As primeiras eleições no Brasil estiveram relacionadas à composição das Câmaras Municipais na colônia, e eram regradas pelas Ordenações Filipinas, de 1603. Os pleitos deveriam ser realizados a cada três anos e os membros das câmaras, bem como aqueles que os elegiam, seriam pertencentes aos estratos sociais e econômicos elevados, proprietários de terras e de escravizados, os chamados ‘homens bons´. As diretrizes eleitorais para as câmaras se mantiveram até a independência (Câmaras..., 2013).
Na ocasião das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (1820-1821), o Brasil, enquanto Reino Unido a Portugal e Algarves, realizou uma eleição-geral para enviar deputados. O decreto de 7 de março de 1821 instruiu sobre a forma como se daria a escolha dos representantes brasileiros, e os critérios foram baseados na Constituição espanhola de 1812, sendo o pleito realizado em quatro graus. Primeiramente, os cidadãos de cada freguesia nomeavam compromissários, que, por sua vez, designavam os eleitores de paróquia. Era designado um eleitor paroquial para cada duzentos fogos, que seriam ‘casa, ou parte dela, em que habitasse independentemente uma pessoa ou família, de maneira que um mesmo edifício poderia ter dois ou mais fogos´ (Brasil, 2009, p. 25). Esses eleitores então escolhiam os eleitores da comarca, e eram estes últimos que, finalmente, elegiam os deputados.
As eleições para as Cortes duraram vários meses por conta das inúmeras formalidades, e algumas províncias não chegaram a eleger seus representantes. O pleito, no entanto, foi responsável pela elevação das capitanias brasileiras à condição de províncias, com autonomia para elegerem seus representantes, desde que declarada sua adesão às Cortes Gerais (Brasil, 2009, p. 25; Cortes, 2012).
Visando centralizar novamente o poder em Portugal, foi promulgada uma série de decretos em outubro de 1821, que minaram a autonomia político-administrativa conquistada pelo Brasil desde 1808. Além disso, as Cortes passaram a exigir o retorno de d. Pedro à Europa, o que acirrou as divergências entre os deputados brasileiros e portugueses. Após uma sequência de conflitos e o não cumprimento de d. Pedro às ordens emanadas de Lisboa, a possibilidade de integração entre os reinos foi se tornando cada vez mais difícil (Cortes..., 2012).
Em 16 de fevereiro de 1822, um decreto criou o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, com o objetivo de aconselhar, quando solicitado, o príncipe regente em assuntos de difícil resolução; examinar os grandes projetos de reforma na administração do Estado; propor medidas e planos; e zelar por suas respectivas províncias. O ato definiu que os procuradores seriam nomeados pelos eleitores de paróquia juntos, na cabeça de comarca, e que as eleições seriam apuradas pela câmara da capital da província. Seriam eleitos os que tivessem o maior número de votos e, em caso de empate, o resultado seria decidido na sorte. O decreto determinou que as demais nomeações e instruções deveriam seguir as diretrizes do decreto de 7 de março de 1821 (Jobim; Porto, 1996, p. 34-35).
Os procuradores solicitaram ao príncipe regente, em 3 de junho de 1822, a convocação de uma assembleia constituinte com o objetivo de redigir uma Carta Magna para o Brasil. D. Pedro acatou o pedido e nessa mesma data, convocou a assembleia, que representou um novo passo no sentido de ampliar a autonomia brasileira (Assembleia..., 2014). A decisão n. 57, de 19 de junho, estabeleceu regras para a eleição dos deputados constituintes, que deveria ser indireta e em dois graus. Primeiramente, seriam eleitos nas freguesias os eleitores de paróquia, e em seguida estes elegeriam os deputados (Jobim; Porto, 1996, p. 37-42).
Em 7 de setembro de 1822, o Brasil se tornou independente de Portugal, porém herdeiro de um modelo colonial onde a maioria da população estava excluída dos direitos civis e políticos, e sem qualquer sentido de nacionalidade, somente algumas experiências de identidade regional ou populações politicamente mais aguerridas em poucos centros urbanos. A ruptura política se deu com relativa tranquilidade e apoio da elite, que acreditava que a solução monárquica garantiria a ordem e impediria a fragmentação do território, como foi o caso da América Espanhola (Carvalho, 2001, p. 25-28).
A Assembleia Constituinte, convocada em 1822, foi instalada em 3 de maio de 1823, porém foi dissolvida por d. Pedro em 12 de novembro do mesmo ano, devido ao seu descontentamento com as propostas de limitação de seus poderes e de definição das atribuições do Poder Executivo. Com isso, a tarefa de elaborar uma constituição para o Brasil ficou a cargo do Conselho de Estado, tomando por base o projeto que esteve em discussão na assembleia constituinte que fora dissolvida. A primeira Constituição brasileira foi então outorgada por d. Pedro I em 25 de março de 1824 (Constituição..., 2014).
A Carta instituiu as bases político-institucionais do Brasil independente. Como sistema de governo, estabeleceu a monarquia hereditária, constitucional e representativa; o governo unitário; e dividiu o território brasileiro em províncias, administradas por presidentes, que deveriam ser subordinados ao chefe do Poder Executivo. Já o governo das cidades e vilas ficou sob responsabilidade das câmaras, compostas por vereadores eleitos, cujas atribuições deveriam ser definidas por lei complementar (Constituição..., 2014).
No que concerne ao sistema eleitoral, a Constituição estabeleceu eleições indiretas, com dois tipos de eleitores, os de paróquia e os de província. Os primeiros elegiam os de província, que votavam nos deputados à Assembleia Geral. Os eleitores, bem como os que poderiam ser votados, foram qualificados segundo o critério censitário. A idade mínima do eleitor era de vinte e cinco anos, com renda líquida anual de cem mil réis para as eleições paroquiais e de duzentos mil réis para as de província. Seria possível votar com vinte e um anos apenas os casados, os militares e os bacharéis formados. Aos libertos, o direito de votar era restrito às eleições de paróquia, desde que nascidos no Brasil e obedecendo ao critério censitário. Os criados e religiosos, as mulheres, os escravizados, os indígenas e os filhos que viviam na companhia dos pais, isto é, dependentes economicamente, ficaram excluídos do direito ao voto (Constituição..., 2014).
Em 26 de março de 1824, foi promulgado o decreto que instituiu as eleições para deputados e senadores da Assembleia Geral Legislativa e para os membros dos conselhos gerais das províncias, estabelecendo regras para o pleito. Determinou o número de deputados e senadores, sendo esses cargos vitalícios, eleitos por votação provincial em listas tríplices, ficando a cargo do imperador a escolha final. Em caso de morte, uma nova eleição deveria ser realizada na província de origem. Para ser elegível, o candidato ao senado deveria ter idade igual ou superior a quarenta anos, possuir renda líquida anual específica e qualificações como saberes, capacidade e virtudes, e, preferencialmente, ter servido à pátria. No caso dos deputados, o cargo era eletivo e temporário, e poderiam concorrer todos os eleitores que tivessem a renda mínima exigida, com exceção dos estrangeiros, ainda que naturalizados, e aqueles que não professassem a fé do Estado. Para os conselhos de Província, as exigências eram de ter a idade mínima de 25 anos, ser probos e possuir meios decentes de subsistência (Faria, 2019, p. 4).
Ainda na década de 1820, outros atos legais regulamentaram os pleitos nos anos seguintes às instruções de 1824. O decreto de 19 de agosto de 1827 determinou que os eleitores nomeados para a primeira eleição de qualquer legislatura seriam competentes para proceder à eleição de senadores e deputados em substituição àqueles que fossem nomeados ministros de Estado; o decreto de 29 de julho de 1828 autorizou a realização de eleições para a próxima legislatura obedecendo às instruções do decreto de 26 de março de 1824; e a lei de 1º de outubro de 1828 imprimiu nova forma às câmara municipais, definindo suas atribuições e o processo para sua eleição e a dos juízes de paz (Jobim; Porto, 1996).
Apesar da intensa atividade legislativa nos primeiros anos de governo, empenhada em assegurar a governabilidade e conciliar o constitucionalismo liberal ao Estado monárquico e escravocrata, o arranjo político-institucional centralizado e unitário, definido pela Carta de 1824, sofreu duras críticas das elites locais, visto que limitava a autonomia das províncias. As divergências ganharam impulso a partir da abertura da Assembleia Geral em 1826, mas foi somente após a abdicação do imperador, em 1831, que os projetos das elites liberais ganharam espaço, bem como houve maior participação das províncias na esfera do governo (Ato..., 2014).
Importantes reformas de caráter liberal e descentralizador foram realizadas durante a Regência (1831-1940), como a criação da Guarda Nacional e a aprovação do Código Criminal e do Código de Processo Criminal. Porém, foi o Ato Adicional de 1834 que instituiu as mais relevantes medidas no sentido de ampliar a autonomia político-administrativa das províncias em relação ao poder central. Dentre as principais mudanças, o ato transformou a sede da Corte em município neutro, distinto da província fluminense; suprimiu o Conselho de Estado; e transformou a regência trina permanente, que governava durante a menoridade de d. Pedro, em uma regência una, eletiva e temporária, com mandato de quatro anos (Ato..., 2014).
No que se refere ao poder local, o ato transformou os conselhos gerais de província em assembleias legislativas provinciais. As províncias passaram a contar com duas esferas distintas de decisão político-administrativa, a presidência, cuja nomeação cabia ao governo central, e as assembleias legislativas, cujos membros eram escolhidos em eleições censitárias. A eleição se faria nos moldes da realizada para a Assembleia Geral Legislativa, sendo a legislatura nas províncias de dois anos, prevista a reeleição (Ato..., 2014).
A historiografia é consensual em afirmar que as eleições no Brasil Império eram manipuladas tanto pelo poder central, quanto pelo local. No entanto, estudos mais recentes destacam que o modelo eleitoral brasileiro não destoava dos padrões vigentes no Ocidente. Além disso, para analisar o processo e a legislação eleitoral oitocentista, é necessário levar em consideração alguns aspectos, como, por exemplo, a restrição do voto, que era considerada necessária, já que a escolha dos representantes deveria ser prerrogativa da elite, portadora de virtudes que a diferenciavam do resto da população. Já a manipulação dos resultados eleitorais deve ser compreendida a partir de dois elementos: a corrupção, por meio de suborno, falsificação e violência física; e as relações patrimonialistas, clientelísticas ou de deferência à autoridade. Cabe ressaltar que, enquanto o primeiro tipo de manipulação era condenado, o segundo era tido como legítimo (Dolhnikoff, 2012 apud Ferraz, 2015).
É importante frisar que a manipulação das eleições nem sempre garantia o controle total da Corte sobre o processo. Para além dos interesses das elites do Rio de Janeiro, existiam ainda os provinciais e locais. Além disso, mesmo quando o governo se valia de manobras, estas muitas vezes eram mais eficazes para produzir câmaras unânimes, afinadas ao partido do gabinete, do que para garantir uma sustentação parlamentar estável. Outro fato de extrema relevância é que, ao longo de todo o Império, o governo buscou meios de neutralizar a fraude eleitoral como instrumento de disputa política, por meio de debates parlamentares e reformas eleitorais (Dolhnikoff, 2012apud Ferraz, 2015).
O primeiro pleito após a coroação de d. Pedro II, em 1840, foi marcante no que se refere à contestação da legitimidade do processo eleitoral, visto que surgiram diversas denúncias de eleitores e autoridades que se declararam vítimas de manipulações tais como anulação de votações, fraude nos votos por procuração, ameaças, emprego de violência, dentre outras. Esse episódio ficou conhecido como “eleições do cacete”, e impulsionou o movimento de reforma eleitoral (Faria, 2019; Saba, 2011).
Em 1842, d. Pedro II se reuniu com o Conselho de Estado para tratar de um projeto de lei de eleições e, dias depois, foi promulgado o decreto n. 57, de 4 de maio, que deu instruções sobre a maneira de se proceder às eleições gerais e provinciais, alterando diversos pontos das instruções de 26 de março de 1824. Esse ato extinguiu os votos por procuração, regra bastante criticada na ocasião das “eleições do cacete”. Por outro lado, permitiu a intervenção no processo eleitoral por meio da alteração da atribuição da mesa eleitoral, que perdeu a função de qualificar os eleitores aptos à votação. A qualificação passou a ser feita previamente à eleição por uma junta composta pelo juiz de paz, o pároco e o delegado de polícia, este último, agente do governo e figura-chave na manipulação dos resultados, conforme denúncias da época (Faria, 2019; Saba, 2011).
Em 19 de agosto de 1846, foi aprovada a primeira reforma eleitoral, pela lei n. 387. Esta restringiu ainda mais a participação política, recrudescendo os critérios censitários sob alegação de que a inflação teria desvalorizado a renda estabelecida em 1824 e, por conseguinte, ampliado o acesso ao voto. Além de excluir as praças de pré, militares de baixa patente que foram considerados inaptos para exercício do voto, a lei estabeleceu que se calculasse a renda em prata, o que na prática dobrou o valor mínimo para se qualificar como votante (Basile, 2000, p. 142). No que se refere à intervenção do governo no processo eleitoral, a lei tentou neutralizar essa ação por meio da retirada do delegado da composição da mesa eleitoral e da junta qualificadora.
A lei de 1846 sofreu importantes reformas ao longo do Império, sendo a primeira delas por força do decreto n. 842, de 19 de setembro de 1855, que teve como principal característica a introdução do voto distrital, dividindo as províncias em distritos proporcionais ao número de deputados a que cada uma tinha direito na Assembleia Geral. Já o decreto n. 1.082, de 18 de agosto de 1860, aumentou para três o número de deputados, além de promover outras alterações nas regras eleitorais (Jobim; Porto, 1996).
O decreto no 2.675, de 20 de outubro de 1875, promoveu uma nova reforma eleitoral que ficou conhecida como Lei do Terço. Esse ato alterou o número de eleitores das assembleias paroquiais com base no censo de 1872; criou dos títulos [criou os títulos] de qualificação de votantes; e introduziu o critério do terço, determinando que nas eleições primárias e secundárias os votantes e os eleitores votassem em tantos nomes quantos correspondessem a dois terços do número total de representantes (Faria, 2019). Na prática, esse processo dividia os cargos eletivos no Congresso Nacional a serem preenchidos em 2/3 para a maioria e 1/3 para a minoria (Constituição..., 2020).
A última grande reforma eleitoral do Império, conhecida como Lei do Censo ou Lei Saraiva, foi instituída pelo decreto n. 3.029, de 9 de janeiro de 1881, e implementou importantes mudanças. Dentre elas podemos destacar a nomeação para qualquer cargo eletivo por eleições diretas; a extinção das juntas paroquiais de qualificação, transferindo o processo de alistamento aos magistrados; a instituição do título de eleitor e a proibição à participação dos analfabetos. Essa última mudança excluiu boa parte da população do direito ao voto.
Com a Proclamação da República, uma sequência de atos conferiu forma jurídica à organização política do novo regime. O decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, promulgou como modo de governo a república federativa, transformando as ex-províncias em estados, que deveriam, posteriormente, definir suas constituições definitivas, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locais. Já o decreto n. 6, de 19 de novembro, estabeleceu que seriam considerados eleitores todos os cidadãos brasileiros, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que soubessem ler e escrever.
No ano seguinte, o decreto n. 200-A, de 8 de fevereiro, confiou a qualificação às comissões distritais, formadas pelo juiz de paz mais votado, pelo subdelegado de paróquia e por um cidadão alistável, que deveria ser indicado pelo presidente da câmara municipal. O decreto também estabeleceu que as listas definitivas dos votantes seriam organizadas pelo juiz municipal do termo, pelo presidente da câmara e pelo delegado de polícia. Já os recursos de exclusões, ficariam a cargo do juiz de direito da comarca.
Ainda em 1890, foi promulgado o decreto n. 511, de 23 de junho, que definia as diretrizes para a eleição do Congresso Constituinte. Esse ato ficou conhecido como Regulamento Alvim, e estabeleceu a composição das mesas eleitorais nos distritos, bem como a sua atuação no processo eleitoral. Pelo regulamento, as mesas seriam compostas por cinco membros, nomeados pelo presidente da câmara, também responsável pela resolução de quaisquer dúvidas e incidentes no pleito que ocorressem antes da composição da mesa. No caso do distrito-sede do município, a mesa seria presidida pelo presidente da câmara e composta por dois vereadores e dois eleitores.
Diversos aspectos relativos às eleições estiveram presentes na Constituição de 1891, que permitiu o direito ao voto aos maiores de 21 anos, excluindo os mendigos, analfabetos e as praças de pré, exceção feita aos alunos das escolas militares de ensino superior e aos religiosos. Poderiam ter os direitos políticos suspensos aqueles que apresentassem incapacidade física ou moral, e condenação criminal, enquanto durassem os seus efeitos. A perda do direito também estava prevista no caso de naturalização estrangeira ou de aceitação de emprego ou pensão de governo estrangeiro, sem licença do Poder Executivo federal. As pessoas não qualificadas para votar também ficavam inelegíveis. No que se refere à inclusão social, a Carta de 1891 não ampliou o acesso à cidadania, derrubando apenas o critério censitário, mas mantendo o veto aos analfabetos e mendigos, além de não ter previsto o voto feminino (Constituição..., 2020).
Durante a Primeira República, a política esteve relacionada ao coronelismo, fenômeno abordado de várias formas pelos estudiosos do período. Grosso modo, consistia em práticas de mandonismo e/ou clientelismo entre um latifundiário local e seus subordinados. Essa relação era responsável pelo controle dos votos das pessoas dependentes do coronel, prática conhecida como ‘voto de cabresto’, que ajudaria a eleger os candidatos apoiados pelos coronéis e, desse modo, manter seus privilégios. Alguns autores, no entanto, não creditam ao voto o resultado das eleições, mas sim às fraudes, como a modificação das atas eleitorais e a manipulação da diplomação dos eleitos (Pinto, 2017, p. 361-382).
O processo eleitoral nesse período tinha início com a fase pré-eleitoral, quando eram realizados o alistamento, a divisão do território em seções e a constituição das mesas eleitorais. O segundo momento era o dia da votação, fase intermediária na qual se fazia a apuração dos resultados. E finalmente a última fase, conhecida como terceiro escrutínio, que era a do reconhecimento dos eleitos, e ficava a cargo dos legisladores federais, constitucionalmente instituídos para essa tarefa. No caso das eleições presidenciais, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal deveriam se reunir em sessão conjunta no Congresso Nacional para analisá-las. Já nos pleitos para as casas legislativas que compunham o Congresso, competia a cada uma julgar a eleição de seus respectivos membros (Ricci; Zulini; 2021, p. 21).
A disputa pelo controle do processo eleitoral era muito acirrada entre as forças políticas, que buscavam monopolizar o alistamento, a eleição das mesas eleitorais e a organização do pleito, desde a escolha dos edifícios-sede de seções eleitorais até a prática de levar os eleitores às urnas. As denúncias de fraudes ocorriam no recrudescimento dessa disputa e se davam, geralmente, quando determinado grupo local perdia o controle sobre a burocracia eleitoral. Por outro lado, quando um pleito não era contestado, significava que existia a hegemonia de uma força política sobre as fases eleitorais no município e, por extensão, no distrito eleitoral. Em muitos casos, a fraude seguia as várias etapas até chegar ao Congresso Nacional, última instância em que se praticava o exame das atas eleitorais, e, eventualmente, alguns candidatos não eram empossados. Essa prática ficou conhecida como degola (Ricci, 2021, p. 48).
O decreto n. 35, de 26 de janeiro de 1892, foi a primeira lei eleitoral federal que se seguiu à Constituição. Dentre diversos aspectos relativos ao processo eleitoral, o decreto definiu o sistema de lista incompleta, que os distritos teriam três deputados e que uma assembleia, composta por vereadores e seus imediatos, seria responsável por dividir os distritos em seções e eleger cinco membros efetivos e os suplentes das comissões secionais. Estas, por sua vez, fariam o alistamento eleitoral, cabendo qualquer recurso à comissão municipal, composta pelo presidente do governo municipal e das comissões secionais. Caso a comissão municipal julgasse necessário, poderia recorrer à junta eleitoral, formada em cada estado pelo juiz federal, seu substituto e pelo procurador secional da República. As mesas eleitorais tiveram a mesma organização das comissões secionais de alistamento e continuaram responsáveis pela apuração dos votos, sendo a apuração final, baseada nas atas, realizada por uma comissão presidida pelo presidente do governo municipal e formada pelos cinco vereadores mais votados e pelos cinco cidadãos que se seguiam em votos ao vereador menos votado (Leal, 1997, p. 253-254).
Em 1898, Campos Sales assumiu a presidência, promovendo um arranjo político que ficou conhecido como ‘política dos governadores’ ou ´política dos estados’, baseado no compromisso presidencial de não intervir nos conflitos regionais em troca da garantia do pleno controle sobre o Congresso. Para isto, o governo se utilizou de manobras políticas buscando minimizar a influência das oposições, além de selar acordos com as oligarquias dominantes nos estados. Tal política é considerada a última etapa da montagem do sistema oligárquico, que permitiu o controle do poder central pela oligarquia cafeeira, em especial as de Minas Gerais e São Paulo (Política..., s.d.).
A lei n. 1.269, de 15 de novembro de 1904, conhecida como Lei Rosa e Silva, reformou a legislação eleitoral e, dentre as mudanças mais emblemáticas, aumentou para cinco o número de deputados de cada distrito, e manteve a lista incompleta, associada ao voto cumulativo. Também estendeu o processo de alistamento às eleições estaduais e municipais, e ele seria realizado por uma comissão especial nos municípios, composta por dois dos maiores contribuintes de impostos prediais, dois dos maiores contribuintes de impostos sobre propriedade rural e três cidadãos comuns, eleitos por membros do governo municipal. Essa configuração permitiu que os mais ricos controlassem quem estaria apto a participar do pleito (Leal, 1997, p. 254; Ricci, Zulini; 2021, p. 23-25).
A lei também previu a fiscalização dos trabalhos de alistamento, impedindo a recusa de qualquer cidadão alistável, residente no município, que se apresentasse como representante de agremiação política, e requeresse ser admitido como fiscal dos trabalhos, e previu ainda que as atas nas quais se mencionariam o número total e os nomes dos cidadãos incluídos e os dos não incluídos deveriam trazer as assinaturas dos membros da comissão e dos fiscais. Isso possibilitou que forças políticas distintas pudessem disputar o alistamento dos eleitores (Ricci, Zulini; 2021, p. 23-25).
A apuração final das atas ficou a cargo dos presidentes das câmaras municipais do distrito eleitoral, sob presidência do substituto do juiz federal. A contagem dos votos permaneceu sob responsabilidade das mesas eleitorais. Um outro aspecto interessante da lei de 1904 foi a possibilidade de recurso junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) (Leal, 1997, p. 254; Ricci; Zulini, 2021, p. 23-25).
A última reforma eleitoral instituída na Primeira República ocorreu em 1916, por meio de dois atos. A lei n. 3.139, de 2 de agosto, reconheceu a competência dos estados para regularem o alistamento estadual e municipal, anulou o alistamento anterior e confiou a qualificação para as eleições federais aos juízes de direito. A qualificação poderia ser solicitada em qualquer dia útil do ano, e os recursos passaram a ser encaminhados à junta estadual, composta pelo juiz federal, seu substituto e pelo procurador-geral da justiça local. Já a lei n. 3.208, de 27 de dezembro, transferiu a apuração geral para as capitais, sob responsabilidade de uma junta apuradora formada por um juiz federal, seu substituto e um representante do ministério público. As mesas eleitorais conservaram a incumbência de apurar os votos, logo após o encerramento do pleito (Leal, 1997, p. 255).
A legislação de 1916 também não conseguiu pôr fim às fraudes eleitorais, problema que se tornou reivindicação dos grupos oposicionistas ao governo oligárquico. A Aliança Liberal, que lançou Getúlio Vargas à presidência em 1929, por exemplo, defendia reformas no sistema político, a adoção do voto secreto e o fim das fraudes eleitorais (Pandolfi, 2007, p. 16). O movimento sufragista também ganhou força nos últimos anos da Primeira República, reivindicando que as mulheres pudessem votar. Esse direito foi alcançado em 1927, apenas no Rio Grande do Norte, quando o alistamento eleitoral feminino foi reconhecido (Karawejczyk, 2019).
Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas buscou reorganizar as leis do país, por meio do decreto n. 19.459 de 6 de dezembro de 1930, que instituiu uma Comissão Legislativa, sob a presidência de honra do ministro de Estado da Justiça, para elaborar projetos de revisão ou reforma da legislação civil, comercial, penal, processual da justiça federal e do Distrito Federal, bem como sua organização judiciária, além de outras matérias indicadas pelo mesmo ministro. O decreto também estabeleceu que seriam criadas subcomissões para elaboração de propostas. Dentre elas, foi formada uma subcomissão para propor alterações no processo eleitoral, e seus trabalhos deram origem ao Código Eleitoral.
O Código Eleitoral, aprovado pelo decreto n. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, instituiu o voto feminino, o voto secreto e limitou a 18 anos a idade mínima do eleitor. Outra importante inovação foi atribuir o alistamento, a apuração dos votos, o reconhecimento e a proclamação dos eleitos à Justiça Eleitoral (Leal, 1997, p. 257). As transformações instituídas pelo código, não só garantiram a lisura do pleito, mas também representaram um grande avanço em termos de direitos políticos.
Louise Gabler
Abr. de 2024
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ZULINI, Jaqueline Porto; RICCI, Paolo. A representação política na Primeira República (1889-1930): um processo disputado desde o alistamento até o reconhecimento dos eleitos. In: RICCI, Paolo (org.). As eleições na Primeira República, 1889-1930. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2021.
Referência de Imagem
Arquivo Nacional, Coleção Fotografias Avulsas, BR_RJANRIO_O2_0_FOT_00489_d0016