O Hospital Real Militar da Bahia foi criado em 4 de outubro de 1799, data em que o governador, d. Fernando José de Portugal, emitiu ofício para d. Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, noticiando a utilização do antigo Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus, para este fim. No documento, d. Fernando reclamava das acomodações da Santa Casa da Misericórdia, mas afirmava serem desnecessárias maiores despesas com a construção de um novo hospital, podendo ser aproveitado o edifício do extinto Colégio dos Jesuítas para o recolhimento dos doentes (Britto, s.d., Hospital Real…).
Até a expulsão dos jesuítas, em 1759, a assistência médica prestada nas enfermarias jesuíticas era uma fonte quase exclusiva de assistência médica e fornecimento de medicamentos, atuando também como parte do esforço de ocupação dos portugueses na colônia brasileira. Durante o período colonial, os jesuítas dedicaram-se à tarefa missionária e educacional no Reino e domínios ultramarinos, encarregando-se ainda do tratamento de doenças e epidemias, da fundação de hospitais, do estudo de plantas curativas da região e do estabelecimento de boticas e enfermarias em seus colégios na Europa, África, Oriente e Brasil. Seguindo esta tarefa missionária, eles fundaram, em 1553, o Colégio da Bahia, onde funcionou uma importante botica que disponibilizava medicamentos gratuitos para os necessitados (Calainho, 2005, p. 62-63).
Além das enfermarias jesuíticas, as irmandades da Misericórdia, instituídas no Brasil ainda na primeira metade do século XVI, serviam como um importante espaço de tratamento e cura dos militares. Organizadas de forma similar às de Portugal, as irmandades da Misericórdia estabeleceram-se nas principais vilas da colônia, onde realizaram obras como a instalação de hospitais, hospedarias, casas de criação e educação de enjeitados, recolhimentos, oficinas, lazaretos e hospícios (Santos Filho, 1947, p. 337-344).
O tratamento das tropas militares estacionadas nas colônias, inclusive de presos e condenados, era realizado nessas enfermarias, sendo as santas casas ressarcidas pelos gastos com cada soldado ou marinheiro assistido. Na Bahia, a Santa Casa da Misericórdia estabeleceu, em 1549, o primeiro hospital da cidade de Salvador, mais tarde conhecido como São Cristóvão. Constantes reclamações davam conta da precariedade do atendimento aos militares nas dependências do hospital da Santa Casa, que, em 1761, achavam-se divididas em enfermarias da caridade, milícias da praça e equipagem das naus da Coroa (Britto, s.d., Hospital Real…).
Na verdade, desde o fim do século XVII as instalações das santas casas mostravam-se insuficientes nas principais vilas coloniais, sendo montadas também pequenas enfermarias nos alojamentos das tropas para o atendimento de casos menos graves. Com a expulsão da Companhia de Jesus, em 1759, o marquês de Pombal mandou aproveitar os edifícios dos colégios jesuíticos para instalação de hospitais militares. No Rio de Janeiro, foi estabelecido o Hospital Real Militar, em 1768, em substituição à enfermaria do Quartel das Naus, localizada no morro de São Bento (Santos Filho, 1947, p. 365-366).
Na Bahia, a insuficiência das acomodações da Santa Casa acentuava-se em momentos de crise, como o alerta sobre a possibilidade de invasão pelos espanhóis, ou em face de surtos epidêmicos, como a varíola, ambos em 1776. Nessa ocasião, foram montados dois hospitais provisórios, com a transformação em hospitais militares do então desativado Hospício da Palma e do extinto Colégio dos Jesuítas. No primeiro foram recolhidos os que padeciam de pequenas moléstias, enquanto que para o colégio jesuítico foram transferidos os atacados pela varíola. O hospício da Palma e o hospital militar do Colégio dos Jesuítas continuariam funcionando após esta data, administrados pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
Em 1780, o hospital militar alojado no Colégio dos Jesuítas foi desativado, concentrando-se a assistência aos soldados no hospício da Palma, mais tarde denominado Hospital Militar do Quartel da Palma (Britto, s.d., Hospital Real…). Foi apenas sob o governo de d. Fernando José de Portugal que, segundo o ofício de 4 de outubro de 1799, o antigo Colégio dos Jesuítas foi reocupado, transformando-se no Hospital Real Militar da Bahia e tendo como encarregado da inspeção das obras Francisco Gomes de Sousa, contador da Real Fazenda. O início do funcionamento do Hospital Real Militar teria ocorrido em setembro ou outubro, ocasião em que já há registro de documentos solicitando cargos e o fornecimento das drogas que fossem necessárias (Britto, s.d., Hospital Real...).
Não encontramos qualquer regulamentação específica relacionada ao Hospital Real Militar da Bahia. Conforme indica a decisão n. 3, de 22 de fevereiro de 1808, seria observado na Bahia, naquilo que fosse aplicável, o regulamento para os hospitais militares impresso em 1805, em substituição ao de 7 de agosto de 1797, enquanto não se procedesse a uma norma particular para este hospital. No entanto, a análise da legislação sugere que essas disposições não foram integralmente seguidas na colônia, não sendo possível precisar a partir dos atos legais a composição da estrutura do Hospital Real Militar da Bahia.
Segundo Nogueira Britto, em 1806, o Hospital Militar da Bahia era administrado pelo médico sargento-mor inspetor Caetano de Abreu de Lima Alvarenga, integrando ainda sua estrutura o cirurgião-mor José Soares de Castro; o médico Luís Fernandes Alvarenga; dois cirurgiões ajudantes, procedentes de regimentos, que poderiam ser auxiliados por outros colegas, em caso de necessidade; dois enfermeiros; e um capelão. Tal como nos seus congêneres, ficava previsto o funcionamento de uma botica no Hospital Real Militar da Bahia, que forneceria medicamentos para os internos e, mediante pagamento, para a população civil (Britto, s.d., Hospital Real…; Santos Filho, 1947, p. 367).
Os hospitais militares eram subordinados ao governador e capitão-general da capitania, de acordo com o previsto na organização das forças militares portuguesas (Santos Filho, 1947, p. 366). No entanto, segundo a legislação, a inspeção dos hospitais militares nas capitanias estava sujeita também aos delegados do físico-mor do Exército.
Em 1808, com a invasão das tropas napoleônicas, a Corte portuguesa transferiu-se para o Brasil, o que impôs a organização de um aparato institucional capaz de fazer face às novas exigências administrativas. Em sua passagem por Salvador, a pedido de José Correia Picanço, d. João criou a Escola de Cirurgia da Bahia, pela decisão n. 2, de 18 de fevereiro. As lições teóricas da escola eram dadas em uma das salas do Hospital Real Militar, enquanto as aulas práticas eram realizadas em uma de suas enfermarias. Posteriormente, a carta régia de 22 de setembro de 1809 determinou que o cirurgião-mor agregado ao 1º Regimento do Infante, João Pereira de Miranda, fosse encarregado da instrução facultativa teórica e prática dos cirurgiões ajudantes dos regimentos daquela guarnição.
O orçamento para o ano financeiro de 1832, aprovado pela lei de 15 de novembro de 1831, autorizava o governo a reformar os hospitais militares existentes ou substituí-los por hospitais regimentais. De fato, o decreto de 17 de fevereiro de 1832 realizou essa mudança, transformando os hospitais militares em regimentais, sendo o Hospital Real Militar da Bahia transferido para o Quartel da Palma, com a denominação de Hospital Regimental (Britto, s.d., 195 anos…).
Dilma Cabral
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
BRITTO, Antônio Carlos Nogueira. 195 anos de ensino médico na Bahia. Disponível em: https://goo.gl/iYgtyn. Acesso em: 21 out. 2008.
______. Breves notícias compiladas de manuscritos originais e inéditos em derredor do “Hospital da (de) Marinha da Bahia” no século XIX. Disponível em: https://goo.gl/v3jV5H. Acesso em: 21 out. 2008.
______. Hospital Real Militar da Bahia: 4 de outubro de 1799 é a verdadeira e exata data da sua criação. Disponível em: https://goo.gl/2d5rQr. Acesso em: 21 out. 2008.
CALAINHO, Daniela Buono. Jesuítas e medicina no Brasil colonial. Tempo, Rio de Janeiro, n. 19, p. 61-75, 2005. Disponível em: https://goo.gl/NWBozS. Acesso em: 21 out 2008.
SANTOS FILHO, Lycurgo dos. História da medicina no Brasil: do século XVI ao século XIX. v. 1. São Paulo: Brasiliense, 1947.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_9S Série Guerra - Hospitais, Corpo de Saúde (IG6)
Referência da imagem
Charles Ribeyrolles. Brasil pitoresco: história, descrições, viagens, instituições, colonização. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1859-1861. Arquivo Nacional, OR_2055