Criado como uma instituição privada, fundada pelo surdo francês E. Huet, o Colégio Nacional para Surdos-Mudos começou a funcionar em 1º de janeiro de 1856, tendo por finalidade oferecer educação intelectual, moral e religiosa aos surdos. Em 1857, pela lei n. 939, de 26 de setembro, o governo imperial passou a conceder subvenção para o colégio, bem como pensões aos alunos surdos pobres. Em 1861, a instituição passou à administração imperial, por meio de contrato de cessão de direitos celebrado em 11 de dezembro com E. Huet (Brasil, 1861, p. 34).
Em 1867, pelo decreto n. 4.046, de 19 de dezembro, foi sancionado um regulamento provisório para o colégio, até sua incorporação à Secretaria do Império, para o que foi necessária a aprovação do Poder Legislativo. No ano seguinte, pelo decreto n. 4.154, de 13 de abril, que reorganizou a Secretaria de Estado dos Negócios do Império, o Instituto dos Surdos-Mudos já constava de sua estrutura, e pelo n. 5.435, de 15 de outubro de 1873, teve um novo regulamento aprovado, que vigorou até o período republicano.
Com a República, o instituto passou para a jurisdição da Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, criada pelo decreto n. 346, de 19 de abril de 1890, encarregada dos serviços e estabelecimentos de educação e ensino, dos institutos, das academias e sociedades dedicadas às ciências, às letras e às artes. Com a curta vigência dessa pasta, foi transferido para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, responsável pelas competências relativas ao ensino, de acordo com a lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, que reorganizou a administração pública brasileira.
Somente em 1901, pelo decreto n. 3.964, de 23 de março, foi aprovado um novo regulamento para a instituição, que teve a denominação alterada para Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Ficava mantido seu perfil voltado para a “instrução literária e ensino profissional”, conforme seu regimento, diferindo das instituições congêneres europeias, com perfil assistencial (Brasil, 1968, p. 183). Na verdade, a criação do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, na segunda metade do século XIX, marcou o início do processo de institucionalização da educação para a pessoa surda, que esteve inserido no debate sobre a expansão da escolarização para a população pobre, o que foi acompanhado pelo aumento da quantidade de instituições públicas voltadas para profissionalização dos menores (Schueler, 1999), como o Asilo dos Meninos Desvalidos e o Instituto de Menores Artesãos.
Em seu primeiro regimento do período republicano, aprovado pelo decreto n. 3.964, de 23 de março de 1901, ficava definido que o ensino literário compreendia língua portuguesa, matemática elementar, história e geografia do Brasil, além das “lições de coisas pelo método intuitivo” (Brasil, 1902, p. 386-402). No que diz respeito ao ensino profissional, compreendia arte tipográfica, ofício de encadernador, de dourador, de sapateiro, ginástica. Todos os alunos deveriam aprender um ofício, recebendo uma porcentagem sobre o produto das vendas do que fabricavam.
Assim, podemos observar que o ensino se orientava pelos mesmos pressupostos das escolas do Rio de Janeiro, afinado com as teorias e práticas educacionais então experimentadas. O regulamento determinava, ainda, que o método misto ou combinado fosse adotado para todas as disciplinas, ou seja, o ensino da linguagem articulada e leitura labial seria ministrado aos alunos que se mostrassem aptos a recebê-lo.
Em 1908, o instituto teve um novo regimento, aprovado pelo decreto n. 6.892, de 19 de março, que manteve boa parte das disposições do anterior. Porém, foi em 1911, com o regimento aprovado pelo decreto n. 9.198, de 12 de dezembro, que foi introduzida uma importante alteração: a adoção do método oral puro em todas as disciplinas, ficando proibido o uso de sinais na prática educacional. Esta mudança, que teria perdurado até 1920 (Bentes; Hayashi, 2016), foi decorrente das deliberações do Congresso de Milão, ocorrido em 1880, em que educadores de surdos decidiram que a linguagem de sinais deveria ser, definitivamente, banida das práticas educacionais e sociais dos surdos.
Já em 1914, o diretor Custódio Martins, em relatório enviado ao ministro da Justiça e Negócios Interiores, avaliava que o método oral puro não havia dado os resultados esperados, advogando a proposta de utilização do método misto (Rocha, 2009, p. 56). Apesar disso, em 1921, o decreto n. 15.054, de 19 de outubro, mandava eliminar um dos cargos de repetidor, devido à supressão da cadeira de linguagem articulada e leitura labial.
O regulamento estruturava, ainda, o instituto em duas seções, masculina e feminina, administradas da mesma forma, mas funcionando em prédios diferentes. Para essa adequação foram previstas obras de ampliação do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos, que tiveram início apenas em 1913, tendo sido concluídas em 1915. Ainda assim, a seção feminina não foi imediatamente instalada, sendo o prédio ocupado por inúmeras repartições federais, como a Comissão Rondon, o Juízo de Menores, a Inspetoria de Fronteiras e a Escola Nacional de Educação Física (Rocha, 2009, p. 55).
Em 1925, pelo decreto 16.782-A, de 13 de janeiro, foi organizado o Departamento Nacional de Ensino, que determinava que o ensino profissional estivesse sob o encargo do Instituto Benjamim Constant, para cegos, do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos e da Escola 15 de Novembro, para menores abandonados do sexo masculino. Logo, o instituto passava à categoria de estabelecimento profissionalizante, o que reforçava o trabalho já realizado em suas oficinas.
No entanto, apesar das mudanças verificadas nas duas primeiras décadas do século XX, especialmente com a ampliação de suas dependências, a situação ainda estava longe de ser a ideal. Em 1926, em tese defendida na Faculdade de Medicina de São Paulo sobre a surdez no Brasil, o médico Arnaldo de Oliveira Bacellar faz duras críticas à administração do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos, à falta de recursos e ao método de ensino, afirmando que funcionaria mais como asilo do que como instituição educacional (Rocha, 2009, p. 57).
A crise política que teve lugar no final da década de 1920 deflagrou um movimento político-militar que colocou Getúlio Vargas à frente do governo, a chamada Revolução de 1930. Uma das primeiras medidas do novo governo foi uma grande reforma administrativa que criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, pelo decreto n. 19.402, de 14 de novembro de 1930, para o qual ficava transferido o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos, subordinado ao Departamento Nacional de Ensino, estabelecido pelo decreto n. 19.444, de 1º de dezembro de 1930. Nesse mesmo ano, Getúlio Vargas nomeia o médico otologista Armando de Paiva Lacerda para a direção do instituto.
Dilma Cabral
Fev. 2019
Fontes e bibliografia
BENTES, José Anchieta de Oliveira; HAYASHI, Maria Cristina Piumbato Innocentini. Normalidade, diversidade e alteridade na história do Instituto Nacional de Surdos. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 21, n.67, p.851-874, dez. 2016. Disponível em: https://bit.ly/35Ll7gz. Acesso em: 2 fev. 2019.
BRASIL. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1861.
______. Decreto n. 4.154, de 13 de abril de 1868. Reorganiza a Secretaria de Estado dos Negócios do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, tomo 31, parte 2, p. 183-195, 1868.
______. Decreto n. 3.964, de 23 de março de 1901. Aprova o regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 386-407, 1902.
______. Decreto n. 6.892, de 19 de março de 1908. Aprova o regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 208-230, 1909.
______. Decreto n. 9.198, de 12 de dezembro de 1911. Aprova o regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 1.337-1.359, 1915.
______. Decreto n. 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925. Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário, organiza o Departamento Nacional de Ensino, reforma o ensino secundário e superior. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 20-96, 1926. Disponível em: https://bit.ly/2F1Dxgp.
ROCHA, Solange Maria da. Antíteses, díades, dicotomias no jogo entre memória e apagamento presentes nas narrativas da história da educação de surdos: um olhar para o Instituto Nacional de Educação de Surdos (1856/1961). Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
SCHUELER, Alessandra F. Martinez de. Crianças e escolas na passagem do Império para a República. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 19, n. 37, p. 59-84, sept. 1999. Disponível em: https://bit.ly/2XsR358. Acesso em: 2 fev. 2019.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_OS Alberto do Rego Rangel
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_93 Série Educação - Ensino Primário (IE5)
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
Referência da imagem
Fachada do Instituto Nacional de Surdos (Ines), Rio de Janeiro, 1959. Arquivo Nacional, Fundo Correio da Manhã, BR_RJANRIO_PH_0_FOT_6849_117
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período da Primeira República. Para informações entre 1822-1889, consulte Instituto dos Surdos-Mudos