O cargo de intendente-geral da Polícia da Corte e Estado do Brasil foi criado pelo alvará de 10 de maio de 1808 com a mesma jurisdição do intendente de Portugal, criado em 25 de junho de 1760. Com a lei de 29 de novembro de 1832, que promulgou o Código de Processo Criminal, foi criado o cargo de chefe de Polícia, concentrando a direção das atividades da Polícia da Corte, antes pertencentes ao intendente. A partir desta data, ocorreu uma mudança de nome de Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil para Polícia da Corte.
Em 1808, a decisão n. 15, de 22 de junho, aprovou o plano do primeiro intendente, o desembargador do Paço Paulo Fernandes Viana, criando dentro da estrutura da intendência o posto de oficial de Polícia e uma secretaria. Conforme o modelo já estabelecido em Lisboa, os trabalhos da secretaria seriam divididos entre três oficiais com suas respectivas áreas de atuação. Haveria ainda um oficial-mor e um praticante, que também serviria de porteiro. Um alcaide, com escrivão, e dez meirinhos executariam as diligências do órgão (CABRAL, 2011).
Ainda conforme esse plano, coube à Intendência de Polícia uma gama de atribuições que envolviam desde os temas segurança pública, salubridade, urbanização e embelezamento da cidade até a solução de conflitos familiares e conjugais, passando também pelo recrutamento militar. Ficou previsto ainda que o órgão obteria rendimentos por meio da concessão de licenças entre outros emolumentos, sendo criada posteriormente uma contadoria encarregada de regular apropriadamente sua receita e despesa conforme o decreto de 17 de março de 1821. No mesmo ano de 1808, a área de atuação da intendência ganhou abrangência a partir da decisão n. 16, de 23 de junho, que ordenava que os governadores capitães-generais executassem as ordens remetidas pelo intendente aos magistrados das capitanias. Pouco tempo depois, o alvará de 27 de junho de 1808 criou dois cargos de juízes do crime em dois bairros da Corte, que auxiliavam o intendente, efetuando suas determinações relativamente ao policiamento da cidade do Rio de Janeiro (SILVA, 1986; CABRAL, 2011).
Nesse período, o significado do termo “polícia” ia além da manutenção da ordem e segurança pública, pois englobava uma gama de atribuições sob a responsabilidade do intendente descritas por ele mesmo na Abreviada demonstração dos trabalhos de Polícia em todo o tempo que a serviu o desembargador do Paço Paulo Fernandes Viana de 5 de abril de 1808 a 26 de fevereiro de 1821 (VIANA, 1892). Responsável pela organização administrativa da intendência, Viana descreveu com detalhes suas inúmeras intervenções no espaço urbano para tornar a nova sede do Reino luso-brasileiro uma cidade civilizada conforme os padrões europeus então em voga. Nesse documento, descreveu os melhoramentos que realizou como o aterramento de pântanos e lagoas, a construção de calçadas e estradas fora do perímetro urbano, para facilitar o abastecimento dos gêneros alimentícios, de chafarizes de uso público e do cais do Valongo, iluminados por lampiões a óleo de baleia, obras de ampliação da cadeia do Aljube entre outras realizações que faziam parte da sua tarefa de administrar a cidade.
O intendente registrou ainda a existência de uma polícia particular que fora instituída a partir da instalação da Corte joanina em terras brasileiras. Nesse contexto, a França surgia como uma ameaça que demandava atuação de uma polícia mais eficiente para garantir a segurança do monarca diante da eventual presença de “mensageiros” daquele país e da circulação das “temíveis” ideias liberais que vinham perturbar “a tranquilidade do Brasil e a fomentar a desordem das Américas espanholas” (VIANA, 1892, p. 379). Assim, além da vigilância estrita quanto ao ingresso e permanência de estrangeiros, ficou também sob a sua responsabilidade o controle sobre os impressos que aqui chegavam e a segurança do soberano e da família real nas cerimônias e eventos festivos realizados no Rio de Janeiro (Idem).
Em 1809 foi instituída, pelo decreto de 13 de maio, a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia, subordinada ao intendente, suprindo a escassez de pessoal para cumprimento das determinações referentes ao policiamento urbano. Essa instituição policial militarizada surgiu num momento em que a cidade do Rio de Janeiro – a Corte – passava por grandes transformações urbanísticas concomitantes a um crescimento significativo do volume de transações comerciais até então efetuadas, o que atraía um fluxo incessante de pessoas atrás de novas oportunidades, exigindo, assim, a criação de mecanismos mais eficazes de controle e repressão da população urbana. Com a falta de recursos disponíveis para a organização da Guarda Real, o próprio intendente conseguiu, por meio de doações provenientes dos grandes proprietários, os terrenos para a construção de quartéis, além de providenciar, através de crédito particular, os soldos e o fardamento para as suas tropas (BRETAS, 1998, p. 5).
A organização de uma polícia moderna no Império, separada das demais instâncias de poder, teve sua origem ligada às instituições portuguesas que foram transplantadas para o Rio de Janeiro com a vinda da Corte. Essas forças policiais da administração joanina, tanto a Intendência-Geral de Polícia como a Divisão da Guarda Real, sofreram algumas transformações efetuadas pela elite política, proprietária de terras e escravos, que deu início ao processo de independência do país, pois precisava de novos instrumentos de coerção controlados pelo poder público que suplantassem as antigas instituições coloniais então vigentes.
Na década de 1820, portanto, o controle e a repressão da população escrava já se encontravam nas mãos do Estado por intermédio da Guarda Real, que efetuava a captura de cativos fugidos a qualquer momento que tal comissão lhe fosse designada, substituindo, assim, o capitão-do-mato, que se tornara um instrumento de controle pouco eficaz, além de representar uma interferência privada inconveniente num assunto que paulatinamente passou a ser da área de atuação do poder público.
Cabia ainda à Guarda Real atuar na vigilância e no patrulhamento ostensivo de praças, parques e vias públicas e da zona portuária, para impedir a reunião nesses locais de grupos de escravos e de negros e homens pobres livres, prendendo os que agissem de maneira suspeita ou por porte de armas ou de quaisquer outros instrumentos que pudessem matar ou ferir. Desde o início, essa nova força policial contou com o então coronel Miguel Nunes Vidigal, que ocupou primeiramente o posto de auxiliar de oficial, quando José Maria Rabelo era o comandante da Guarda Real, passando em 1821 a 2º comandante desse corpo de polícia. Vidigal e seus granadeiros ficaram conhecidos pela truculência então utilizada no policiamento da cidade, particularmente no ato da prisão dos escravos que praticavam a capoeira.
Em fevereiro de 1821 ocorreu a saída – em razão de manifestações de protesto – de Paulo Fernandes Viana, no cargo desde 1808, que foi substituído por João Inácio da Cunha. Esse intendente implementou algumas medidas de cariz reformador, adotadas durante a regência de d. Pedro I, visando a regulamentar as práticas policiais e judiciais. Assim, no período entre 1821-2 ocorreu de fato uma tentativa de controlar a violência policial então praticada – alvo da crítica dos reformadores liberais do período – contra os infratores da ordem estabelecida. Denominado pela historiografia de ’interlúdio liberal’, esse período teve alcance bastante reduzido, pois logo após, uma nova legislação autorizou o uso dos açoites pelas forças policiais no ato da prisão dos escravos, sendo depois remetidos para a prisão do Calabouço onde aguardariam o resgate pelos seus senhores, mediante pagamento ao Estado pelos custos referentes ao tempo de sua detenção (HOLLOWAY, 1977, p. 56-7 e 73).
Posteriormente, a intendência adotou uma medida drástica que permitia o açoitamento e a detenção de escravos que fossem encontrados em quaisquer espaços públicos após o toque de recolher. Instituído pelo sexto intendente da Polícia, Francisco Alberto Teixeira de Aragão, em 1825, essa determinação, que ficou conhecida como o ’toque de Aragão’, visava restringir a circulação especialmente de escravos nas ruas da Corte, mas também de homens livres pobres e até estrangeiros sem documentos, a partir das 22 horas no verão e 21 no inverno. A intendência manteve tal instrumento discricionário de controle e policiamento da população urbana que habitava a capital do Império luso-brasileiro até 1878 (CHAZKEL, 2013, p. 31-48; HOLLOWAY, 1997, p. 58-61).
Na década de 1830,na esteira das revoltas e rebeliões que se seguiram à abdicação de d. Pedro I em abril de 1831, ocorreu no dia 14 de julho o motim das unidades da Guarda Real, que, por esse motivo, foi então extinta, sendo substituída pelo Corpo de Guardas Municipais Permanentes.
Após o fim da Guarda Real, o Código do Processo Criminal extinguiu, em 1832, o cargo de intendente, último resquício do sistema policial do período joanino. No seu lugar foi criado o posto de chefe de Polícia, que herdou os recursos e o quadro de pessoal da intendência. No entanto, esse texto legal não definiu sua competência ou sua jurisdição, assinalando apenas que nas cidades com maior densidade populacional, onde poderiam existir até três juízes de direito, um deles seria o chefe de Polícia (BRASIL. Código do Processo Criminal (1832), art. 6).
No entanto, a partir da promulgação desse código, o juiz de paz se tonou uma figura proeminente, não só na fase inicial dos processos nos distritos mas, principalmente, em razão da extraordinária ampliação de suas atribuições policiais locais e no julgamento de infrações menores. Cabia ao juiz julgar as contravenções às posturas das Câmaras Municipais e os crimes cujas penas eram leves conforme definidas pelo Código do Processo Criminal. Ao juiz de paz competia, ainda, auxiliado pelos inspetores de quarteirão, vigiar os suspeitos, conceder passaportes, obrigar a assinar termo de bem viver aos vadios, mendigos, prostitutas, bêbados e todos os que perturbassem a ordem pública estabelecida (BRASIL. Código do Processo Criminal (1832), art. 6, parágrafos 1º ao 7º; IGLÉSIAS, 1993, p. 149; SLEMIAN, 2008, p. 203; HOLLOWAY, 1997, p. 156).
As atribuições do chefe de Polícia, cuja condição sine qua non para ocupação do cargo era ser juiz de direito, foram regulamentadas pelo decreto de 29 de março de 1833, cabendo-lhe a prevenção dos delitos e a manutenção da segurança, tranquilidade, saúde e comodidade pública.
Na Corte, o expediente da Polícia ficou a cargo de uma Secretaria, cujo regulamento foi instituído posteriormente pelo seu chefe, mediante aprovação do governo, determinando as obrigações de seus empregados Quando Eusébio de Queiroz assumiu o cargo, em 1833, permanecendo até 1844, deu início à sua reestruturação, renovou suas atribuições e estabeleceu novos procedimentos, que a tornariam mais tarde uma instituição capacitada para exercer as responsabilidades que o chefe de Polícia passou a ter com a reforma judicial da década de 1840. Esse novo órgão passou então a contar com um oficial maior e cinco amanuenses, responsáveis por todo o seu expediente, incluindo-se aí os registros das prisões e de estrangeiros, que antes pertenciam ao intendente, mas passaram à responsabilidade do recém-criado cargo de chefe de Polícia. Foi estabelecida ainda uma seção cujo funcionário chefe (o antigo alcaide) e mais seis oficiais de expediente (antes denominados meirinhos) cumpriam diversas tarefas entre as quais a coordenação de repressão aos quilombos (HOLLOWAY, 1997, p. 110-1). Eusébio de Queiroz foi responsável ainda pela organização de uma corporação policial constituída pelos ‘pedestres'. Essa corporação e a Secretaria de Polícia dariam origem a futura Polícia Civil. Esta última foi criada pelo decreto n. 3.598 de 27 de janeiro de 1866, que também extinguiu os ‘pedestres’ (ABREU, 2002, p. 583-5; HOLLOWAY, 1997, p. 110-111).
Ainda conforme o decreto de 29 de março, os juízes de paz foram obrigados a partilhar imediatamente ao chefe de Polícia todos os eventos que ameaçassem a ordem estabelecida e representassem perigo à segurança e à tranquilidade pública, devendo elaborar também uma declaração semanal contendo informações detalhadas sobre os indivíduos que habitavam os seus distritos e, ainda, sobre aqueles que foram obrigados a assinar termo de bem viver, os indivíduos indiciados de crimes ou pronunciados, detidos, ou sobre aqueles que foram retirados ou expulsos do distrito, conforme disposto no Código do Processo. Posteriormente, o chefe de Polícia devia repassar essas informações ao ministro da Justiça, na Corte, e aos presidentes nas províncias.
Na década de 1840, em meio à conjuntura política denominada ’reação conservadora’, ocorreu a reforma do Código do Processo com a lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, que alterou a ordem jurídica extremamente liberal instituída na Regência, restringindo drasticamente o poder do juiz de paz, que, desde a década de 1830, vinha perdendo sua autonomia frente ao governo central (HOLLOWAY, 1997, p. 76). Parte significativa das atribuições desses juízes locais eleitos foi transferida para os chefes de Polícia em toda a província e na Corte, e aos seus delegados nos respectivos distritos, que adquiriram o direito de investigar, expedir mandados de prisão, estipular fianças e até julgar casos menores, como as infrações às posturas municipais (BRASIL. Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, art. 4º, parágrafo 1º). A lei n. 261 alterou ainda a estrutura da Polícia da Corte, que, além do chede de Polícia e da Secretaria, contaria com o auxílio dos delegados e subdelegados.
Essa reforma redefiniu a hierarquia para o exercício da polícia administrativa e do Judiciário, concentrando todo o aparato repressivo nas mãos do ministro da Justiça, que se tornou uma peça central da administração policial nesse período (CARVALHO, 2001, p. 96-7). Nomeava funcionários policiais e todos os juízes, com exceção do juiz de paz. O ministro da Justiça contava, para a manutenção da segurança e tranquilidade públicas, bem como para o cumprimento das leis, com os presidentes e os chefes de Polícia nas províncias, com o chefe de Polícia no Município Neutro, com os juízes municipais nos termos, com os juízes de paz e inspetores de quarteirões nos distritos e com as câmaras municipais nos municípios (BRASIL, 1842, arts. 1º ao 8º) Essa hierarquia centralizada, cujos administradores e encarregados atuavam na prevenção e punição dos crimes definidos pelo Código Criminal de 1830, na repressão aos escravos e ao contingente de homens pobres e livres, bem como no controle da população do Império, possibilitou a manutenção da ordem econômica, política e social então instituída pelo Estado imperial a partir da segunda metade do século XIX (MATTOS, 1990, p. 211 nota 49 e p. 281).
A última reforma referente à organização da força policial no Império ocorreu no início da década de 1870, durante o gabinete conservador do visconde do Rio Branco. A reforma do Código do Processo Criminal vinha sendo duramente criticada pelos liberais desde a sua adoção na década de 1840, devido à excessiva centralização e concentração autoritária de poderes nas mãos dos chefes de Polícia, delegados e subdelegados. A reforma de 1871 teve por finalidade separar as funções policiais da autoridade judicial, conforme determinado pela lei n. 2.033, de 20 de setembro. A partir daí, os chefes de Polícia ainda podiam reunir provas para a formação de culpa do acusado, porém, a decisão final passou a ser da alçada dos promotores públicos e juízes. O veredicto sobre a culpa ou a inocência dos réus não cabia mais ao chefe de Polícia ou aos seus delegados. No entanto, a presteza ou a lentidão com que esses agentes podiam conduzir os inquéritos deixava de fato um considerável poder nas suas mãos em caso de crimes (HOLLOWAY, 1997, p. 228).
Na prática, essa mudança administrativa de orientação modernizante propiciou a profissionalização dos sistemas judicial e policial por ter estabelecido uma hierarquia de cargos distinta e funções especializadas.
Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
23 set. 2015
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Referência da imagem
GRV 157
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1808-1822 e 1889-1930, consulte os verbetes Intendente/Intendência Geral de Polícia da Corte e Estado do Brasil e Polícia do Distrito Federal