O Serviço de Veterinária foi instituído pelo decreto n. 8.331, de 31 de outubro de 1910, com o objetivo de promover a inspeção sanitária do gado; investigar suas doenças; preparar os produtos biológicos profiláticos; orientar e organizar medidas para prevenção, repressão e erradicação das epizootias; tratar as enzootias e epizootias; realizar a inspeção sanitária do tráfego e comércio interestadual do gado por via marítima, fluvial ou terrestre, dos matadouros-modelo e entrepostos frigoríficos estabelecidos mediante favores da União, e das feiras e exposições de gado promovidas ou auxiliadas pelo governo federal (Brasil, 1915, p. 1.171).
Antes da criação do órgão, a função de realizar a inspeção veterinária do gado pertencia à Diretoria de Indústria Animal, organizada no ano anterior pelo decreto n. 7.622, de 21 de outubro, à qual também cabia a promoção de medidas de melhoramentos das raças e das condições de criação de gado. No âmbito deste órgão, a decisão n. 12, de 29 de junho de 1910, estabeleceu o Serviço de Polícia Sanitária e Combate às Epizootias, com a finalidade de atender os criadores em caso de epizootias e enzootias e em relação aos pedidos de esclarecimentos sobre veterinária e higiene dos animais; examinar o gado importado; e difundir conhecimentos veterinários (Brasil, 1910a, p. 26). Pouco tempo depois, essas atribuições foram absorvidas pelo Serviço de Veterinária.
A instituição de estruturas administrativas destinadas ao desenvolvimento da pecuária se deu no contexto de instalação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, que resultou, em grande parte, de reivindicações de setores afastados do centro de poder, que defendiam a diversificação e a modernização agrícolas do país (Mendonça, 1997, p. 115). No que se refere especificamente aos produtores de gado bovino, o combate de doenças era visto, juntamente com o aprimoramento e aclimatação das raças, como um fator de peso no processo de modernização (Medrado, 2013, p. 88-92). Além de causar prejuízos financeiros aos criadores, a ausência de inspeção sanitária tinha impacto direto na saúde pública, em razão da contaminação de produtos que poderiam chegar aos consumidores (Brasil, 1910b, p. 99).
O decreto n. 8.331, de 31 de outubro de 1910, determinou as condições para entrada e saída de animais no país e seu transporte, habilitou os portos destinados à importação de animais, dentre outras disposições. De acordo com este ato, a estrutura do Serviço de Veterinária ficou composta por uma diretoria, com sede na capital federal, inspetorias veterinárias divididas em 11 distritos abrangendo todo o país, e postos veterinários para o estudo de moléstias e sua profilaxia nos estados do Amazonas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul. Para a execução de pesquisas, preparo de soros e vacinas, e orientação de medidas profiláticas, seria realizado um acordo com o Instituto Oswaldo Cruz, que ficaria incumbido dessas competências.
O ato também previu a criação de uma revista para a divulgação de conhecimentos científicos e determinou que os cargos técnicos devessem ser ocupados por profissionais diplomados em institutos de ensino superior de medicina veterinária ou por médicos especializados em veterinária ou bacteriologia, gerando dificuldades no provimento dos postos (Brasil, 1911, p. 91). Embora as tentativas de fundação de um curso superior de veterinária datem do século XIX, foi apenas na década de 1910 que começaram a surgir as primeiras escolas públicas e particulares. Na esfera federal, o decreto n. 2.232, de 6 de janeiro de 1910, criou uma escola veterinária subordinada ao Ministério da Guerra, que iniciou suas atividades em 1914. No mesmo ano foi instituída no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, pelo decreto n. 8.319, de 20 de outubro, a Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária, inaugurada em 1913.
Um novo regulamento foi dado ao Serviço de Veterinária em 1911, pelo decreto n. 9.194, de 9 de dezembro, ampliando suas atribuições, que passaram a compreender a distribuição de soros e vacinas, a disseminação de conhecimentos úteis sobre a medicina veterinária e o serviço gratuito de policlínica veterinária. Na estrutura do órgão foram criadas instalações de inspeção localizadas no porto do Rio de Janeiro, aumentado para 12 o número de inspetorias veterinárias, estabelecidos novos postos veterinários e postos de observação, e organizado o Posto de Observação e Enfermaria Veterinária de Belo Horizonte, instituído pelo decreto n. 8.974, de 14 de setembro de 1911.
Em 1915, no contexto de aumento da exportação de carne e dos subprodutos do gado, ocasionado pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e de crescimento da demanda do mercado interno (Medrado, 2013, p. 151; 171), o decreto n. 11.460, de 27 de janeiro, reorganizou o órgão, alterando sua denominação para Serviço de Indústria Pastoril. A mudança acarretou a incorporação das funções da Diretoria de Indústria Animal, então denominada Posto Zootécnico Federal, que também foi transferido para sua esfera de atuação, juntamente com os postos de Lages (SC) e Ribeirão Preto (SP). Desse modo, foram novamente reunidas em um só órgão as competências relacionadas ao incremento da produção e à inspeção sanitária e combate a doenças. O Serviço de Indústria Pastoril também acabou por concentrar todos os órgãos relacionados à pecuária, como as fazendas-modelo, localizadas nos municípios de Santa Mônica (RJ), Uberaba (MG), Ponta Grossa (PR) e Caxias (MA), e a Escola de Laticínios de Barbacena (MG), concebidas pelo decreto de organização do ensino agronômico de 1910. Para a formação de profissionais, o decreto n. 11.460 criou um curso especial de práticos-veterinários.
Nesse mesmo ano, o decreto n. 11.462, de 27 de janeiro, aprovou o regulamento do serviço de inspeção das fábricas de produtos animais, a cargo do Serviço de Indústria Pastoril, estabelecendo as obrigações dos produtores e os procedimentos de trabalho dos inspetores veterinários de carne.
Em 1917, o decreto n. 11.460 foi alterado pelo n. 12.408, de 28 de fevereiro, que diminuiu o número de estruturas da diretoria, além de incluir o Serviço de Fiscalização da Manteiga, previsto no decreto n. 12.025, de 19 de abril de 1916, que regulamentou os procedimentos relativos à fabricação da manteiga, sua fiscalização e defesa comercial. Nesse ano, ocorreu a Primeira Conferência Nacional de Pecuária, com o apoio do governo federal, onde se discutiram temas como a capacidade produtiva do país, o mercado consumidor, os transportes, a intervenção dos poderes públicos na instalação de fazendas-modelo e a concessão de prêmios de incentivo às fazendas modernizadas, evidenciando a organização dos produtores e a busca por maior apoio governamental (Medrado, 2013, p. 129; 176).
No âmbito do Serviço de Indústria Pastoril, foram tomadas medidas de incremento da produção com o estímulo à criação de fazendas-modelo e postos zootécnicos em cooperação com estados, municípios ou particulares, conforme o decreto n. 13.011, de 4 de maio de 1918. Nessa direção também foi aprovado o decreto n. 13.026, que proibiu o abate de vitelas e vacas de até dez anos aptas para reprodução, cabendo ao órgão e ao Serviço de Agricultura Prática velar pelo cumprimento do ato. Ainda em 1918, o decreto n. 12.914, de 13 de março, transferiu o serviço de fiscalização da manteiga para o Instituto de Química, instituído por esse ato.
No contexto de queda da exportação de carne provocada pelo fim da guerra, foi promovida uma nova reforma no órgão pelo decreto n. 14.711, de 5 de março de 1921, que ampliou suas atribuições e estrutura. Assim, foram acrescidas competências relativas à pesquisa de plantas forrageiras, utilizadas como pastagem para o gado, à organização de estatísticas e ao registro genealógico de animais e arquivo geral de marcas de animais antes a cargo do Serviço de Agricultura Prática. Sua estrutura ficou formada, no Distrito Federal, por uma diretoria composta pelas seções de zootecnia, enzootias e epizootias, carnes e derivados, leite e derivados, comércio de gado e expediente, e mais uma estação experimental de agrostologia, um desembarcadouro e lazareto veterinário, um posto experimental de veterinária e um posto experimental de avicultura. Nos estados haveria as delegacias, postos zootécnicos, fazendas-modelo de criação, postos de seleção do gado nacional, coudelarias, estações experimentais de criação de suínos, ovinos e caprinos, estações de monta, estações experimentais de avicultura, postos de assistência veterinária, inspeções de fábricas e entrepostos de carnes e derivados, inspeções de usinas de pasteurização do leite, fábricas de laticínios e derivados e respectivos entrepostos, inspeções veterinárias de portos e postos de fronteira, inspeções de mercados e feiras de animais vivos, desembarcadouros e lazaretos veterinários, e postos experimentais de veterinária. Diferente dos anteriores, este decreto criou estruturas específicas dedicadas a uma variedade maior de animais, promovendo uma diversificação da ação governamental na esfera pecuária, apesar de se ter concedido prioridade ao gado bovino.
O Serviço de Indústria Pastoril foi o maior beneficiado da pasta da Agricultura, Indústria e Comércio, em termos de verbas, entre 1910 e 1930 (Mendonça, 1997, p. 155). O órgão foi responsável pela distribuição de vacinas, realização de estudos e pesquisas sobre a produção pecuária no país, incentivo da exploração industrial dos rebanhos, a partir da difusão de ensinamentos técnicos e do empréstimo de reprodutores aos criadores, assim como pela inspeção dessas atividades, e colaborou com exposições e realização de concursos (Brasil, 1912, p. 98; Brasil, 1929, p. 372).
A partir da década de 1930, foram promovidas grandes reformas na estrutura federal relativa à agricultura. O decreto n. 19.433, de 26 de novembro de 1930, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, alterando a denominação da pasta para Ministério da Agricultura, conforme o decreto n. 19.448, de 3 de dezembro de 1930. Em 11 de janeiro de 1933, o decreto n. 22.338 estabeleceu a Diretoria-Geral de Indústria Animal, que incorporou o Serviço de Indústria Pastoril e a Estação Sericícola de Barbacena. Nesse mesmo ano, o decreto n. 22.380, de 20 de janeiro, extinguiu o serviço, dividindo suas competências entre duas novas diretorias, a de Zootecnia e Laticínios e a de Veterinária, e transferiu algumas de suas estruturas para o Gabinete da Diretoria-Geral de Indústria Animal.
Angélica Ricci Camargo
Dez. 2019
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 8.331, de 31 de outubro de 1910. Cria o Serviço de Veterinária, no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 1.171-1.180, 1915.
______. Decisão n. 12, de 29 de junho de 1910. Dá instruções para o serviço de polícia sanitária e combate às epizootias. Coleção das decisões do governo do Brasil, Rio de Janeiro, p. 25-27, 1910a.
______. Decreto n. 9.194, de 9 de dezembro de 1911. Dá novo regulamento à Diretoria do Serviço de Veterinária, criada pelo decreto n. 8.331, de 31 de outubro de 1910. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1.270-1.290, 1915.
______. Decreto n. 11.460, de 27 de janeiro de 1915. Reorganiza a Diretoria do Serviço de Veterinária, a cargo do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, dando-lhe nova denominação, e aprova o regulamento respectivo. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 146-172, 1917.
______. Decreto n. 12.408, de 28 de fevereiro de 1917. Aprova diversas modificações do regulamento aprovado pelo decreto n. 11.460, de 27 de janeiro de 1915. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 384-385, 1918.
______. Decreto n. 14.711, de 5 de março de 1921. Dá novo Regulamento ao Serviço de Indústria Pastoril. Coleção de leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 66-134, 1922.
______. Ministério da Agricultura, Indústria, Comércio. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de estado da Agricultura, Indústria, Comércio Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda em 1910. Rio de Janeiro: Oficinas da Diretoria-Geral de Estatística, 1910b. Disponível em: https://bit.ly/2OPog7h. Acesso em: 26 nov. 2019.
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______. Ministério da Agricultura, Indústria, Comércio. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de estado da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Pedro de Toledo em 1912. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912. Disponível em: https://bit.ly/33HEqFt. Acesso em: 2 dez. 2019.
______. Ministério da Agricultura, Indústria, Comércio. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de estado da Agricultura, Indústria, Comércio Miguel Calmon Du Pin e Almeida em 1925. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1929. Disponível em: https://bit.ly/2r5WZpw. Acesso em: 2 dez. 2019.
GERMINIANI, Clotilde de Lourdes Branco. A história da medicina veterinária no Brasil. Archives of Veterinary Science, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 1-8, 1998.
MEDRADO, Joana. Do pastoreio à pecuária: a invenção da modernização rural nos sertões do Brasil Central. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.
MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fotografias Avulsas, BR_RJANRIO_O2_0_FOT_158