Novo edifício do Banco do Brasil, 1892-1894
Novo edifício do Banco do Brasil, 1892-1894

A Inspetoria-Geral dos Bancos foi criada pelo decreto n. 14.728, de 16 de março de 1921, que aprovou o regulamento para a fiscalização dos bancos e casas bancárias, sob a superintendência do Ministério da Fazenda. À ação da inspetoria estavam sujeitas “os bancos, casas bancárias, agências de bancos ou companhias, nacionais ou estrangeiras, e quaisquer pessoas naturais ou judiciais, nacionais ou estrangeiras”, que exercessem no Brasil as atividades definidas em seu regulamento (Brasil, 1921).

Os esforços para a instituição de mecanismos de organização e controle das atividades bancárias devem ser compreendidos a partir da estrutura da economia brasileira, suas alterações e flutuações. Desde a segunda metade do século XIX a estrutura agrário exportadora sofreu abalos pelo gradual enfraquecimento do sistema escravocrata, incrementado pelo fim do tráfico negreiro (1850), pela aprovação da lei Eusébio de Queiros, e a aprovação das leis do Ventre Livre (1871) e dos Sexagenários (1885) e, por fim, da Abolição (1888). Neste contexto se deu a transição do escravismo para o trabalho livre, com diferentes ações públicas e particulares para introdução de trabalhadores imigrantes europeu e asiático, destinados inicialmente para as áreas rurais e, num segundo momento, para os centros urbanos.

A expansão cafeeira proporcionou a diversificação do capital, impulsionando a maior complexidade da economia e, a partir da segunda metade do século XIX, um surto industrial voltado à produção de bens de consumo populares, como nas áreas têxtil e de alimentos. A disponibilidade de capitais, antes imobilizado no tráfico de escravizados e proveniente da exportação de café, promoveu um movimento de modernização em todo país, permitindo a melhoramento dos portos, a instalação e expansão das ferrovias, reformas urbanas, ampliação dos setores bancário e comercial, e a gradativa integração do mercado interno (Arias Neto, 2003). Nesse processo de expansão e transformação da economia brasileira, o papel de estímulo desempenhado pelo setor exportador reduziria progressivamente após a Primeira Guerra Mundial, com aumento de investimentos não apenas proveniente da exportação cafeeira, mas como parte do desenvolvimento do capitalismo no Brasil (Saes, 1989).

Nas duas primeiras décadas do século XX os diferentes setores econômicos obedeceram às dinâmicas próprias, que se traduziram em fatores como fontes de investimento, incentivo e proteção do Estado ou a ampliação de circuitos internos de renda. Assim, esse período seria marcado também pela expansão das instituições bancárias, reforçando o papel dos bancos como intermediário financeiro e fonte creditícia. Esse movimento seria acompanhado ainda por tentativas de regulação do sistema bancário no período republicano, como forma de garantir estabilidade ao sistema financeiro e assegurar a expansão de crédito (Chavantes, 2003, p. 84-88).

Dentre as medidas de intervenção do governo no sentido da regulamentação do setor, a partir das décadas finais do século XIX, verificou-se uma reforma bancária em 1890, implementada pela política monetária do ministro da Fazenda, Rui Barbosa, que ficaria conhecida pelo nome de Encilhamento. Os decretos n. 164 e n. 165, ambos de 17 de janeiro, determinavam a “ampliação da rede bancária e a consolidação dos bancos de emissão” e, por conseguinte, a expansão do crédito bancário e o impulso à diversificação das atividades produtivas (Chavantes, 2004, p. 12). Em 1896, pela lei n. 359, de 30 de dezembro, os bancos comerciais ficaram impedidos de emitir, que passava a ser privilégio do Tesouro (Chavantes, 2004, p. 12). Em 1905, pelo decreto n. 1.455, de 30 de dezembro, houve a reabertura do Banco do Brasil, que ficou sob controle direto da União e, numa tentativa de normatização do sistema bancário, passou a exercer não somente atividades comerciais, mas também a emissão de moeda, junto com o Tesouro Nacional, operações cambiais e atos relacionados às dívidas interna e externa. Ainda que não operasse como um banco central, por meio do Banco do Brasil o governo poderia efetuar as políticas monetária e cambial (Chavantes, 2004, p. 20-21). Outro momento importante, no sentido de assegurar a estabilidade econômica, foi a criação da Caixa de Conversão, pelo decreto n. 1.575, de 6 de dezembro, destinada a receber moedas de ouro em troca de bilhetes ao portador, “de valor igual ao das moedas de ouro recebidas”, voltando o Brasil a aderir ao padrão ouro (Brasil, 1906, p. 94).

Mas foi a partir de 1919 que o governo interveio de forma mais incisiva no sistema financeiro e na ordenação do setor bancário. O decreto n.13.872, de 12 de novembro, que autorizava o funcionamento da Câmara de Compensação do Rio de Janeiro, com o intuito de ampliar a aceitação do uso de cheques e aumentar a velocidade das transações de débitos e créditos (Chavantes, 2004, p. 56). Na verdade, o decreto n. 2.591, de 7 de agosto de 1912, já havia regulado a emissão e circulação de cheques, e previam o estabelecimento de câmaras de compensação pelos bancos, com autorização do governo federal. No entanto, os bancos privados não se dispuseram estabelecer setores de compensação, motivo pelo qual seria instituído o serviço de compensação no Banco do Brasil, inicialmente no Rio de Janeiro, onde começaria a funcionar em 1921 e, mais tarde, nos “principais centros financeiros do país” (Chavantes, 2004, p. 122).

A criação de uma inspetoria, a fim de “prevenir e coibir o jogo sobre o câmbio, assegurando apenas as operações legítimas”, foi autorizada pelo decreto n. 4.182, de 13 de novembro de 1920, que permitiu ao governo a emissão de papel-moeda. Por esse decreto o governo instituiu uma carteira de emissão e redesconto no Banco do Brasil, com caixa e contabilidade próprias, enquanto não fosse criado um banco especial para esses fins. A carteira de redesconto e emissão tinha por finalidade garantir a liquidez e a estabilidade dos estabelecimentos bancários, desempenhando a função de “emprestador de última instância (Centurião, 2018). Além de uma carteira de redesconto, o decreto previa ainda a instituição de uma fiscalização de bancos e casas bancárias, cuja finalidade era “prevenir e coibir o jogo sobre o câmbio, assegurando apenas as operações legítimas”, e estabelecendo seus critérios (Brasil, 1920a, art. 5). O governo buscava, com tais ações, regular e fortalecer o mercado creditício, garantindo a modernização de suas práticas e a estabilidade monetária e cambial, em que os bancos desempenhavam um papel fundamental para o crescimento econômico (Chavantes, 2004, p. 53). No entanto, pouco mais de um mês depois o decreto sofreria modificações pela lei n. 4.230, de 31 de dezembro de 1920, que aprovou o orçamento para o exercício seguinte, mantendo a carteira de redesconto e extinguindo a de emissão (Brasil, 1920b, § 4º do art. 9º), que seria regulamentada pelo decreto n. 14.728, de 16 de março de 1921.

O regulamento da inspetoria-geral definiu suas e conferiu normas e abrangência da fiscalização dos bancos e casas bancárias, as condições de funcionamento dessas instituições; a obrigatoriedade do registro dos estabelecimentos em funcionamento no país; a imposição da publicação do balancete mensal, dos relatórios administrativos e fiscais ou de “ou de comissões de exames de contas e quaisquer outros documentos impressos” apresentados por ocasião da reunião geral dos acionistas, e o balanço semestral de suas operações; a normatização da exportação de valores e das operações cambiais. A inspetoria-gera coube ainda a fiscalização da cobrança dos impostos do selo e da renda, bem como outros impostos e taxas que tivessem de ser pagos pelos estabelecimentos bancários, acionistas, debenturistas, presidentes, diretores e gerentes, como por quaisquer pessoas que tenham transações com os bancos (Brasil, 1922). O decreto estabeleceu ainda a sanção às disposições do regulamento, além dos recursos cabíveis ao ministro da Fazenda (Brasil, 1922, capítulo X).

Compunham a estrutura da Inspetoria-Geral dos Bancos o inspetor, subinspetor, primeiro escriturário, dois segundos escriturários, dois terceiros escriturários, três quartos escriturários, sete delegados regionais, contínuo porteiro, datilógrafo, fiscais no Distrito Federal e nos estados, em número a ser anualmente fixado por decreto. A fiscalização bancária seria exercida na capital federal pela inspetoria-geral e seus fiscais, nos estados essa função seria executada pelas delegacias regionais e fiscais, onde houvesse, ou pelo delegado fiscal do Tesouro, inspetor da alfândega, administrador da mesa de rendas, coletor federal, ou por quem o ministro da Fazenda designasse (Brasil, 1922, art. 44). Ficava ainda determinado que houvesse um delegado regional em Santos e em cada um dos seguintes estados: Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Pernambuco e São Paulo (Brasil, 1922, art. 51).

Em 1925, o decreto n. 16.827, de 21 de fevereiro, definiu a composição da Inspetoria-Geral dos Bancos, fixando em 58 o número de fiscais destinados ao serviço de fiscalização das operações cambiais e bancárias. Os fiscais seriam distribuídos da seguinte forma: um em cada um dos estados de Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Matto Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catharina, e Sergipe; três em cada um dos estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul; nove nos estados de São Paulo, sendo três na cidade de Santos; cinco no estado de Minas Gerais, e dezoito no Distrito Federal (Brasil, 1926a, art. 1º). O decreto extinguiu os cargos de delegados regionais, a que se referiu decreto n. 14.728, de 1921 (Brasil, 1926a, art. 2º).

Nesse mesmo ano, o decreto n. 17.146, de 16 de dezembro, aprovou o regulamento das consignações em folha de pagamento, para pagamento a associações e caixas beneficentes ou com estabelecimentos de crédito, permitida aos funcionários públicos federais, civis ou militares, ativos ou inativos, aos operários, mensalistas e diaristas a serviço da União. O regulamento atribuiu à inspetoria-geral a fiscalização desses estabelecimentos de crédito e associações de classe autorizadas a transigir com funcionários e pensionistas da União, competindo-lhes não somente examinar e permitir, como também verificar as reclamações relativas a tais operações. À inspetoria-geral coube ainda proceder à aprovação dos estatutos das associações de classe e estabelecimentos de crédito, que deveriam adequar-se aos dispositivos do regulamento aprovado para as consignações, no prazo máximo de dois meses (Brasil, 1926b, art. 61).

A criação de uma inspetoria voltada para a fiscalização das operações bancárias e cambiais obedeceu a política econômica do governo de estabelecer limites à especulação cambial, tendo em vista a estrutura econômica primário-exportadora (Chavantes, 2004, p. 59). A normalização das atividades bancárias e a criação da Inspetoria-Geral dos Bancos contribuíram para a expansão do setor, com o aumento de estabelecimentos bancários nacionais em todo o país. Da mesma forma, o período foi marcado pela modernização do sistema financeiro, com a criação da Câmara de Compensação, que “agilizou a circulação monetária” e ampliou o uso de cheques em transações econômicas, o que conferiu maior segurança às instituições bancárias (Chavantes, 2004, p. 61). Fruto ainda da expansão das instituições financeiras foi a criação da Associação dos Bancos do Estado do Rio de Janeiro, em 1922, e da Associação dos Bancos de São Paulo, em 1924, que desempenharam um importante papel político para o setor, não apenas na promoção de seu desenvolvimento, como também de pressão junto aos poderes públicos (Chavantes, 2004, p. 117).

A sucessão de Washington Luís (1926- 1930) na presidência da República deflagrou uma crise política, ao ser rompido o pacto oligárquico com a indicação do paulista Júlio Prestes, tendo para vice em sua chapa o presidente do estado da Bahia, Vital Soares. Reunidos na Aliança Liberal, os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba apoiaram a candidatura do gaúcho Getúlio Vargas, que compôs chapa com o presidente do estado da Paraíba, João Pessoa. A vitória da chapa oficial, impedida de tomar a posse, deflagrou o movimento armado, dando início ao governo provisório de Getúlio Vargas. A Revolução de 1930 promoveu profundas transformações na organização da administração pública federal, como a criação dos ministérios da Educação e Saúde Pública (MESP), pelo decreto n. 19.402, de 14 de novembro de 1930, e do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), pelo decreto n. 19.433, de 26 de novembro de 1930.

O Ministério da Fazendo passou por alterações decorrentes dessa reorganização, com a transferência de órgãos de sua estrutura para o recém-criado MTIC, e para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores (MJNI). Em 1931, o decreto n. 19.824, de 1º de abril, que reduziu despesas do Ministério da Fazenda, suprimiu órgãos e cargos, dentre esses a Inspetoria-Geral dos Bancos. As informações ou documentos exigidos em virtude do decreto n. 14.728, de 16 de março do 1921, e demais disposições ulteriores, deveriam ser remetidos na capital ao Banco do Brasil, e nos estados às suas filiais, que ficava incumbido “de verificar a regularidade das operações feitas, organizar a respectiva estatística, propor as medidas repressivas ou preventivas que se tornarem necessárias” (Brasil, 1931, art. 14). As demais funções atribuídas à inspetoria passavam a ser exercidas pelo consultor da Fazenda, que nos estados atuaria por meio dos consultores das respectivas delegacias fiscais. Para a revisão semestral dos balanços e contas dos bancos e casas bancárias, ficava o ministro da Fazenda autorizado a organizar um corpo de contadores juramentados (Brasil, 1931, art. 14, §1º e §2º).

 

Dilma Cabral
Jun. 2022

 


Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 4.182, de 13 de novembro de 1920. Autoriza o governo a fazer uma emissão de papel-moeda. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, v. 1, p. 325, 1920a.

BRASIL. Lei n. 4.230, de 31 de dezembro de 1920. Orça a Receita Geral da República dos Estados Unidos do Brasil, para o exercício de 1921. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 325, 1920b.

BRASIL. Decreto n. 14.728, de 16 de março de 1921. Aprova o regulamento para a fiscalização dos bancos e casas bancárias. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 341-357, 1922.

______. Decreto n. 16.827, de 21 de fevereiro de 1925. Fixa o número de fiscais da Inspetoria-Geral dos Bancos. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 120-121, 1926a.

______. Decreto n. 17.146, de 16 de dezembro de 1925. Aprova o regulamento das consignações em folha de pagamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 650-660, 1926b.

______. Decreto n. 19.824, de 1º de abril de 1931. Reduz despesas no Ministério da Fazenda. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, Seção 1, p. 5139-5144, 1931.

CENTURIÃO, L. R. . The Dress Rehearsal: A Instituição de um Banco Central no Brasil em 1923. In: Anais do 46º Encontro Nacional de Economia, 2018. Disponível em: https://l1nq.com/mY0HH. Acesso: 22 jun. 2022.

CHAVANTES, Ana Paula. Consolidação do sistema bancário em São Paulo na década de 1920. 2004. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3QUaoIf. Acesso em: 20 jun. 2022.

 

Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR RJANRIO 23 - Decretos do Executivo - Período Republicano

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional. Mapas - Ministério da Justiça e Negócios Interiores. BR_RJANRIO_4T