João Batista de Lacerda, médico e cientista brasileiro, foi diretor do Museu Nacional (1895-1915) e representante do Brasil no Congresso Universal das Raças em Londres (1911)
João Batista de Lacerda, médico e cientista brasileiro, foi diretor do Museu Nacional (1895-1915) e representante do Brasil no Congresso Universal das Raças em Londres (1911)

O Laboratório de Fisiologia Experimental foi criado por portaria de 14 de dezembro de 1880, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, e integrava a 1ª Seção do Museu Nacional, dedicada a estudos de antropologia, zoologia geral e aplicada, anatomia comparada e paleontologia animal.

Criado pelo decreto de 6 de junho de 1818, o Museu Real tinha por atribuição propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Brasil, tendo reunido, ao longo do século XIX, um rico acervo com coleções de peças zoológicas, botânicas e mineralógicas, bem como utensílios de diversos povos, especialmente indígenas (Museu..., 2014). O museu se constituiu como um importante espaço de divulgação da atividade científica e de pesquisa e ensino das ciências aplicadas. Tais atribuições estavam expressas em seu regulamento de 1876, aprovado pelo decreto n. 6.116, de 9 de fevereiro, em que se reafirmava o papel do agora Museu Imperial no processo de institucionalização das ciências naturais no Brasil do século XIX. A ciência representou uma dimensão importante do processo de construção da nação independente, ao fornecer instrumental para investigações que permitissem conhecer e explorar o país, assegurando seu lugar ao lado das ‘nações civilizadas’.

A criação do Laboratório de Fisiologia Experimental no Museu Imperial esteve inserida nesse contexto de valorização da ciência experimental que, em conexão com imperativos econômicos e políticos, encarnava o ideário de progresso e civilização da elite brasileira. A instituição de um novo campo de saber, a fisiologia experimental, ganhou relevância a partir de 1870, ao incorporar o laboratório e os princípios epistemológicos que definiam o ideal de cientificidade no período. As pesquisas da fisiologia no Brasil acompanharam essas transformações que vinham ocorrendo, associadas aos novos códigos de legitimação da ciência e aos valores e conceitos advindos das práticas científicas, notadamente da valorização do laboratório como o espaço por excelência das agendas de pesquisa (Gomes, 2013, p. 59-65).

O Laboratório de Fisiologia Experimental foi o primeiro espaço oficial de pesquisas nessa área, até então realizadas em espaços privados, sobretudo por médicos. Ficou sob a direção do médico francês Louis Couty (1854-1884), reconhecido fisiologista, auxiliado pelo médico brasileiro João Batista Lacerda (1846-1915). Couty emigrara para o Brasil por convite do governo imperial, com o objetivo de lecionar na recém-criada cadeira de biologia industrial da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1879, mas não tardou a se transferir para o Museu Imperial. No museu se associou às pesquisas de fisiologia experimental conduzidas por Lacerda, sobre as ações fisiológicas do veneno curare, antes da criação do laboratório. Em virtude das limitações do Museu Imperial em fornecer suporte financeiro e material para a continuidade das pesquisas, Couty e Lacerda solicitaram o apoio do imperador Pedro II e do secretário dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas para a criação de um laboratório de fisiologia experimental (Gomes, 2013, p. 33-39).

As pesquisas realizadas no laboratório produziram trabalhos importantes, tendo sido notabilizada a descoberta de Lacerda sobre a ação do permanganato de potássio como antídoto para as picadas de cobra, que alcançou grande repercussão nacional e internacional. No entanto, a disputa em torno do achado científico acabou por provocar a cisão entre os dois fisiologistas, além de o laboratório ter ficado no centro de uma discussão sobre sua autonomia técnica e financeira em relação à direção do Museu Imperial (Stahl, 2016, p. 51). Com a morte de Couty, em 1884, Lacerda assumiu a direção do Laboratório de Fisiologia Experimental.

Em 1889, pelo decreto n. 10.418, de 30 de outubro, que aprovou o regulamento para o serviço da vacinação anticarbunculosa, foi determinado que o Laboratório de Fisiologia Experimental, ainda que anexo ao Museu Nacional, teria uma administração independente. Ficava o laboratório encarregado dos estudos práticos de fisiologia e bacteriologia, do estudo da moléstia dos animais domésticos, especialmente as zoonoses que assolavam os campos de criação do país. Dessa forma, ao laboratório coube a preparação e o fornecimento da vacina anticarbunculosa a todos os municípios de Minas Gerais e às demais províncias do Império. Cumpria, assim, a função da fisiologia experimental de constituir-se como uma ciência prática, ajustada “à realidade e aos interesses da elite agroexportadora do Brasil naquele tempo” (Gomes, 2015, p. 33).

Esse caráter prático da fisiologia esteve presente na reorganização do laboratório em 1891, pelo decreto n. 1.314, de 17 de janeiro. Com a denominação de Laboratório de Biologia, tornava-se uma estrutura administrativa independente do Museu Imperial, diretamente subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, naquele mesmo ano transformado em Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Segundo o decreto, a justificativa para tal mudança seria a necessidade de estudos sobre a chamada “peste de cadeiras”, devastadora zoonose que atingia os equinos, o beribéri e outras doenças próprias do gado vacum e suíno, assim como as que atacavam as plantas com aplicação na medicina ou na indústria. Com uma estrutura bastante simples, composta pelo diretor, assistente e servente, o laboratório também mantinha o encargo de preparar e fornecer a vacinação anticarbunculosa ao governo federal para satisfazer às requisições dos estados, em proveito de estabelecimentos públicos.

Em 1892, o decreto n. 1.142, de 22 de novembro de 1892, deu novo regulamento ao Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, o que alterou a subordinação do Laboratório de Biologia, que ficava sob as ordens da 1ª Seção da Diretoria-Geral da Indústria. Apenas dois anos mais tarde, pelo decreto n. 1.931, de 31 de dezembro de 1894, o laboratório foi extinto.

Dilma Cabral
Maio 2019

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 10.418, 30 de outubro de 1889. Aprova o regulamento para o serviço de vacinação anticarbunculosa. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 637, 1889.

______. Decreto n. 1.314, de 17 de janeiro de 1891. Reorganiza o serviço do Laboratório de Fisiologia experimental, dando-lhe a denominação de Laboratório de Biologia do Ministério da Agricultura. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 1, p. 328-330, 1891.

______. Lei n. 23, de 30 de outubro de 1891. Reorganiza os serviços da administração federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 42-45, 1892.

______. Decreto n. 1.142, de 22 de novembro de 1892. Dá regulamento à Secretaria de Estado dos Negócios de Indústria, Viação e Obras Públicas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 924-939, 1893. 

______. Decreto n. 1.931 de 31 de dezembro de 1894. Declara extinto o Laboratório de Biologia. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1.098, 1895. 

GOMES, Ana Carolina Vimieiro. Uma ciência moderna e imperial: a fisiologia brasileira no final do século XIX (1880-1889). Belo Horizonte, Minas Gerais: Fino Traço; Campina Grande, Paraíba: EDUEPB; Rio de janeiro: Editora Fiocruz, 2013.

LABORATÓRIO de Fisiologia Experimental. In: DICIONÁRIO Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: https://bit.ly/2LngXlt. Acesso em: 17 dez. 2018.

MUSEU Imperial. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3drayTA. Acesso em: 23 mar. 2020.

STAHL, M. Louis Couty e o Império do Brasil: o problema da mão de obra e a constituição do povo no final do século XIX (1871-1891). São Bernardo do Campo, São Paulo: Editora UFABC, 2016.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional. Coleção Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_17