geral de Agricultura do Ministério Agricultura, Indústria e Comércio. Nesse mesmo ano, o decreto n. 9.216, de 18 de dezembro, instituiu um novo regulamento para o Jardim Botânico, suprimindo da estrutura administrativa as competências transferidas para o Horto.
Em 1915, Antônio Pacheco Leão assumiu o Jardim Botânico, após um período de sucessivas trocas de diretores que começou com a morte de Barbosa Rodrigues, em 1909. Leão permaneceu no cargo até 1931, sendo sua administração considerada um período profícuo para a instituição. Ainda no primeiro ano, lançou o periódico científico Arquivos do Jardim Botânico, voltado para a divulgação das pesquisas realizadas no órgão. Durante a administração de Leão, também foram promovidas expedições para coletar exemplares botânicos, como as de Adolpho Ducke, pela região amazônica (Casazza, 2012).
O decreto n. 11.484, de 10 de fevereiro de 1915, reorganizou o órgão no que se refere a distribuição de pessoal, atribuição de cargos e salários. Entretanto, não houve alterações nas seções e repartições, o que ocorreu somente no ano seguinte, com a transferência do laboratório de fitopatologia do Museu Nacional e do Horto Florestal para o Jardim Botânico (Brasil, 1917b, p. 54; Brasil, 1917c, p. 75). O laboratório de fitopatologia compôs a estrutura administrativa por poucos anos, sendo transferido ao Instituto Biológico de Defesa Agrícola em 1920.
Em 1914, o governo federal incorporou ao patrimônio do Jardim Botânico as terras que pertenceram, anteriormente, à família do visconde de Mauá, na região de Itatiaia, Rio de Janeiro. Nesse local, foi implantada, em 1922, a Reserva Florestal de Itatiaia, mais adiante denominada Estação Biológica de Itatiaia, onde foram realizados estudos de biologia vegetal, principalmente de aclimatação e silvicultura (Casazza, 2012, p. 111).
Ainda na década de 1920, o Jardim Botânico abrigou em suas dependências o Serviço Florestal do Brasil , que entrou em funcionamento em 1926, anexo ao Horto Florestal. Somente em 1932, já no governo Vargas, a instituição passou por outra importante transformação, ficando subordinada ao Instituto de Biologia Vegetal e ampliando seu quadro de pesquisadores e estudos (Real Horto, s.d.).
Louise Gabler
Dez. 2022
Fontes e bibliografia
AMARANTE, Cristiana. As publicações científicas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: https://l1nk.dev/YEn9r. Acesso em: 14 jun. 2016.
BEDIAGA, Begonha. Educação para o trabalho rural: o ‘asilo agrícola’ do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, 1869-1889. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 3 (42), p. 123-143, jul./set. 2016.
BHERING, Marcos Jungmann; MAIO, Marcos Chor. Ciência, positivismo e agricultura: uma análise do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio na Primeira República. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 27, n. 46, jul./dez. 2011.
BRASIL. Decisão n. 61, de 25 de março de 1890. Comunica a desanexação do Jardim Botânico do Instituto Fluminense de Agricultura. Decisões do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, p. 36, 1895.
______. Decreto n. 518, de 23 de junho de 1890. Reorganiza o Jardim Botânico. Decretos do governo provisório do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, fascículo 6, p. 1407, 1890.
______. Lei n. 23, de 30 de outubro de 1891. Reorganiza os serviços da administração federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 42-45, 1892.
______. Decreto n. 1.142, de 22 de novembro de 1892. Dá regulamento à Secretaria de Estado dos Negócios de Indústria, Viação e Obras Públicas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 924-939, 1893.
______. Decreto legislativo n. 1.606, de 29 de dezembro de 1906. Cria uma Secretaria de Estado com a denominação de Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 114-116, 1907.
______. Decreto n. 7.501, de 12 de agosto de 1909. Dispõe sobre as medidas provisórias para a instalação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 247-250, 1913a.
______. Decreto n. 7.727, de 9 de dezembro de 1909. Aprova o regulamento da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1.078-1.094, 1913b.
______. Decreto n. 7.848, de 3 de fevereiro de 1910. Reorganiza o Jardim Botânico. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 113-124, 1915a.
______. Decreto n. 9.215, de 15 de dezembro de 1911. Subordina ao regime do ensino agronômico, com a denominação de Horto Florestal, a atual Seção Agronômica do Jardim Botânico. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 71-77, 1915b.
______. Decreto n. 9.216, de 18 de dezembro de 1911. Dá novo regulamento ao Jardim Botânico. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 78-84, 1915c.
______. Decreto n. 11.484, de 10 de fevereiro de 1915. Reorganiza o Jardim Botânico. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 459, 1917a.
______. Decreto n. 11.885, de 12 de janeiro de 1916. Transfere para o Jardim Botânico o Laboratório de Fitopatologia do Museu Nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 54, 1917b.
______. Decreto n. 11.904, de 19 de janeiro de 1916. Anexa o Horto Florestal ao Jardim Botânico. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 75, 1917c.
______. Decreto n. 14.356, de 15 de setembro de 1920. Cria o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, parte 1, p. 493-504, 1921.
CASAZZA, Ingrid F. Um jardim para a ciência: o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1915-1931). Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 101-117, jan./jun. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3YGF3ww. Acesso em: 20 dez. 2022.
GABLER, Louise. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. Disponível em: https://goo.gl/Hz6ddk. Acesso em: 30 nov. 2022.
HEIZER, Alda. O Jardim Botânico de Barbosa Rodrigues na Exposição Nacional de 1908. Fênix: Revista de História e Estudos Culturais, Uberlândia, v. 4, n. 3, ano IV, p. 1-16, 2007. Disponível em: https://bit.ly/3Yyhwy1. Acesso em: 20 dez. 2022.
JARDIM Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), 2014. Disponível em: https://bit.ly/3V8M9H7. Acesso em: 22 nov. 2022.
JATAHY, Sandra. Exposições universais: espetáculos da modernidade no século XIX. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.
MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.
MINISTÉRIO da Agricultura, Indústria e Comércio. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2017. Disponível em: https://bit.ly/2EtZDM7. Acesso em: 22 nov. 2022.
REAL Horto. In: DICIONÁRIO Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: https://goo.gl/PEimsJ. Acesso em: 23 nov. 2022.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO 1R Conselho de Estado
BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 23 Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO 2H Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO NP Diversos – SDH – Códices
BR AN,RIO OI Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR AN,RIO Q6 Floriano Peixoto
BR AN,RIO O2 Fotografias Avulsas
BR AN,RIO 4Y Ministério da Viação e Obras Públicas
BR AN,RIO 53 Ministério do Império
BR AN,RIO KE Publicações Oficiais – Acervo Geral e Periódicos
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fundo Floriano Peixoto, BR_RJANRIO_Q6_GLE_FOT_00002_d0008de0021
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão na Primeira República. Para informações entre 1808-1822 e 1822-1889, consulte Jardim Botânico e Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas