A Caixa de Conversão foi criada pelo decreto n. 1.575, de 6 de dezembro de 1906, sob a imediata superintendência do ministro da Fazenda, a fim de receber moedas de ouro de curso legal, bem como marcos, francos, liras, dólares, além da libra esterlina, “entregando em troca bilhetes ao portador, representativos de valor igual ao das moedas de ouro recebidas”, fixado este valor em 15 pence de libra esterlina por mil réis (Brasil, 1906, p. 94).
Todo o ouro recebido permanecia depositado, devendo ser destinado, exclusivamente, à emissão de bilhetes conversíveis, garantidos pelo lastro das referidas moedas de ouro, notadamente a libra e o dólar. Essa operação era assegurada pelo Tesouro Nacional, mas ficava sob a responsabilidade pessoal dos membros da Caixa de Conversão, que, em caso de qualquer desvio dessa finalidade, estariam sujeitos às penalidades definidas pelo artigo 221 do Código Penal.
O convênio realizado na cidade paulista de Taubaté, no ano de 1906, reuniu os presidentes dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro que propuseram um acordo contendo medidas para valorização do café. Esse acordo previa a compra financiada dos excedentes do produto pelo governo federal e a retenção de seus estoques, com objetivo de sustentar os preços, que vinham caindo, desde a década de 1890, devido ao crescimento da produção do setor cafeeiro. Entre as medidas apresentadas constava a criação de uma caixa de conversão destinada a estabilizar a taxa de câmbio, impedindo, assim, sua apreciação, o que gerava efeitos adversos sobre a renda dos cafeicultores.
O plano de valorização do café aprovado pelo Congresso Nacional, e transformado no decreto n. 1.489, de 6 e agosto de 1906, diferiu, significativamente, dos termos acordados em fevereiro daquele ano pelo Convênio de Taubaté. Este último previra uma cooperação entre as esferas estadual e federal no que diz respeito à compra financiada dos estoques excedentes do café. No entanto, o plano que efetivamente foi posto em prática no ano seguinte teve à frente o estado de São Paulo, com o suporte financeiro dos negociantes estrangeiros de café e das instituições bancárias de natureza privada, ligada aos países consumidores. No quadriênio do presidente Afonso Pena (1906-1909), a política de valorização do café foi, finalmente, reconhecida como uma política pública em nível nacional. Em 1907, São Paulo obteve um empréstimo que possibilitou a aquisição e o estoque de oito milhões de sacas excedentes de café, o que correspondia a uma safra anual significativa (Franco; Lago, 2012, p. 195 e 197; Holloway apud Torelli, 2006/2007, p. 7-8).
Na Câmara dos Deputados, Davi Campista, membro da Comissão de Finanças e representante da bancada mineira, foi o relator do projeto da Caixa de Conversão. Tendo o apoio da bancada paulista, Campista rebateu as críticas dos opositores ao projeto, alegando que as bruscas flutuações do câmbio prejudicavam o desempenho da economia brasileira como um todo. A questão central para ele era alcançar a estabilidade cambial que desde a instalação do regime republicano havia se tornado uma preocupação constante das políticas monetárias então implantadas (Torelli, 2006/2007, p. 9; Oliveira; Silva, 2001, p. 83).
Assim, a partir da instalação da Caixa de Conversão em 1906, o país retornou ao sistema monetário do padrão-ouro, adotando a estabilidade do câmbio. Com vistas a interromper a apreciação cambial, a paridade – a quantidade de ouro ou metal precioso existente nas cédulas ou moedas de um país – foi fixada em 15 pence de libra esterlina por mil-réis. Campista havia sido favorável a esse número, pois atendia aos interesses do setor cafeeiro, resultando numa boa remuneração à produção agrícola, e também beneficiaria a incipiente indústria brasileira, permitindo, assim, a importação de máquinas e equipamentos indispensáveis à produção. Além disso, tal paridade garantiria ao comércio uma situação bastante vantajosa, pois se encontrava num nível mais baixo do que a taxa de câmbio da época, de 16 pence de libra esterlina por mil-réis (Torelli, 2006/2007, p. 9 e 12).
Em 1910, ocorreu a primeira interrupção das emissões dos bilhetes conversíveis da caixa, pois o limite fixado, inicialmente, em 320 mil contos de réis fora atingido. A partir de então, o câmbio entrou numa uma rota de apreciação que foi sanada quando o governo federal triplicou o valor do limite inicial estipulado pelo decreto n. 1.575/1906 (Franco; Lago, 2012, p. 196-7).
Assim, de 1906 a 1914, quando o Brasil aderiu ao padrão-ouro pela terceira vez, ocorreu de fato, conforme a historiografia, um crescimento econômico significativo. Havia grande quantidade de divisas (moeda estrangeira) provenientes da política de valorização do café e da Caixa de Conversão, permitindo o investimento de recursos em infraestrutura e a diversificação das atividades no país. Cabe ressaltar ainda que, nesse período, ocorreu um aumento das exportações do café, o que não prejudicou seu preço no mercado internacional. No entanto, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, as economias latino-americanas foram seriamente atingidas, pois a crise financeira em nível global interrompeu o fluxo de capitais para as economias denominadas “periféricas”. A guerra determinou também o fim da conversibilidade de forma generalizada, levando à extinção do padrão libra-ouro. No Brasil, o setor cafeeiro foi profundamente afetado com a interrupção do comércio com o mercado europeu, cujo consumo chegava a quatro milhões de sacas de café por ano. Em 1914, o Brasil abandonou o padrão-ouro e a Caixa de Conversão encerrou suas atividades (Franco; Lago, 2012, p. 197 e 206-7). E, em 1920, pelo decreto n. 14.066, de 19 de fevereiro, a Caixa de Conversão foi incorporada à de Amortização.
Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Jul. 2019
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 1.489, de 6 de agosto de 1906. Aprova o convênio realizado pelos presidentes dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais em 26 de fevereiro, com as modificações constantes do acordo firmado pelos mesmos presidentes em 4 de julho do corrente ano. Disponível em: https://bit.ly/2Zzb1wm. Acesso em: 17 jul. 2019.
______. Decreto n. 1.575, de 6 de dezembro de 1906. Cria a caixa de conversão. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 94-96, 1906a.
______. Decreto n. 6.267, de 13 de dezembro de 1906. Dá novo regulamento para execução da lei n. 1575, de 6 de novembro de 1906, criando a caixa de conversão. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1.077-1.087, 1906b.
______. Decreto n. 1.701, de 29 de agosto de 1907. Suprime os lugares de presidente e vice-presidente da caixa de conversão, cria o de diretor. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 76, 1907.
______. Decreto n. 2.357, de 31 de dezembro de 1910. Resgata os fundos de garantia e de resgate do papel-moeda, eleva a 16 dinheiros esterlinos a taxa para a emissão de notas da Caixa de Conversão e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/2YffH8M. Acesso em: 17 jul. 2019.
______. Decreto n. 8.512, de 11 de janeiro de 1911. Determina que a contar de 23 do corrente mês, tenha execução nas operações da Caixa o decreto n. 2.357, de 31 de dezembro de 1910, que fixou a taxa de 16 d. por 1$ para o cálculo dos valores depositados e emitidos, e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/32NglxP. Acesso em: 17 jul. 2019.
______. Decreto n. 14.066, de 19 de fevereiro de 1920. Incorpora a Caixa de Conversão à de Amortização. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 588, 1921.
FRANCO, Gustavo H. B.; LAGO, Luiz Aranha Corrêa do. O processo econômico. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). História do Brasil nação: 1808-2010. v. 3: A abertura para o mundo (1889-1930). Madrid; Rio de Janeiro: Mafre; Objetiva, 2012. p. 173-237.
GONÇALVES, Cleber Baptista. Casa da Moeda do Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Moeda do Brasil, 1989.
OLIVEIRA, M. Teresa Ribeiro de; SILVA, Maria Luiza Falcão. O Brasil no padrão-ouro: a Caixa de Conversão de 1906-1914. História Econômica & História de Empresas, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 83-114, 2001.
TORELLI, Leandro Salman. Os interesses da elite paulista na criação da Caixa de Conversão: os debates parlamentares (1898-1914). Leituras de Economia Política, Campinas, v. 9, n. 1 (12), p. 1-23, jan. 2006/dez. 2007.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Cleber Baptista Gonçalves. Casa da Moeda do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Casa da Moeda do Brasil, 1989. Arquivo Nacional, ACG 478