Cortejo fúnebre de um membro da irmandade de Nossa Senhora da Conceição, em aquarela incluída no álbum Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret
Cortejo fúnebre de um membro da irmandade de Nossa Senhora da Conceição, em aquarela incluída no álbum Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret

A Provedoria dos Defuntos e Ausentes foi criada em 13 de dezembro de 1613, com a função de arrecadar, administrar e conhecer todas as causas referentes aos bens dos defuntos e ausentes que não deixassem procuradores nomeados em seus testamentos.

O cargo de provedor dos Defuntos e Ausentes integrava uma categoria da administração lusa, a dos provedores, que fazia parte de uma estrutura bastante especializada, mas periférica, da administração real. Os provedores, como um todo, acumulavam uma variada gama de atribuições, abrangendo duas grandes áreas de competência: a primeira era a tutela dos interesses dos titulares que não estivessem em condições de administrá-los, como os defuntos, ausentes, órfãos, cativos, ou de pessoas coletivas, como confrarias, capelas e hospitais; a segunda era constituída pelas matérias de finanças, tendo que verificar livros, cuidar de arrendamentos reais, tomar contas de almoxarifes e recebedores, entre outras funções (Hespanha, 1994, p. 206-209).

Quanto aos ausentes, cabia ao provedor administrar seus bens e entregá-los a quem os reclamasse, dando apelação e agravo para a justiça ordinária. No caso dos órfãos, o cargo superintendia a administração da sua fazenda e das atividades dos juízes dos órfãos, em relação aos quais tinha jurisdição cumulativa e de quem recebia os agravos, dando apelação para a relação da área. No que tocava às capelas, hospitais, albergarias e gafarias, supervisionava a administração dos que não fossem de fundação ou administração eclesiástica ou dos que não estivessem sob proteção imediata do rei (Hespanha, 1982, p. 228).

Em Portugal, a Provedoria dos Defuntos e Ausentes foi regulada em 1588, e o regimento de 1613 continha disposições específicas para o funcionamento dos órgãos além do Brasil, em Açores, Cabo Verde, São Tomé e outras possessões ultramarinas. Nesses lugares, essas repartições deveriam contar com provedor, tesoureiro e escrivão. Em Lisboa, existia o cargo de tesoureiro-geral, que deveria tomar as contas das provedorias de todo o Reino e domínios, ficando a Mesa da Consciência e Ordens encarregada da tutela desses órgãos.

De acordo com o regimento de 1613, ao provedor competia ir à casa da pessoa falecida sem herdeiros na terra e fazer, junto com o tesoureiro e o escrivão, o inventário dos bens móveis e de raiz, escrituras e papéis. Nesse inventário constariam informações sobre o defunto e nele se trasladariam os testamentos, se os houvesse.

Toda fazenda móvel lançada no inventário seria enviada para leilão em praça pública, cabendo ao provedor vendê-las a seu justo preço. No caso dos imóveis, o leilão somente ocorreria com o consentimento dos herdeiros. Se o defunto fosse credor, os oficiais da provedoria cobrariam as dívidas, sendo o dinheiro arrecadado colocado em um cofre. Se ele tivesse dívidas, estas seriam pagas com sua própria fazenda.

O regimento também regulava os procedimentos em caso de morte em navios, detalhando as atribuições dos capitães, mestres, pilotos e escrivães na realização dos inventários, e abrangia os casos de defuntos e ausentes ligados às ordens religiosas.

Os inventários e toda a informação sobre receita e despesa deveriam ser copiados nos livros pertencentes ao tesoureiro, que seriam remetidos para a Mesa de Consciência e Ordens. O dinheiro também iria para Lisboa, depois de descontadas as despesas, para que o tesoureiro-geral o distribuísse aos herdeiros. As certidões das justificações, assim como as ações dos credores que ultrapassassem a quantia de dez mil-réis, seriam enviadas ao juiz das Justificações de Guiné, Índia e Mina, onde corriam os processos dos que se queriam habilitar aos bens dos falecidos no ultramar e que haviam estado a serviço do rei (Portugal, 1998a, p.139).

Os sepultamentos dos defuntos deveriam ser providenciados pelos oficiais da provedoria, bem como seus testamentos, caso houvesse legados por sua alma ou para obras pias. Geralmente, a encomenda da alma ocupava um espaço grande nos testamentos, segundo a tradição católica, junto com os pedidos de missas e da doação de esmolas a pobres e legados a igrejas, irmandades e hospitais (Faria, 2001b, p. 411).

O provedor também funcionaria como instância judicial, competindo-lhe conhecer todas as causas dos defuntos, relacionadas à sua fazenda e arrecadação, e tendo a mesma alçada, no julgamento, dos corregedores e ouvidores das capitanias, dando apelação e agravo, nos casos que não lhe coubesse, para a Casa da Suplicação. Poderia, ainda, convocar qualquer um dos oficiais nomeados para comparecerem à Mesa de Consciência e Ordens em Portugal.

Em relação à administração da provedoria, o regimento determinava que todos os funcionários fossem nomeados pelo rei. Ao provedor cabia tomar as contas aos tesoureiros a cada seis meses e nomear os oficiais quando se fizessem necessários, com o parecer do bispo, provisor ou vigário-geral. O regimento também informava sobre os ordenados dos oficiais das provedorias e previa punições para os descumprimentos legais.

A legislação portuguesa da época indica que algumas provedorias funcionavam no âmbito das capitanias, mas o mais comum era que se limitassem às comarcas, e menciona que algumas provedorias dos Defuntos e Ausentes atuavam na administração dos bens das capelas e resíduos.

A vinda da corte para o Brasil, em 1808, e a montagem do aparato administrativo na nova sede do Reino não promoveram alterações na administração das provedorias dos Defuntos e Ausentes. Na estrutura do Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, foi criado o cargo de promotor fiscal dos defuntos e ausentes, a quem competia fiscalizar a arrecadação das fazendas. Em 1817, a decisão n. 33 mandou que as contas dos oficiais dos Defuntos e Ausentes fossem tomadas pelo Erário Régio, conforme ocorria em Portugal desde 1774.

A lei de 22 de setembro de 1828, que extinguiu a Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, encarregou os juízes dos órfãos de entregar os bens dos defuntos e ausentes aos parentes mais próximos e de administrar as habilitações dos herdeiros, atribuição que antes pertencia ao Juízo da Índia e Mina, com recurso ex officio para a Mesa da Consciência e Ordens. Em 1830, a lei de 3 de novembro extinguiu a Provedoria dos Defuntos e Ausentes, confirmando a passagem da administração dos bens dos defuntos e ausentes para a esfera de atuação dos juízes de órfãos.


Angélica Ricci Camargo
Abr. 2013

 

Fontes e bibliografia
FARIA, Sheila Castro. Herança. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001a. p. 280-281.

______. Morte. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001b. p. 410-412.

HESPANHA, António Manuel. História das instituições: épocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982.

______. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.

PORTUGAL. JUÍZO da Índia e Mina. In: PORTUGAL. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Guia geral dos fundos da Torre do Tombo. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1998a. p. 138-139.

______. JUÍZO das Justificações Ultramarinas. In: PORTUGAL. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Guia geral dos fundos da Torre do Tombo. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1998b. p. 139.

______.. Regimento dos oficiais da Fazenda dos Defuntos e Ausentes. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1613-1619. Lisboa, p. 69-78, 1855. Disponível em: https://goo.gl/BAVEuc. Acesso em: 10 nov. 2008.

SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_4J Mesa da Consciência e Ordens
BR_RJANRIO_7X Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
BR_RJANRIO_4K Mesa do Desembargo do Paço


Referência da imagem
Jean-Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, epoques de l‘avénement et de I‘abdication de S.M. D. Pedro 1er. Paris: Firmind Didot Frères, 1834-1839. Arquivo Nacional, OR_1909_V3_PL26