Iluminação do cais Pharoux, Praça XV de Novembro, Rio de Janeiro, 1908.
Iluminação do cais Pharoux, Praça XV de Novembro, Rio de Janeiro, 1908.

O cargo de inspetor da Iluminação Pública foi instituído pelo decreto n. 2.809, de 20 de julho de 1861. Tinha como atribuição examinar as condições relativas à instalação da iluminação a gás na cidade do Rio de Janeiro, presentes no contrato assinado, em 1851, entre o governo imperial e o empresário Irineu Evangelista de Sousa, responsável pela Companhia de Iluminação a Gás. Subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o inspetor tinha a atuação limitada às questões do contrato, que teria vigência de 25 anos, e aos assuntos que envolviam conhecimentos científicos, ficando o restante da tarefa de fiscalização com o chefe de polícia da Corte (Inspetor..., 2015).

Tal como outras obras e trabalhos relacionados à infraestrutura urbana, a iluminação da capital da Corte foi concedida à iniciativa privada por meio de contratos fiscalizados pelo governo. Em 1864, a Companhia de Iluminação a Gás foi vendida a um consórcio inglês, o Rio de Janeiro Company Limited, que assumiu os encargos contratuais até 1886, quando um novo acordo foi celebrado entre o governo e Henrique Brianthe, do grupo belga Société Anonyme du Gaz do Rio de Janeiro.

A expansão dos serviços de iluminação pública observada na segunda metade do século XIX foi acompanhada de novos experimentos, como o uso do gás Globe e a introdução de aparelhos destinados à utilização da luz elétrica. O primeiro foi concedido como privilégio ao tenente-coronel José da Silva em 1874, pelo prazo de oito anos, e o segundo, a Thomas Edison, em 1879, por vinte anos. Em decorrência desse crescimento e diversificação, houve a estruturação da Inspetoria-Geral de Iluminação Pública da Corte e o incremento das suas funções na década de 1880 (Inspetor..., 2015).

O decreto n. 967, de 8 de novembro de 1890, deu o primeiro regulamento da então denominada Inspetoria-Geral da Iluminação da Capital Federal após a Proclamação da República, ampliando suas atribuições, que compreenderam: a fiscalização do serviço da iluminação a gás a cargo da Société Anonyme du Gaz do Rio de Janeiro e de qualquer outro serviço adotado pelo governo; a intermediação entre o governo e os contratantes, zelando pelos interesses do Estado; a organização de documentos, orçamentos e outros dados referentes à iluminação; o registro, expedição e arquivo de toda a correspondência oficial; a realização de experiências sobre intensidade da luz e pureza do gás; a verificação das pressões e consumo dos lampiões da iluminação pública; a aferição dos medidores, incluindo os de domicílios e casas particulares; o acompanhamento do trabalho da fabricação de gás; o exame da escrituração da empresa contratante; a prestação de informações solicitadas pelo público; o recebimento das reclamações dos particulares; a regulação do exame de habilitação dos indivíduos interessados nos trabalhos de iluminação. O mesmo ato conferiu uma nova estrutura ao órgão, formada pelo inspetor, um ajudante, dois condutores, um secretário, um amanuense, sete fiscais, dois auxiliares, um contínuo e um servente (Brasil, 1891, p. 3442).

A lei n. 26, de 30 de dezembro 1891, previu a municipalização do serviço de iluminação do Rio de Janeiro, confirmada no ano seguinte pela lei n. 85, que organizou a administração do Distrito Federal. Contudo, a transferência não ocorreu por vários motivos, dentre eles, a recusa da Société Anonyme du Gaz do Rio de Janeiro em “aceitar a sub-rogação da municipalidade nas obrigações que cabiam à União” (Centro..., 1990, p. 185), e o assunto permaneceu no âmbito federal, como dispôs o decreto n. 542, de 22 de dezembro de 1898.

O governo federal continuou, portanto, como poder concedente e de fiscalização da iluminação do Rio de Janeiro, salvo em relação às atividades ligadas ao fornecimento de eletricidade, compartilhadas pela esfera municipal, configurando uma “dualidade administrativa”, que gerou alguns conflitos de jurisdição ao longo do período (Centro..., 1990, p. 185).

Em 1899, o decreto n. 3.329, de 1º de julho, renovou o contrato com a Société Anonyme du Gaz, que passou a gozar do privilégio da iluminação por energia elétrica. Tal privilégio, entretanto, não impedia que estabelecimentos de qualquer natureza empregassem meios ou processos de iluminação que dispensassem a colocação de canalizações nas ruas e praças públicas, nem a utilização de luz elétrica produzida por motores a gás ou outros de uso individual, e também não inviabilizava a aplicação de qualquer processo de iluminação na parte da cidade ainda não contemplada pela contratante. Ainda de acordo com o decreto n. 3.329, o prazo da concessão terminaria em 1915 para a iluminação particular, e em 1945, para a pública (Brasil, 1899, p. 789; Hansen, 2012, p. 155).

Nesse momento, a Société enfrentava uma série de dificuldades financeiras, agravadas pela crise econômica atravessada pelo país, o que a levou a apresentar uma proposta de concordata preventiva aos seus credores em 1901 (Dunlop, 1949, p. 123). Após isso, a empresa belga passaria para o controle do grupo canadense Light, que já atuava em São Paulo. Em 1904 foi formada a empresa The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company Limited, autorizada a funcionar no Brasil pelo decreto n. 5.539, de 30 de maio de 1905 (Dunlop, 1949, p. 132). Em 1909, o decreto n. 7.668, aprovou a revisão do contrato celebrado com a Société Anonyme du Gaz em 1899, possibilitando à contratante o arrendamento ou transferência da concessão à The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company Limited, ou outra empresa julgada idônea pelo governo (Brasil, 1909, p. 8696).

Além dos serviços de iluminação a gás e energia elétrica, a The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company Limited atuou no setor de transportes e telefonia, desempenhando um papel de destaque no conjunto das transformações urbanas sofridas pela capital federal, o mesmo podendo ser estendido a outras partes do país alcançadas pela empresa. Apesar de empreender uma forte estratégia monopolista, a Light enfrentou a concorrência de outras empresas, como a Companhia Brasileira de Energia Elétrica (CBEE) formada em 1909, reflexo da referida “dualidade administrativa” que caracterizava o Distrito Federal nos assuntos concernentes à eletricidade (Seabra, 2013, p. 13; Saes, 2008; Hansen, 2012).

Essas mudanças tiveram impacto nas tarefas a cargo da Inspetoria de Iluminação Pública, que permaneceu na mesma pasta ministerial, denominada de Indústria, Viação e Obras Públicas a partir de 1891, e Viação e Obras Públicas, de 1906 em diante. Os decretos n. 7.871, de 23 de fevereiro de 1910, e n. 9.032-A, de 17 de novembro de 1911, promoveram alterações visando ampliar a ação fiscal da repartição, principalmente na parte relativa à iluminação elétrica (Brasil, 1912, p. 397). O último ato determinou a criação de cargos especializados, como o de engenheiro eletricista, distinguiu os profissionais para o trabalho com gás daqueles voltados para eletricidade e dividiu as atividades em conformidade à área de atuação, pública ou particular, e às etapas do processo: aparelhadores, aferidores, fiscais, entre outros.

O privilégio da iluminação particular concedido à The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company Limited, cuja vigência terminaria em 1915, foi mantido até 1945, quando o contrato de iluminação com o governo federal chegaria ao fim (Brasil, 1917c, p. 241). Em 1915 e 1916, os decretos n. 11.457, de 20 de janeiro, e n. 10.020, de 5 de abril, remodelaram a inspetoria, suprimindo os cargos de subinspetor e contador, com a finalidade de reduzir suas despesas.

O último regulamento do órgão no período foi dado pelo decreto n. 17.561, de 12 de novembro de 1926, que recriou o cargo de subinspetor e subordinou ao inspetor-geral as seções de Eletricidade e de Gás e a secretaria. O mesmo ato definiu como suas competências: a fiscalização da execução dos contratos de iluminação pública e particular da capital federal; o exame da produção de gás e de energia elétrica; a inspeção das instalações das casas de diversões e autorização de seu funcionamento; o estudo das questões relacionadas à técnica e à indústria de iluminação, fabrico de gás, e a produção e distribuição de energia elétrica; a coleta e organização de dados estatísticos relacionados às instalações elétricas do país; a realização de ensaios e experiências necessários à apreciação da qualidade do material elétrico e de gás usados nas instalações públicas e particulares (Brasil, 1927, p. 798-803).

Angélica Ricci Camargo
Jul. 2018.

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 967, de 8 de novembro de 1890. Dá novo Regulamento à Inspetoria Geral da Iluminação da Capital Federal. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 11, p. 3442, 1891.

______. Decreto n. 3.329, de 1º de julho de 1899. Inova o contrato celebrado com a Sociedade Anônima do Gás do Rio de Janeiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 789, 1899.

______. Decreto n. 7.668, de 18 de novembro de 1909. Autoriza a revisão do contrato aprovado pelo decreto n. 3.329, de 1º de julho de 1899, para a iluminação da cidade do Rio de Janeiro. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 24 nov. 1909. Seção 1, p. 8696.

______. Decreto n. 7.871, de 23 de fevereiro de 1910. Aprova o regulamento para a Inspetoria de Iluminação. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 184-199, 1913.

______. Decreto n. 9.032-A, de 17 de novembro de 1911. Dá regulamento à Inspetoria-Geral de Iluminação. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, v. 3, p. 179-197. 1915.

______. Decreto n. 11.457, de 20 de janeiro de 1915. Aprova o Regulamento para a Inspetoria-Geral de Iluminação. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 126-141, 1917a.

______. Decreto n. 12.020, de 5 de abril de 1916. Dá novo Regulamento à Inspetoria-Geral de Iluminação. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 721-731, 1917b.

______. Decreto n. 17.561, de 12 de novembro de 1926. Aprova o novo Regulamento da Inspetoria-Geral de Iluminação. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 798-803, 1927.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas dr. José Barboza Gonçalves. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912. Disponível em: <https://goo.gl/6xV3cX>. Acesso em: 24 jul. 2018.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas dr. Augusto Tavares de Lyra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917c. Disponível em: <https://goo.gl/iADAw4>. Acesso em: 24 jul. 2018.

CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Debates parlamentares sobre energia elétrica na Primeira República: o processo legislativo. Rio de Janeiro: CMEB, 1990.

DUNLOP, Charles Julius. Apontamentos para a história da iluminação da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Cia. de Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro, 1949.

HANSEN, Cláudia Regina Salgado de Oliveira. Eletricidade do Brasil da Primeira República: A CBEE e os Guinle no Distrito Federal (1904-1923). 2012. Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia – Universidade Federal Fluminense. Niterói-RJ. Disponível em: https://goo.gl/ekAAar. Acesso em: 11 jul. 2018.

INSPETOR/INSPETORIA da Iluminação Pública. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), 2015. Disponível em: https://goo.gl/PTwVRQ. Acesso em: 23 jul. 2018.

MEMÓRIA da Eletricidade. Disponível em: <https://goo.gl/33Ynmp>. Acesso em: 10 jul. 2018.

MENDONÇA, Leila Lobo de (coord.). Reflexos da cidade: a iluminação pública no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2004.

SAES. Alexandre Macchione. Conflitos do capital: Light versus CBEE na formação do capitalismo brasileiro (1898-1927). 2008. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia – Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP. Disponível em: https://goo.gl/joRc6n. Acesso em: 23 jul. 2018.

SEABRA, Odette Carvalho de Lima. Energia elétrica e modernização social: as implicações do sistema hidrelétrico e do sistema técnico de drenagem superficial na Bacia do Alto Tietê em São Paulo. In: CAPEL, Horacio; CASALS, Vicente (orgs.). Capitalismo e história da eletrificação, 1890-1930: capital, técnica organização do negócio elétrico no Brasil e Portugal. Barcelona: Ediciones Del Cerbal S.A., 2013.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial           

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano     

BR_RJANRI_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices  

BR_RJANRIO_AI Série Justiça - Gabinete do Ministro (IJ1)

BR_RJANRIO_DH Série Viação - Iluminação e Gás (IV8)

 

Referência da imagem

DUNLOP, Charles Julius. Apontamentos para a história da iluminação da cidade do Rio de Janeiro. Cia. De Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1949. Arquivo Nacional, ACG 10580

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período da Primeira República. Para informações entre 1822-1889, consulte Inspetor/Inspetoria da Iluminação Pública.