Praia de Botafogo, s.a. [década de 1900]
Praia de Botafogo, s.a. [década de 1900]

 As origens da Repartição Fiscal do Governo junto a “The Rio de Janeiro City Improvements Company” remontam ao contrato estabelecido entre o governo imperial e os empresários João Frederico Russell e Joaquim Pereira Viana de Lima Júnior, autorizado pela lei n. 719, de 28 de setembro de 1853, e aprovado pelo decreto n. 1.929, de 29 de abril de 1857. De acordo com esse documento, os empresários deteriam o privilégio exclusivo, durante noventa anos, do serviço de limpeza das casas e do esgoto das águas pluviais da cidade do Rio de Janeiro, mediante o recebimento de taxas, isenção fiscal para a importação de materiais destinados às obras e outros benefícios. O mesmo ato previu a possibilidade de fiscalização dos trabalhos por engenheiros designados pelo governo imperial (Brasil, 1857, p. 159-161).

 A cidade do Rio de Janeiro foi uma das primeiras do mundo a receber um sistema de esgotamento (Silva, 1988, p. 26; Benchimol, 1987, p. 73). Antes disso, os dejetos sanitários domésticos eram levados em barris para despejo em valas ou praias, o que agravava a condição sanitária da capital do Império, que sofria com a precariedade do abastecimento de água e outros problemas ligados à limpeza urbana.

 Após o primeiro surto de febre amarela, em 1849, a salubridade passou a figurar com maior destaque no debate médico-científico, impulsionando as intervenções do Estado relativas aos despejos sanitários, às condições das habitações, ao abastecimento de água, entre outros assuntos (Junta..., 2014; Marques, 1995, p. 57; Dias; Rosso, 2012, p. 45). Em 1850, o decreto n. 598, de 14 de setembro, abriu crédito extraordinário para melhorar o estado sanitário da capital e de outros municípios do Império, instituiu uma comissão para preparar a planta e o orçamento das obras e serviços necessários e a Junta de Higiene Pública, que tinha como competência propor medidas e exercer a polícia médica nas visitas às embarcações, às boticas, aos mercados e a outros estabelecimentos e casas (Junta..., 2014).

 No bojo dessas ações, foi determinada a abertura de uma concorrência para a construção de um sistema de esgotamento sanitário e pluvial. Assim como ocorreu com outros serviços, como gás e transportes, a construção de um sistema de esgotos ficou a cargo da iniciativa privada, cabendo ao governo a fiscalização dos seus trabalhos. A proposta vencedora abrangia a construção de uma rede de esgotos na área central da cidade e o transporte dos materiais coletados para uma estação de tratamento, utilizando o mesmo sistema adotado na cidade de Leicester, Inglaterra. Esse sistema, denominado “misto” ou “parcial inglês”, era composto por duas redes, uma formada pelo esgoto sanitário e parcela das águas de chuvas provenientes dos telhados e/ou áreas internas dos edifícios, e a outra pelas águas pluviais (Marques, 1995, p. 58; Silva, 1988, p. 26).

 As obras não foram realizadas de imediato. Os decretos n. 2.190, de 12 de junho de 1858, n. 2.495, de 30 de setembro de 1859 e n. 2.835, de 12 de outubro de 1861, prorrogaram o prazo de início dos trabalhos, que começaram apenas em 1862. Nesse ano, o decreto n. 3.004, de 21 de novembro, estabeleceu as condições para a execução de itens presentes no contrato de 1857, celebrado com João Frederico Russell e Joaquim Pereira Viana de Lima Júnior, do qual era então concessionária a Companhia Rio de Janeiro City Improvements, formada pelo engenheiro Eduardo Gotto em Londres (Silva, 1988, p. 31).

 Inicialmente, as obras foram executadas em três regiões da cidade, conforme estipulado pelo contrato: os distritos da Glória, da Gamboa e o de São Bento ou Arsenal. Em 1864, a Estação Elevatória e de Tratamento do Distrito da Glória foi inaugurada, contemplando 1.200 das 14.600 casas existentes (Silva, 1988, p. 39). O engenheiro fiscal do governo, requisitado pelo ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 1862, foi designado nesse ano, conforme indica o relatório ministerial (Brasil, 1865, p. 78).

 Em 1870, o decreto n. 4.487, de 12 de março, aprovou o regulamento para o serviço da Companhia Rio de Janeiro City Improvements, definindo as atribuições do engenheiro responsável pela fiscalização das obras e serviços realizados pela empresa. Competia a ele auxiliar os funcionários da empresa a entrar em prédios e áreas particulares onde seriam construídos os canos de despejo, condutores, valas de esgoto; decidir sobre alterações em planos sem prejuízo dos trabalhos; receber o mapa dos prédios com canos de esgoto em funcionamento; examinar se as obras executadas estavam de acordo com as condições prescritas no contrato e aprovadas no plano geral, dentre outras funções. O mesmo decreto determinou que os agentes da municipalidade e da polícia seriam auxiliares do engenheiro na fiscalização do serviço da companhia, sem prejuízo de seus deveres (Brasil, 1870, p. 132-139).

 Em 1875 o decreto n. 6.069, de 18 de dezembro, aprovou um novo contrato do governo com a Companhia Rio de Janeiro City Improvements para o serviço dos esgotos nos distritos de Botafogo e de São Cristóvão, que entraram em funcionamento em 1878 (Silva, 1987, p. 43).

 Os trabalhos empreendidos pela Companhia Rio de Janeiro City Improvements logo apresentaram problemas, provocando muitas reclamações e conflitos com as autoridades governamentais. Além das dificuldades geradas por conta do problema de abastecimento de água a cargo da Inspeção-Geral das Obras do Município da Corte, o sistema de esgotos pluviais adotado não correspondeu à expectativa governamental (Brasil, 1874, p. 37-38). Assim, esse sistema foi objeto de estudos de uma comissão formada no âmbito da Inspeção-Geral de Obras Públicas, que elaborou um anteprojeto, do qual derivou um contrato estabelecido entre o governo e o engenheiro inglês Joseph Hancox, assinado em 1877 (Silva, 1988, p. 177-184).

 Após a Proclamação da República, novos contratos foram firmados entre o governo e a Companhia Rio de Janeiro City Improvements. Os decretos n. 783 e 784 de 1890 sancionaram os contratos para serviços em mais dois novos distritos, do Jardim Botânico e do Andaraí Pequeno, respectivamente.

 O decreto n. 73, de 21 de março de 1891, aprovou o primeiro regulamento da então denominada Repartição Fiscal do Governo junto à Companhia Rio de Janeiro City Improvements. Segundo esse ato, cabia à repartição velar pela observância das prescrições dos contratos da companhia relacionadas à construção das obras novas, conservação e custeio das existentes, regularidade no serviço de esgotos domiciliários, melhoramentos e canalização geral etc. e examinar as contas relativas ao pagamento de taxas de esgotos devidas pelo governo ou pelos particulares, e das obras extraordinárias feitas pela companhia, por conta do governo ou de particulares. O decreto n. 73 também determinou que o pessoal da repartição seria composto por um engenheiro fiscal, um engenheiro ajudante, três auxiliares, um amanuense e um servente (Brasil, 1892, p. 167-172).

 Em 1899, o decreto n. 3.540, de 29 de dezembro, autorizou a revisão do contrato celebrado com a The Rio de Janeiro City Improvements Company, limited, que obrigava a empresa a concluir as obras dos distritos estabelecidos em 1890 e rever a canalização dos distritos mais antigos, entre outros trabalhos. A partir desse contrato ocorreu uma mudança no sistema utilizado, que passou do separador “parcial inglês” ou “misto” para o de “separador absoluto”, constituído por um sistema destinado a coletar o esgoto sanitário e outro, as águas pluviais (Dias; Rosso, 2012, p. 55).

Apesar da ampliação gradativa da rede, os trabalhos realizados pela City continuaram a sofrer muitas críticas, especialmente o problema da descarga de esgotos, o atraso das obras e as divergências entre governo e empresa no que concernia à aplicação das taxas relativas aos prédios contendo as chamadas economias distintas ou economias separadas (Brasil, 1911, p. 452; Brasil, 1920, p. 307).

Em 1910, o decreto n. 7.924, de 31 de março, incorporou a Repartição Fiscal à Inspeção-Geral das Obras Públicas, que passou a se denominar Repartição de Águas, Esgotos e Obras Públicas. No ano seguinte, o decreto n. 9.087, de 6 de novembro, restabeleceu a Repartição Fiscal do Governo junto a The Rio de Janeiro City Improvements Company, Limited e acrescentou como competência ao órgão a fiscalização da construção e a conservação das galerias de águas pluviais da União, no Distrito Federal, quando o governo transferisse tais serviços à mesma companhia. O ato também aumentou a estrutura da repartição, que ficou formada por um engenheiro fiscal, quatro engenheiros ajudantes de 1ª classe, dois engenheiros ajudantes de 2ª classe, três auxiliares técnicos, quatro amanuenses, um contínuo e um servente.

 Em 1915, o decreto n. 11.565, de 28 de abril, alterou a sua denominação para Inspetoria de Esgotos da Capital Federal e promoveu mudanças na estrutura, que passou a ser composta pelo inspetor, dois engenheiros ajudantes de 1ª classe, dois engenheiros ajudantes de 2ª classe, um oficial, dois escriturários, um contínuo e um servente.

 O decreto n. 12.864, de 30 de janeiro de 1918, deu novo regulamento à inspetoria, ampliando e especificando suas competências, compreendidas no estudo de todos os assuntos relativos a esgotos na capital federal; observação e organização de projetos para a remodelação, extensão ou melhoramentos da rede de esgotos; zelo pelo cumprimento das cláusulas contratuais; fiscalização da construção e conservação das galerias de águas pluviais da União, desde que o governo transferisse esses serviços à City; verificação das plantas cadastrais dos prédios esgotados e dos lançamentos para o imposto predial, das contas referentes ao pagamento das taxas de esgoto devidas à Companhia City Improvements pela União, pelo Distrito Federal ou por associações isentas de imposto predial; conferência das contas das obras extraordinárias e de serviços de desobstrução executados pela Companhia City Improvements por conta da União, do Distrito Federal ou de particulares; o lançamento da taxa de saneamento para o Distrito Federal. Esse decreto ainda estabeleceu uma nova estrutura, formada pelo inspetor, quatro engenheiros ajudantes de 1ª classe, dois engenheiros ajudantes de 2ª classe, um oficial, quatro primeiros escriturários, dois segundos escriturários, três lançadores de 1ª classe, quatro lançadores de 2ª classe, um contínuo e dois serventes.

No ano seguinte, o decreto n. 13.541, de 9 de abril de 1919, deu o último regulamento do órgão, ampliando a sua organização, que passou a ser composta pelo inspetor ao qual estavam subordinadas a Secretaria, a Seção Técnica e a Fiscalização dos Serviços de Construção e Conservação da Rede de Esgoto (Brasil, 1919).

Em 1920, o decreto n. 14.376, de 24 de setembro, transferiu os serviços a cargo da Inspetoria de Esgotos para o Departamento Nacional de Saúde Pública, criado em janeiro desse ano no âmbito do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

 

Angélica Ricci Camargo
Jun. 2018

 

Fontes e bibliografia

ABREU, Mauricio de. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO; Jorge Zahar Editor, 1987.

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical: a renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes/Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural/Divisão de Editoração, 1992. (Biblioteca Carioca, v. 11).

BRASIL. Decreto n. 1.929, de 29 de abril de 1857. Aprova o contrato para o serviço da limpeza das casas da Cidade do Rio de Janeiro, e do esgoto das águas pluviais, em virtude do que dispõe o § 3.º do Art. 11 do decreto n. 719 de 28 de setembro de 1853. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 159-161, 1857.

______. Decreto n. 4.487, de 12 de março de 1870. Aprova o regulamento para o serviço da Companhia Rio de Janeiro City Improvements. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 132-139, 1870.

______. Decreto n. 73, de 21 de março de 1891. Dá Regulamento à Repartição Fiscal do Governo junto à Companhia Rio de Janeiro City Improvements. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 167-172, 1892.

______. Decreto n. 7.924, de 31 de março de 1910. Aprova o novo Regulamento que reforma a Inspeção Geral das Obras Públicas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 364-381, 1915.

______. Decreto n. 9.087, de 6 de novembro de 1911. Restabelece a Repartição Fiscal do Governo junto a The Rio de Janeiro City Improvements Company, Limited. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 691, 1915.

______. Decreto n. 11.565, de 28 de abril de 1915. Aprova o Regulamento para a Inspetoria de Esgotos da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 46-73, 1917.

______. Decreto n. 12.864, de 30 de janeiro de 1918. Aprova o regulamento para a Inspetoria de Esgotos da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 66, 1919.

______. Decreto n. 13.541, de 9 de abril de 1919. Aprova o Regulamento para a Inspetoria de Esgotos da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 399-400, 1920.

______. Decreto n. 14.376, de 24 de setembro de 1920. Transfere para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores os serviços a cargo da Inspetoria de Esgotos da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, tomo I, p. 512-513, 1921.

______. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1865. Disponível em: https://goo.gl/VHWHSK. Acesso em: 25 jun. 2018. 

______. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira sessão da décima quarta legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Theodoro Machado Freire Pereira da Silva. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de E. & H. Laemmert, 1874. Disponível em: https://goo.gl/CAzJdn. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas dr. J. J. Seabra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1911. Disponível em: https://goo.gl/tsiZza. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas dr. José Pires do Rio no ano de 1918. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1920. Disponível em: https://goo.gl/9U5JYM. Acesso em: 25 jun. 2018.

DIAS, Alexandre Pessoa; ROSSO, Thereza Cristina de Almeida. Os sistemas de saneamento na cidade do Rio de Janeiro, parte I. Rio de Janeiro: COAMB; FEN; UERJ, 2012 (Série Temática: Recursos Hídricos e Saneamento – Volume 2).

JUNTA de Higiene Pública. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), 2014. Disponível em: https://goo.gl/CtPwBh. Acesso em: 25 jun. 2018.

MARQUES, Eduardo César. Da higiene à construção da cidade: o Estado e o Saneamento no Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, II (2): 51-67, jul-out 1995.

SILVA, José Ribeiro da. Os esgotos da cidade do Rio de Janeiro, 1857-1947. Rio de Janeiro: CEDAE, 1988.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional          

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_8M Série Agricultura - Administração (IA2)          

BR_RJANRIO_AD  Série Interior - Saneamento Básico: Esgoto e Chafarizes (IJJ15)

 

Referência da imagem

Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_444_32