O Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio foi criado pelo decreto legislativo n. 1.606, de 29 de dezembro de 1906, a partir do desmembramento de funções do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, cuja denominação foi alterada para Ministério da Viação e Obras Públicas por esse ato. A pasta, que também recebeu atribuições ligadas à "catequese dos índios" transferidas do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, tinha uma vasta gama de competências relacionadas à agricultura, à indústria e ao comércio. Entre os assuntos compreendidos nesses três grandes eixos estavam o ensino agrícola, veterinário e industrial, a imigração e a colonização, a indústria animal, as estatísticas, os registros de animais, os institutos de pesquisas, as terras públicas, a propaganda e divulgação dos produtos brasileiros no exterior, a mineração, os estabelecimentos industriais, as patentes de invenção, a conservação de florestas, a preparação de tratados do comércio e navegação, as câmaras de comércio, associações, juntas comerciais e bolsa de corretores e o regime de pesos e medidas (Brasil, 1907, p. 114-115).
O estabelecimento de uma pasta autônoma para a agricultura constituiu-se como objeto de demandas de setores agrários afastados do pacto político dominado pelos cafeicultores de São Paulo e foi apresentado como projeto na Câmara dos Deputados em 1902. Os debates, conduzidos pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), pautaram-se pela ideia da ‘vocação agrícola’ do país e foram marcados pela defesa da diversificação da produção e por propostas de modernização que tinham como fim vencer o propagado ‘atraso’ brasileiro no campo (Mendonça, 1997, p. 26; 55; 95; 115; 119).
O ministério iniciou seus trabalhos somente em 1909, como indica o decreto n. 7.501, de 12 de agosto, na conjuntura inaugurada pela primeira operação valorizadora, que propiciou o aumento do preço do café no mercado internacional. A sua instalação representou, portanto, uma conquista dos setores reunidos em torno da SNA e, ao mesmo tempo, uma resposta dos grupos dominantes, que possibilitaram a manutenção do equilíbrio de forças no plano político (Mendonça, p. 115; 124; Fausto, 2000, p. 267). O decreto n. 7.501 também dispôs sobre os órgãos que passaram para a jurisdição administrativa do novo ministério e definiu provisoriamente a sua estrutura central, composta pelo Gabinete do Ministro, pela Diretoria-Geral e pela Diretoria de Expediente.
O primeiro regulamento da pasta foi aprovado nesse mesmo ano, pelo decreto n. 7.727, de 9 de dezembro, que estabeleceu como estrutura o Gabinete do Ministro, a Diretoria-Geral de Agricultura e Indústria Animal e a Diretoria-Geral de Indústria e Comércio. No ano seguinte, o decreto n. 7.839, de 27 de janeiro, criou um Serviço de Consulta para atender as questões da natureza jurídica e técnica derivadas dos trabalhos da pasta, e o decreto n. 7.958, de 14 de abril, estabeleceu uma Diretoria-Geral de Contabilidade. Em 1911, um novo regulamento, determinado pelo decreto n. 8.899, de 11 de agosto, modificou o nome da Diretoria-Geral de Agricultura e Indústria Animal para Diretoria-Geral de Agricultura. Em 1915 foi aprovado o último regulamento ministerial do período, disposto pelo decreto n. 11.436, de 13 de janeiro, que promoveu alterações apenas nas seções subordinadas à Diretoria-Geral de Contabilidade.
Inicialmente, a atuação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio privilegiou as questões relacionadas à agricultura, considerada como base da “condição primordial de toda a atividade, que é a alimentação” (Brasil, 1910, p. XXI). Assim, dentre as variadas atribuições da pasta, foram priorizadas as medidas voltadas para o problema da mão de obra rural, do ensino agronômico e da diversificação e modernização da produção agrícola, com exceção do café, gênero beneficiado pelas políticas estatais de forma mais ampla (Mendonça, 1997, p. 137). Essas diretrizes se refletiram na criação de diversos órgãos especializados, como a Diretoria de Indústria Animal, a Diretoria de Meteorologia e Astronomia, a Superintendência da Defesa da Borracha, a Inspetoria de Pesca e o Serviço de Algodão, entre outros. E, também, na realização de ações regionais específicas, por meio das inspetorias do Serviço de Inspeção Agrícola, instituídas pelo decreto n. 7.556, de 16 de setembro de 1909, e destinadas ao exame e recolhimento de informações sobre assuntos agrícolas, fabris, mineralógicos, entre outros elementos.
Como assinalado, o ensino agronômico mereceu destaque entre as iniciativas empreendidas. Em 1910, o decreto n. 8.319, de 20 de outubro, regulamentou a matéria e instaurou onze divisões em todos os níveis, compreendendo ensino superior, ensino médio ou teórico-prático, ensino prático, aprendizados agrícolas, ensino primário agrícola, escolas especiais de agricultura, escolas domésticas agrícolas, cursos ambulantes, cursos conexos com o ensino agrícola, consultas agrícolas e conferências agrícolas (Brasil, 1915, p. 1046-1047; Nagle, 2006, p. 299). O mesmo ato criou a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, com os cursos de engenheiros agrônomos e de médicos veterinários, escolas médias ou teórico-práticas e estruturas de apoio, como estações experimentais, campos de demonstração, postos zootécnicos, entre outras espalhadas pelo país, que funcionaram como “centros de propagação tecnológica e de assistência ao agricultor” (Mendonça, 1997, p. 53).
No bojo dessa preocupação com a qualificação do produtor e da mão de obra, inseriu-se a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, pelo decreto n. 8.072, de 20 de junho de 1910, voltado para a defesa dos indígenas, “constantemente perseguidos como animais ferozes”, como escreveu um ministro da pasta, mas com o foco na sua transformação em trabalhador rural (Brasil, 1911, p. XVII; Lima, 2011, p. 210).
As atividades resultantes dessa complexificação burocrática foram em parte prejudicadas pelo orçamento dirigido à pasta, motivo de reclamação constante dos ministros. Problema que também afetou ações como as pesquisas de jazidas de petróleo, especialmente no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando o crescimento industrial aumentou a necessidade de combustíveis minerais (Mendonça, 1997, p. 142, Muller, 1983, p. 136, Brasil, 1929, p. 12-13, Dias, 1993, p. 10). Outra consequência da guerra foi o agravamento do problema da carestia de vida, ligado à alta dos índices de inflação e dos preços dos gêneros alimentícios, que agudizaram a chamada ‘questão social’. Em 1918, antes do término do conflito internacional, foi criado pelo decreto n. 13.069, de 19 de junho, o Comissariado da Alimentação Pública com a finalidade de fiscalizar a exportação de gêneros alimentícios e de primeira necessidade, como medida excepcional do estado de guerra (Gomes, 1979, p. 58; Brasil, 1921, p. XII-XIII; Brasil, 1919, p. 617).
Os anos de guerra também foram marcados pela intensificação da organização do movimento operário e da realização de greves, dentre as quais a de 1917 ocorrida em São Paulo, e pelo início da regulamentação estatal do trabalho. Além da aprovação das primeiras leis trabalhistas e previdenciárias na Câmara dos Deputados, foram organizadas medidas repressivas, no âmbito da Polícia, e órgãos dedicados ao tratamento de diversos aspectos associados ao trabalho. No Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, foi instituída a Comissão Consultiva para o Estudo dos Assuntos Concernentes aos Seguros contra Acidentes do Trabalho, pelo decreto n. 13.543, de 9 de abril de 1919, com o objetivo de deliberar sobre os pedidos de seguro contra acidentes de trabalho (Gomes, 1979, p. 90; 105; Brasil, 1920, p. 413).
Na década de 1920, verificou-se uma reorientação nas diretrizes ministeriais a partir da maior atenção concedida aos gêneros constituídos como matérias-primas de indústrias e da incorporação de novas demandas, que resultaram na criação de conselhos formados de acordo com a representação profissional. O primeiro foi o Conselho Superior do Comércio e Indústria, estabelecido pelo decreto n. 16.009, de 11 de abril de 1923, com o fim de estudar os assuntos concernentes ao comércio interno e externo e à indústria nacional. E o segundo, o Conselho Nacional do Trabalho, instituído pelo decreto n. 16.027, de 30 de abril de 1923, como órgão consultivo em questões referentes à organização do trabalho e da previdência social, composto por representantes de patrões, operários e outros funcionários, escolhidos pelo presidente da República (Mendonça, 1997, p. 161, Brasil, 1923).
A importância assumida pelos temas da industrialização, do comércio e do trabalho, suscitou debates sobre a necessidade de criação de uma nova pasta ministerial. Proposta que apareceu de forma explícita no relatório ministerial de 1929 e que se constituiu como uma das primeiras medidas realizadas pelo governo de Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições, que assumiu a Presidência da República em 3 de novembro de 1930, após um golpe que derrubou as forças oligárquicas que se perpetuavam no poder (Brasil, 1930, p. 7). Assim, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio foi transformado a partir da perda de parte de suas atribuições para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, instituído pelo decreto n. 19.433 de 26 de novembro de 1930, tendo alterada sua denominação para Ministério da Agricultura, conforme disposição do decreto n. 19.448, de 3 de dezembro de 1930.
Angélica Ricci Camargo
Dez. 2017
Quadro de ministros do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (1909-1930)
Ministro |
Início |
Fim |
Antônio Cândido Rodrigues |
19 jun. 1909 |
26 nov. 1909 |
Francisco Sá |
26 nov. 1909 |
29 nov. 1909 |
29 nov. 1909 |
5 nov. 1910 |
|
16 nov. 1910 |
18 nov. 1913 |
|
19 nov. 1913 |
15 nov. 1914 |
|
15 nov. 1914 |
7 ago. 1915 |
|
José Rufino Bezerra Cavalcanti |
7 ago. 1915 |
26 nov. 1917 |
João Gonçalves Pereira Lima |
26 nov. 1917 |
15 nov. 1918 |
Antônio de Pádua Sales |
12 dez.1918 |
28 jul. 1919 |
28 jul. 1919 |
24 mai. 1922 |
|
16 nov. 1922 |
15 nov. 1926 |
|
Geminiano Lira Castro |
16 nov. 1926 |
23 out. 1930 |
Paulo de Morais Barros |
23 out. 1930 |
28 nov. 1930 |
(Fonte: Belleza, 195, p. 57-58)
Fontes e bibliografia
BELLEZA, Newton. Evolução do Ministério da Agricultura. Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1955.
BRASIL. Decreto Legislativo n. 1.606, de 29 de dezembro de 1906. Cria uma Secretaria de Estado com a denominação de Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 114-116, 1907.
______. Decreto n. 7.501, de 12 de agosto de 1909. Dispõe sobre as medidas provisórias para a instalação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 247-250, 1913.
______. Decreto n. 8.319, de 20 de outubro de 1910. Cria o Ensino Agronômico e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, parte 2, p. 1046-1122, 1915.
______. Decreto n. 13.069, de 19 de junho de 1918. Cria o Comissariado da Alimentação Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 617-618, 1919.
______. Decreto n. 13.543, de 9 de abril de 1919. Organiza a Comissão Consultiva para o estudo dos assuntos concernentes aos seguros contra os acidentes do trabalho. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 413-414, 1920.
______. Decreto n. 16.027, de 30 de abril de 1923. Cria o Conselho Nacional do Trabalho. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 368-371, 1923.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio Rodolpho Nogueira da Rocha Miranda em 1910. Rio de Janeiro: Oficinas da Diretoria-Geral de Estatística, 1910. Disponível em: https://goo.gl/wsdtyY. Acesso em: 22 set. 2017.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio Dr. Pedro de Toledo em 1911. Rio de Janeiro: Oficinas da Diretoria-Geral de Estatística, 1911. Disponível em: https://goo.gl/Nnyxxh. Acesso em: 21 set. 2017.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio Ildefonso Simões Lopes em 1920. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipografia Villas-Boas & C, 1921. Disponível em: https://goo.gl/yPnkBk. Acesso em: 18 set. 2017.
______.Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio Geminiano Lyra Castro em 1927. Rio de Janeiro: Tipografia do Serviço de Informações do Ministério da Agricultura, 1929. Disponível em: https://goo.gl/UG2KL6. Acesso em: 22 set. 2017.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio Geminiano Lyra Castro em 1929. Rio de Janeiro: Tipografia do Serviço de Informações do Ministério da Agricultura, 1930. Disponível em: https://goo.gl/6gshD6. Acesso em: 20 set. 2017.
DIAS, José Luciano de Mattos; QUAGLINO, Maria Ana. A questão do petróleo no Brasil: uma história da PETROBRAS. Rio de Janeiro: CPDOC; PETROBRAS, 1993.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 8 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
GOMES, Angela Maria de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Reconsiderando poder tutelar e formação do Estado no Brasil: notas a partir da criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais. In: FREIRE, Carlos Augusto da Rocha (org.). Memória do SPI: textos, imagens e documentos sobre o Serviço de Proteção aos Índios (1910-1967). Rio de Janeiro: Museu do Índio-FUNAI, p. 201-211, 2011.
MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: HUCITEC, 1997.
MULLER, Charles C. Das oligarquias agrárias ao predomínio urbano-industrial: um estudo do processo de formação de políticas agrícolas no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA;INPES, 1983.
NAGLE, Jorge. A Educação na Primeira República. In: FAUSTO, Boris (coord). História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil republicano. 8. Ed, t. III, v. 9. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 283-318, 2006.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_DB Agricultura
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_2H Diversos - SDH - Caixas
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_QD Francisco Lobo Leite Pereira
BR_DFANBSB_HB Ministério da Indústria e Comércio
BR_RJANRIO_4Q Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas
BR_RJANRIO_8M Série Agricultura - Administração (IA2)
BR_RJANRIO_8P Série Agricultura - Índios (IA7)
Referência da imagem
Estereoscopia Rodrigues & Co., Rio de Janeiro, 1908. Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_FOT_447_017
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período da Primeira República. Para informações entre 1930-1945, consulte Ministério da Agricultura