A Repartição Federal de Fiscalização das Estradas de Ferro foi instituída pelo decreto n. 6.787, de 19 de dezembro de 1907, com a atribuição de inspecionar as estradas de ferro dependentes de benefícios estatais, excetuadas aquelas que estivessem sob a administração direta do governo federal.
As primeiras ferrovias foram instaladas no país na década de 1850, após o decreto n. 641, de 26 de junho de 1852, conceder a garantia de juros de até cinco por cento sobre o capital empregado e outros favores para companhia que construísse um caminho de ferro ligando o Rio de Janeiro às províncias de São Paulo e Minas Gerais. Tais estímulos tiveram continuidade nos anos seguintes e atraíram empresas estrangeiras e, posteriormente, nacionais, que empreenderam iniciativas em diversas partes do território brasileiro. Desse modo, as vias férreas desempenharam um papel importante no processo de modernização da infraestrutura do país a cargo da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, criada em 1860, facilitando, em especial, a saída dos gêneros de exportação, ao ligar as regiões produtoras com os portos (Repartição..., 2019).
Em 1883, o decreto n. 8.947 instituiu a Inspetoria-Geral das Estradas de Ferro para fiscalização das empresas de viação férrea, com ou sem garantias, fiança e subvenção do governo imperial. Contudo, esse decreto não foi executado em sua totalidade e um órgão de fiscalização seria criado apenas no período republicano.
Nos anos que se seguiram à Proclamação da República não houve um desenvolvimento significativo da viação férrea, que herdou problemas como a articulação precária entre as ferrovias e aqueles resultantes das dificuldades financeiras de empresas de algumas empresas, que acabaram levando à incorporação de diversas estradas pelo governo federal (Brasil, 1908, p. XVIII).
Em 1891, houve novas tentativas de se estabelecer um órgão destinado à fiscalização do serviço das estradas de ferro. A primeira se deu com o decreto n. 1.302, de 17 de janeiro, que, entretanto, foi revogado no mês seguinte. Em 20 de junho, o decreto n. 399 criou a Repartição de Fiscalização das Estradas de Ferro. Este órgão teve existência breve, pois foi extinto em 1897, ficando suas competências a cargo de engenheiros do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, cujos trabalhos foram regulamentados pelo decreto n. 2.885 de 1898.
O estabelecimento de uma instituição fiscal em 1907 representou uma tentativa de centralizar e padronizar os trabalhos realizados pelos engenheiros daquele ministério (Brasil, 1908, p. XXIV). Nesse mesmo ano, também foi estabelecida a Inspetoria-Geral de Navegação, órgão fiscalizador das empresas de navegação subvencionadas ou favorecidas pelo governo, evidenciando a preocupação da pasta com o reaparelhamento da infraestrutura ligada aos transportes, com o objetivo de melhorar a circulação de mercadorias e passageiros.
De acordo com o decreto n. 6.787 de 1907, cabia à Repartição Federal de Fiscalização das Estradas de Ferro inspecionar as estradas de ferro concedidas ou arrendadas pelo governo federal, que gozassem de garantia de juros ou fiança de qualquer espécie, subvenção, auxílio ou outro favor, e aquelas declaradas de interesse geral; fornecer ao governo informações para a organização do plano geral de viação; aprovar provisoriamente os projetos de tarifas, instruções regulamentares, quadros de pessoal, horários e outros aspectos propostos pelas empresas concessionárias; sistematizar a estatística e o cadastro de todas as estradas de ferro do país, entre outras competências.
A direção do órgão cabia a um engenheiro-chefe, cargo que foi ocupado, inicialmente, por Paulo de Frontin. Sua estrutura era composta por duas seções, uma técnica e outra estatística, e por distritos de fiscalização. O 1º Distrito compreendia os estados do Ceará, Maranhão, Pará e Piauí; o 2º, Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte; 3º, Bahia e Sergipe; o 4º, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; o 5º, São Paulo; o 6º, Paraná e Santa Catarina; e o 7º, Rio Grande do Sul.
Em 1911, o regulamento aprovado pelo decreto n. 9.076, de 3 de novembro, alterou o nome do órgão para Inspetoria Federal das Estradas, ampliando suas atribuições, que passaram a compreender as estradas de rodagem. O ato determinou que a fiscalização das estradas subvencionadas, ou dependentes de alguma forma do governo federal, fosse ampla, envolvendo despesas, receitas, tarifas, rendas, conservação, polícia, segurança e circulação. No caso das empresas não subvencionadas, a fiscalização se limitava ao exame das obras e da conservação do leito, material fixo e rodante, da segurança, regularidade e comodidade do trânsito, e das tarifas para aquelas que gozassem do privilégio de zona (Brasil, 1915, p. 351).
Além das competências presentes no ato de 1907, a inspetoria passou a preparar as bases dos editais para concorrência dos serviços de sua alçada e a organizar, guardar e conservar o arquivo técnico das estradas federais. Sua estrutura seria formada pela administração central, subadministrações nos distritos regionais, comissões de estudo, projetos, planos e orçamentos das estradas de ferro, e delegações fiscais, itinerantes e removíveis.
Em 1915, o decreto n. 11.469, de 27 de janeiro, promoveu uma reforma, diminuindo a estrutura do órgão, com mudanças na administração central e a extinção das delegações fiscais itinerantes.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) trouxe consequências negativas para o desenvolvimento das ferrovias no país. A elevação do preço do combustível e dos produtos destinados à construção das estradas gerou uma “crise de falta de material e aumento imprevisto do custeio do tráfego” (Brasil, 1920, p. 8), que agravou as dificuldades financeiras enfrentadas por muitas companhias. Além disso, as estradas não estavam aparelhadas para atender ao escoamento da produção de gêneros para o consumo interno, fomentada pelo governo nesse período, causando prejuízos para o país (Brasil, 1921, p. 396). Para contornar esses problemas, foi criada, no âmbito da inspetoria, uma comissão para solucionar a crise dos transportes terrestres. Os dirigentes do órgão também defenderam que se priorizasse a conservação das estradas existentes, em detrimento da construção de novas, com exceção daquelas localizadas nas regiões afetadas pelas secas, que serviam de auxílio às populações flageladas (Brasil, 1922b, p. 117).
Em 1919, o decreto n. 13.688, de 9 de julho, reformulou a inspetoria, que passou a fiscalizar os serviços eletrotécnicos relacionados às estradas, assim como as usinas hidroelétricas de concessão federal. Sua organização também sofreu modificações, com destaque para a criação de uma estrutura dedicada, especificamente, à fiscalização de estradas elétricas e serviços eletrotécnicos.
Dois anos depois, o decreto n. 15.157, de 5 de dezembro, alterou o regulamento da inspetoria, que passou a se constituir como “órgão central coordenador da viação terrestre da República”, seguindo a orientação das transformações ocorridas na pasta da Viação e Obras Públicas, que, dentre outras mudanças, culminaram na extinção da Diretoria-Geral da Viação (Brasil, 1922c, p. 46). Segundo esse decreto, a inspetoria passou a superintender as administrações federais das estradas de ferro de propriedade da União, exceto a Estrada de Ferro Central do Brasil, elaborar projetos de leis, regulamentos e contratos relativos à viação terrestre e dirigir as comissões, os estudos e a construção de estradas de ferro e de rodagem.
Na década de 1920, as estradas de rodagem passaram a receber mais atenção do governo federal. Em 1922, o decreto n. 4.460, de 11 de janeiro, autorizou a concessão de subvenção aos estados e Distrito Federal para a construção de estradas de rodagem nos respectivos territórios, devendo os planos serem submetidos à fiscalização da inspetoria. O decreto n. 5.141, de 5 de janeiro de 1927, instituiu o fundo especial para construção e conservação de estradas de rodagem federais, constituído por um adicional aos impostos de importação incidentes sobre gasolina, automóveis, motocicletas, bicicletas e outros veículos e acessórios. Neste ano, foram criadas duas comissões de engenheiros, encarregadas, respectivamente, da construção das estradas Rio-Petrópolis e Rio-São Paulo, que seriam inauguradas no ano seguinte. Ainda em 1927, essas comissões foram reunidas, dando origem à Comissão Construtora de Estradas Federais de Rodagem (Brasil,1930, p. 284-285). Outro ato importante aprovado neste momento foi o decreto n. 18.323, de 24 de julho, que dispôs sobre o regulamento para a circulação de automóveis, sinalização, segurança do trânsito e polícia das estradas de rodagem.
Novas transformações ocorreriam na estrutura da inspetoria a partir do governo de Getúlio Vargas, iniciado após a chamada Revolução de 1930, em meio à continuidade do processo de estatização de vias férreas e de construção de novas rodovias.
Angélica Ricci Camargo
Fev. 2019
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 6.787, de 19 de dezembro de 1907. Aprova o regulamento para o Serviço de Fiscalização das Estradas de Ferro Federais. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 2.418-2.422, 1941.
______. Decreto n. 9.076, de 3 de novembro de 1911. Aprova o regulamento para a Inspetoria Federal das Estradas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 351-371, 1915.
______. Decreto n. 11.469, de 27 de janeiro de 1915. Aprova o regulamento para a Inspetoria Federal das Estradas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 218-236, 1917.
______. Decreto n. 13.939, de 25 de dezembro de 1919. Aprova o regulamento da Secretaria de Estado da Viação e Obras Públicas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 495-520, 1920.
______. Decreto n. 15.157, de 5 de dezembro de 1921. Aprova o novo regulamento para a Inspetoria Federal das Estradas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 6, p. 28-67, 1922a.
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FINGER, Anna Eliza. Um século de estradas de ferro: arquiteturas das ferrovias no Brasil entre 1852 e 1957. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Nacional de Brasília, Brasília, DF, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2tnMueC. Acesso em: 20 fev. 2019.
MINISTÉRIO da Indústria, Viação e Obras Públicas. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2017. Disponível em: https://bit.ly/2E6u8Ul. Acesso em: 22. fev. 2019.
NUNES, Ivanil. Expansão e crise das ferrovias brasileiras nas primeiras décadas do século XX. América Latina en la Historia Económica, México DF, p. 204-235, sep./dic. 2016. Disponível em: https://bit.ly/2SSVAzs. Acesso em: 22 fev. 2019.
REPARTIÇÃO de Fiscalização das Estradas de Ferro. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2019. Disponível em: https://bit.ly/3a0HC39. Acesso em: 5 ago. 2019.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_F4 Francisco Bhering
BR_RJANRIO_4Q Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas
Referência da imagem
J. C. Branner, R. Crandall e Horácio E. Willians. Mapa de parte dos estados da Bahia, Pernambuco e Piauí e dos estados de Sergipe e Alagoas reproduzido pela Inspetoria de obras contra as secas do Ministério da Viação e Obras Públicas, inspetor M. Arrojado Lisboa. Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, chefe Orville A. Derby, 1908. Fundo Francisco Bhering. Arquivo Nacional, BR_RJANRIO_F4_0_MAP_14