Embarque das tropas na Praia Grande de Niterói destinadas ao bloqueio de Montevidéu, em aquarela incluída no álbum Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret
Embarque das tropas na Praia Grande de Niterói destinadas ao bloqueio de Montevidéu, em aquarela incluída no álbum Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret

As tropas auxiliares, posteriormente denominadas milícias, foram criadas em 7 de janeiro de 1645, no contexto da restauração do trono português após o período de unificação com a Espanha, entre 1580 e 1640. Tinham como atribuição a manutenção da posse territorial, da ordem e da lei (Leonzo, 1986, p. 324-325). Formavam, junto com as Tropas de Primeira Linha instituídas em 1641 e com as Companhias de Ordenanças estabelecidas em 1570, as forças militares de Portugal e seus domínios.

A restauração se constituiu como um marco importante para a organização militar portuguesa. Ainda em 1640, foi criado o Conselho de Guerra, tribunal superior nas causas militares encarregado de tratar de questões relativas à nomeação de oficiais de patente e à organização de tropas e armadas, entre outros assuntos. Além desse conselho, foram instituídos os cargos de Governadores das Armas, destinados a garantir o recrutamento, instrução e disciplina das tropas, e de tenente-geral da artilharia do Reino, com jurisdição sobre o material de guerra, armas, pólvora e fundições (Selvagem, 1931, p. 384).

As tropas auxiliares eram obrigadas a atuar nas fronteiras quando fosse necessário, ajudando as tropas de primeira linha. Eram compostas por filhos de viúvas e lavradores, e por homens casados em idade militar. A princípio foram instituídas em algumas comarcas, mas, a partir de 1646, se generalizaram em Portugal e suas colônias (Selvagem, 1931, p. 384).

Sua organização, tal como a das tropas de primeira linha, era baseada no sistema militar da Espanha, e dividia-se em terços, com cerca de seiscentos homens subdivididos em dez companhias. Cada terço era comandado por um mestre de campo, e os homens eram disciplinados e instruídos por oficiais hábeis e experimentados das tropas de primeira linha, nomeados pelos governadores das províncias. Mas, diferentemente das tropas de primeira linha, as auxiliares, como também as ordenanças, não eram remuneradas. Dessa forma, muitas vezes o rei concedia regalias, honras, liberdades e isenções aos oficiais dos terços como uma das maneiras de atrair o interesse pelo serviço real (Mello, 2009, p. 46-49).

A partir da segunda metade do século XVIII, foram empreendidas novas mudanças na organização militar, decorrentes de um processo de centralização político-administrativa. Um pouco antes, em 1736, foi criada a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. A isso seguiram-se a reforma do exército português pelo conde de Lippe, a criação de auditorias de guerra, a substituição dos terços pelos regimentos, de inspiração francesa, e a adoção de princípios estratégicos oriundos do modelo prussiano de Frederico II, que valorizava a ofensiva (Wehling; Wehling, 2008, p. 27).

No caso das tropas auxiliares, a maior transformação ocorreu por meio do decreto de 7 de agosto de 1796, que mudou sua denominação para milícias, elevando-as à categoria de tropa de segunda linha. O decreto também transformou os cargos de mestres de campo, que passaram a ser chamados de coronéis de milícias.

No Brasil, durante o período colonial, foram reproduzidas as mesmas determinações estabelecidas no Reino em relação às tropas militares, que se depararam, muitas vezes, com dificuldades relacionadas ao alistamento. Também houve disposições específicas, como a expressa pela carta régia de 22 de março de 1766, que determinou o alistamento de nobres, brancos, mestiços, pretos, ingênuos e libertos, e todos os homens válidos para o serviço militar.

Com a transferência da corte e da família real portuguesa para o Brasil em 1808, importantes modificações foram empreendidas na nova sede do Reino, incluindo a instalação, na colônia, da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Também foi reorganizada a administração dos arsenais de guerra, criada a Real Academia Militar, fábricas de ferro  e pólvora, além do  cargo de  Inspetor-geral de Artilharia da Corte e Capitania do Rio de Janeiro. Foi ainda instituído o Conselho Supremo Militar e de Justiça, um tribunal ao qual competiam todas as matérias militares que, em Lisboa, se expediam pelos conselhos de Guerra, do Almirantado e do Ultramar.

Em relação às tropas, foram mantidas as três linhas: do Exército, Milícias e Ordenanças. Houve, contudo, um predomínio do exército profissional sobre os demais, devido às ações militares empreendidas na Guiana e em Montevidéu, e à repressão da revolta ocorrida em Pernambuco em 1817 (Wehling; Wehling, 2008, p. 13).

O decreto de 24 de junho de 1808 criou o cargo de inspetor-geral de milícias, encarregado de inspecionar os regimentos de milícias da corte e capitania do Rio de Janeiro. A decisão n. 1, de 3 de janeiro de 1809, deu novas instruções para o cargo, que também existia nas capitanias de Pernambuco, Bahia e São Paulo.

Com a independência política de Portugal em 1822, não houve grandes mudanças na administração das milícias. Em 1831, a lei de 18 de agosto criou a Guarda Nacional, extinguindo as milícias e as ordenanças.


Angélica Ricci Camargo
Jul. 2013

 

Fontes e bibliografia
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. As milícias d’el rei: tropas militares e poder no Ceará setecentista. 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.

LEONZO, Nanci. As instituições. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). O Império luso-brasileiro (1750-1822). Lisboa: Estampa, 1986. (Nova História da Expansão Portuguesa, v. 8). p. 301-331.

MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Forças militares no Brasil colonial: corpos auxiliares e de ordenanças na segunda metade do século XVIII. Rio de Janeiro: E-Papers, 2009.

SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

SELVAGEM, Carlos. Portugal militar: compêndio de história militar e naval de Portugal desde as origens do estado portucalense até o fim da dinastia de Bragança. Lisboa: Imprensa Nacional, 1931.

WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Exército, milícias e ordenanças na corte joanina: permanências e modificações. DaCultura, ano VIII, n. 14, p. 26-32, jun. 2008. Disponível em: https://goo.gl/5qn71j. Acesso em: 15 jan. 2010.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_Z6 Ministério da Fazenda - Delegacia de Mato Grosso
BR_RJANRIO_9U Série Guerra - Pagadoria das Tropas (IG9)


Referência da imagem
Jean-Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, epoques de l’avénement et de I’abdication de S.M. D. Pedro 1er. Paris: Firmind Didot Frères, 1834-1839. Arquivo Nacional, OR_1909_V3_PL23