Trincheira no morro do Castelo durante a Revolta da Armada (set. 1893-mar. 1894), Rio de Janeiro
Trincheira no morro do Castelo durante a Revolta da Armada (set. 1893-mar. 1894), Rio de Janeiro

 A Casa de Correção do Rio de Janeiro, também denominada Casa de Correção da Corte, foi criada pelo decreto n. 678, de 6 de julho de 1850, tendo sido destinada à execução da pena de prisão com trabalho no próprio estabelecimento. No último regulamento do período imperial, foi então adotado o sistema penitenciário auburniano, que prescrevia o isolamento celular durante a noite e o trabalho coletivo durante o dia sob o regime de rigoroso silêncio (Brasil, 1883).

No período republicano, a Casa de Correção teve sua competência alterada pelo regulamento aprovado pelo decreto n. 3.647, de 23 de abril de 1900, que definiu como sua competência a execução da pena de prisão celular enquanto não fossem criadas no país instituições prisionais conforme o sistema penitenciário prescrito pelo Código Penal de 1890.

No texto do Código Penal, promulgado pelo decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, continuou vigorando a concepção de crime fundamentada no direito penal clássico já presente no Código Criminal de 1830. Nessa perspectiva, o crime era entendido na dimensão do próprio ato criminoso e não na pessoa do infrator, sendo, portanto, aplicada a justiça retributiva, isto é, a punição proporcional ao dano infligido à vítima (Paixão, 1991, p. 19; Salla, 2006, p. 145).

No entanto, o primeiro código penal republicano incorporou as críticas que os especialistas do direito criminal vinham fazendo à codificação do Império, desde a década de 1870. Dentre estas, destacam-se a posição contrária à multiplicidade de penas aplicadas como retribuição aos delitos – galés, morte, açoites, prisão simples e com trabalho, degredo, multa etc. – e à ausência de um modelo de organização das prisões a ser seguido em todo o país” (Salla, 2006, p. 147). Cabe notar, contudo, que antes mesmo de o código ser promulgado, as penas de galés e de prisão perpétua, cuja duração máxima passou a ser de trinta anos, haviam sido abolidas pelo decreto n. 774, de 20 de setembro de 1890. Assim, o Código de 1890 suprimiu as penas infamantes – morte, galés e açoites – e também a pena de prisão perpétua, ratificando o tempo limite de trinta anos para o cumprimento da pena restritiva da liberdade individual (Brasil, 1890).

A privação da liberdade estava no centro do sistema penal estabelecido pelo código republicano, predominando a aplicação da pena de prisão celular. Ao lado desta última, constavam as penas de prisão com trabalho obrigatório, disciplinar e de reclusão. Houve ainda a preocupação em definir o sistema penitenciário a ser instituído, tendo sido adotado o modelo progressivo ou irlandês. A admissão de tal sistema refletiu a crítica dos especialistas do direito criminal à opção pelo modelo auburniano implantado nas penitenciárias do Rio de Janeiro e de São Paulo no século XIX (Brasil, 1890; Salla, 2006, p. 149).

No modelo progressivo ou irlandês, existiam diferentes estágios de cumprimento da pena até o livramento condicional. No primeiro estágio da pena de prisão celular, deveria haver uma instituição especial que permitisse o trabalho obrigatório dentro da cela por no máximo dois anos. Depois desse período, o prisioneiro trabalharia coletivamente, observando o silêncio durante o dia, com segregação noturna. Nas sentenças com duração de mais de seis anos, o condenado que apresentasse bom comportamento e já tivesse cumprido metade da pena poderia ser transferido para uma penitenciária agrícola (Brasil, 1890).

No entanto, o próprio texto penal, antevendo a dificuldade de implantar o modelo penitenciário adotado, determinava que a prisão celular fosse cumprida como a de prisão com trabalho, nas instituições penitenciárias então existentes e segundo o regime vigente. Nos estados onde não houvesse tais estabelecimentos, a prisão celular seria convertida em prisão simples (Brasil, 1890).

As denúncias sobre as precárias condições materiais do edifício da Casa de Correção tinham se tornado bastante comuns nos relatórios dos diretores ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores desde o início do século XX. No final do período monárquico, dos quatro raios planejados, apenas um se encontrava em funcionamento, ainda assim, as obras não tinham sido concluídas, e suas condições sanitárias eram insatisfatórias. Dessa forma, na avaliação dos seus diretores, a instituição não apresentava as condições exigidas para o cumprimento da pena de prisão celular, conforme estipulado pelo primeiro estágio do modelo penitenciário progressivo ou irlandês, pois não possuía um raio com celas nas dimensões necessárias para a realização do trabalho no seu interior. Na tentativa de resolver esse impasse, os diretores da penitenciária sugeriram, entre outras medidas, a construção de um novo raio com celas que permitissem o isolamento do prisioneiro. No entanto, nenhuma modificação significativa foi adotada pelo ministério para tornar exequível o modelo progressivo ou irlandês na Casa de Correção.

Na última década do século XIX, ficaram detidos na Casa de Correção alguns dos participantes da Revolta da Armada (set. 1893-mar. 1894) que teve início no Rio de Janeiro. Os denominados ‘presos políticos’, especialmente aqueles que ocuparam a quinta galeria, passaram a editar o jornal manuscrito A Justiça, que, além de ser um porta-voz do grupo, retratava o cotidiano da instituição.

Nos primeiros anos do século XX, a Casa de Correção passou por uma série de crises decorrentes da eclosão de motins e rebeliões, assim como de denúncias encaminhadas ao ministério sobre possíveis improbidades administrativas. A pasta estabeleceu então uma comissão para averiguar os fatos ocorridos na penitenciária da capital federal durante 1903 e 1904. Mais tarde, a comissão responsável pela sindicância concluiu que naquele estabelecimento reinava uma confusão de tal ordem, que exigia uma medida urgente por parte do governo (Farinha, 1905, p. 3).

A Casa de Correção ganhou ainda certa notoriedade na imprensa devido às revoltas e motins que ali aconteceram. Em 1905, o Jornal do Brasil divulgou um desses eventos e, aproveitando a ocasião, não poupou críticas à administração do estabelecimento, que, na sua avaliação, não conseguia manter a ordem e a disciplina desejadas (Sant’Anna, 2009, p. 309). Em julho de 1915, por ocasião da mudança de diretoria da Casa de Correção, um grupo de sentenciados se amotinou, pretendendo a substituição de alguns funcionários da instituição. Como a direção não atendeu à exigência, os amotinados praticaram uma série de depredações nas celas, tendo sido devidamente punidos pela indisciplina (Brasil, 1915, p. 81).

Em 1910, a Casa de Correção ganhou um novo regulamento, aprovado pelo decreto n. 8.296, de 13 de outubro, que, no entanto, manteve a competência do anterior relativamente ao cumprimento da pena de prisão celular enquanto não fossem criados os estabelecimentos exigidos pelo sistema penitenciário indicado no Código de 1890. Conforme esse texto legal, o modelo auburniano continuava a ser aí observado temporariamente (Brasil, 1910).

No ano de 1917, o novo diretor da Casa de Correção encontrou uma instituição em condições administrativas tão precárias quanto as do período 1903-1904. Conforme sua avaliação, havia muitos pontos de contato entre aqueles dois momentos da trajetória da penitenciária da capital federal. Citando o relatório da referida comissão, o diretor chamava atenção para o fato de que até aquela data o modelo progressivo ou irlandês não havia sido implantado. A Casa de Correção se parecia mais com um ‘depósito de presos’ onde tudo era ‘primitivo e desordenado’ e não seguia nenhum modelo penitenciário (Brasil, 1918, p. 84). O diretor salientou ainda a convivência estrita que se estabelecia entre os policiais destacados para realizar a segurança da penitenciária e os próprios prisioneiros, o que causava inúmeros inconvenientes, dentre eles a ocorrência de um comércio ilícito realizado entre os presos da Casa de Correção e os da Detenção, com o aval dos agentes responsáveis pela vigilância (Brasil, 1918, p. 94). Quanto à organização do trabalho carcerário, ressaltou que a falta de matérias-primas e o reduzido tempo que os prisioneiros dedicavam à realização das tarefas nas oficinas levavam à ociosidade, com grave prejuízo para a disciplina do estabelecimento.

No início da década de 1920, o ministério instituiu, portanto, mais uma comissão de inquérito para apurar as condições de funcionamento da Casa de Correção. Em 1922, o decreto n. 4.577, de 5 de setembro, autorizou o governo a reformar o regulamento da Casa de Correção da capital federal.

Sobre a organização do trabalho carcerário nesse período, destaca-se o funcionamento das oficinas de vassouras, de reparação de carros e de calçados, cujos produtos se destinavam ao consumo do Depósito Naval do Rio de Janeiro, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. A exploração da mão de obra carcerária na produção de calçados ficou a cargo da firma Ernesto Shneider & Cia., que contribuía com a quantia de quinhentos réis por par de calçado e arcava com os custos de energia elétrica. Em 1925, segundo estimativas do então diretor, oitenta mil pares de calçados foram fabricados (Brasil, 1925, p. 94). Vários produtos confeccionados pelos prisioneiros da Casa de Correção concorreram na Exposição Internacional do Centenário da Independência, realizada na cidade do Rio de Janeiro em 7 de setembro de 1922, recebendo do júri a medalha de ouro (Brasil, 1924, p. 159).

 

Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Jan. 2018

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 142-200, 1876.

______. Decreto n. 678, de 6 de julho de 1850. Dá regulamento para Casa de Correção do Rio de Janeiro. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 31-62, 1851.

______. Decreto n. 8.386, de 14 de janeiro de 1882. Dá novo Regulamento para Casa de Correção da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 50-86, 1883.

Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 10, p. 2.664, 1890.

______. Decreto n. 3.647, de 23 de abril de 1900. Dá novo regulamento à Casa de Correção da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 498-527, 1900.

______. Decreto n. 8.296, de 13 de outubro de 1910. Aprova o novo regulamento para Casa de Correção da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, parte 2, p. 937-969, 1910.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores, dr. Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, em abril de 1916. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1916. Disponível em: https://bit.ly/3teCPXp. Acesso em: 15 jan. 2018.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores, dr. Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, em agosto de 1916. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918. Disponível em: https://bit.ly/3LyenXf. Acesso em: 22 jan. 2018.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores, dr. João Luís Alves, em junho 1924. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1924. Disponível em: https://bit.ly/3Gak4cB. Acesso em: 22 jan. 1922.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores, dr. Affonso Penna Júnior, em 1926. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928. Disponível em: https://bit.ly/3wC4FP5. Acesso em: 22 jan. 2018.

FARINHA, João Pires. Relatório da Diretoria da Casa de Correção, 1904. In: BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado pelo ministro de Estado da Justiça J. J. Seabra ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, março de 1905. v. 1, anexo D. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905. Disponível em: https://bit.ly/3yRuhJq. Acesso em: 5 dez. 1905.

MOTTA, Manoel Barros da. Crítica da razão punitiva: o nascimento da prisão no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

PAIXÃO, Antônio Luiz. Recuperar ou punir?: como o Estado trata o criminoso. 2. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1991.

SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. 2. ed. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006.

SANT’ANNA, Marilene Antunes. Trabalho e conflitos na Casa de Correção do Rio de Janeiro. In: MAIA, Clarissa Nunes et al. História das prisões no Brasil. v. 1. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 283-309.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_Q6 Floriano Peixoto

BR_RJANRIO_4O Ministério da Fazenda

BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores

BR_RJANRIO_0E Polícia da Corte

BR RJANRIO_9S Série Guerra - Hospitais, Corpo de Saúde (IG6)

BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)

BR_RJANRIO_NE Série Justiça - Casa de Correção - (IIIJ7)

BR_RJANRIO_AG Série Justiça - Chancelaria, Comutação de Penas e Graças (IJ3)

BR_RJANRIO_A0 Série Justiça - Prisões - Casas de Correção (IJ7)

 

Referência da Imagem

Recordação das festas nacionais. Álbum comemorativo do 5º aniversário da República. Foto Juan Gutierrez. Rio de Janeiro, 1894. Arquivo Nacional, Fundo Floriano Peixoto, BR_RJANRIO_Q6_GLE_FOT_1_40

 

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período da Primeira República. Para informações entre 1822-1889, consulte Casa de Correção do Rio de Janeiro