Vista da cidade de São Paulo, 1920
Vista da cidade de São Paulo, 1920

A Superintendência-Geral dos Seguros foi criada pelo decreto n. 4.270, de 10 de dezembro de 1901, que regulou o funcionamento das companhias de seguros de vida, marítima e terrestres, nacionais e estrangeiras, sob a subordinação imediata do ministro da Fazenda. A autorização de criação dessa superintendência se deu pela lei n. 741, de 26 de dezembro do 1900, que aprovou o orçamento geral da União para o exercício de 1901 e previu a regulação do funcionamento das companhias de seguros que funcionassem ou viessem a funcionar no território da República (Brasil, 1900, art. 2º, X).

O início das operações de seguros no Brasil se deu a partir da transferência da corte portuguesa, em virtude das mudanças decorrentes da abertura dos portos às nações amigas, pela carta régia de 28 de janeiro de 1808, que rompeu o exclusivo comercial da metrópole sobre o comércio da colônia. Na estrutura produtiva da colônia portuguesa, o comércio marítimo, seja de cabotagem ou de longo curso, constituiu-se, desde meados do século XVIII, num ramo dinâmico da economia, voltado para o abastecimento de mercadorias, alimentos e, principalmente, de escravizados para a lavoura de produtos destinados à exportação (Bohrer, 2008, p. 80-84). Com a instalação da nova sede do Reino no Brasil, verificou-se o incremento das atividades comerciais em virtude da ampliação do mercado consumidor, o que exigiu o fomento ao financiamento e ao crédito para os negociantes e, por conseguinte, a instalação de companhias de seguro.

Em 1808, foram estabelecidas as duas primeiras companhias de seguro em Salvador, a Seguradora Boa Fé e a Conceito Público. Em 1810, seria criada no Rio de Janeiro a Companhia Indemnidade e, em 1814, a Companhia Providente, o que seria seguido pelo surgimento paulatino de novas seguradoras (Bohrer, 2008, p. 101-102). Ainda em 1808, foi instituída a Provedoria de Seguros da Bahia e, em 1810, a do Rio de Janeiro, que eram tribunais especiais que funcionavam junto à Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, estabelecida no Brasil pelo alvará de 23 de agosto de 1808. As provedorias desempenhavam funções administrativas e judiciais referentes à regulação do seguro, com base na legislação portuguesa da Casa de Seguros de Lisboa, órgão criado em 1758 e encarregado de regular os assuntos relativos ao mercado segurador (Bohrer, 2008, p. 71-72).

As companhias seguradoras que se instalavam no Brasil, formadas por grupos mercantis locais, eram direcionadas ao comércio marítimo, o que correspondia ao perfil da estrutura produtiva voltada para o mercado de exportação. Ao longo do século XIX, verificou-se a diversificação e complexificação das atividades econômicas, notadamente com a expansão cafeeira, que financiou um surto industrial, e o gradual enfraquecimento do sistema escravocrata. A ampliação das atividades de crédito e finanças foi acompanhada pelo aumento do número de empresas de seguros nacionais e a entrada das primeiras firmas estrangeiras, que chegam, sobretudo, a partir da década de 1860. Essas companhias estrangeiras eram, em sua maior parte, de origem inglesa, e suas atividades destinavam-se ao seguro das empresas de comércio marítimo, de importação e companhias de navegação (Lanna, 2019, p. 227-228).

Em 1831, foram extintas as provedorias de seguros do Império, pela lei de 26 de julho, a qual estabeleceu que as questões resultantes dos contratos de seguros deveriam estar sob a jurisdição de árbitros nomeados pelas partes perante qualquer juiz de foro comum (Brasil, 1831). Foi somente com a publicação do Código Comercial, aprovado pela lei n. 556, de 25 de junho de 1850, que seriam definidas pela primeira vez normas para a contratação de seguros no país. Ainda que tratasse somente de seguros marítimos, o Código Comercial estabeleceu direitos e deveres das partes contratantes, determinando um padrão para elaboração de contratos de seguro para outras áreas (Ribeiro, 2006, p. 26). Assim, aliada à diversificação da economia, verificou-se uma maior oferta de seguros, que passou a atender não somente o comércio marítimo, mas também riscos terrestres, como transporte de mercadorias, incêndios, inundações, a morte de escravos e o seguro de vida, o recrutamento militar ou a garantia da integralidade de prêmios lotéricos (Payar, 2012, p. 118-123).

Em 1860, foram aprovados dois novos decretos de regulação da atuação das seguradoras. O decreto n. 2.679, de 3 de novembro, passava exigir dos bancos e companhias e sociedades anônimas a apresentação de seus balanços e outros documentos às secretarias de Estado competentes, e o decreto n. 2.711, de 19 de dezembro, determinava várias disposições sobre a criação, organização ou incorporação de bancos, companhias e sociedades anônimas. Ainda que se tenha verificado um grande avanço na regulação dos seguros, o problema do funcionamento das companhias estrangeiras no Brasil e da aplicação da legislação de seus países de origem somente seria resolvido pela lei n. 294, de 5 de setembro de 1895, regulamentada pelo decreto n. 2.153, de 1º de novembro do mesmo ano. A lei dispunha exclusivamente sobre as companhias estrangeiras de seguros de vida, determinando que o total das reservas das apólices vigentes no país fosse empregado em valores nacionais, evitando a remessa de lucros para o exterior (Lanna, 2019, p. 228).

Finalmente, em 1901, foi aprovado o decreto n. 4.270, de 10 de dezembro, que ficaria conhecido como Regulamento Murtinho, nome do ministro da Fazenda do governo Campos Sales (1898-1902), Joaquim Duarte Murtinho, que regulou o funcionamento das companhias de seguros, tanto de vida como marítimos e terrestres, e criou a Superintendência Geral de Seguros, destinada a fiscalizar o mercado segurador do país, que concentrou as atribuições antes executadas por diferentes órgãos. A essa superintendência cabia a fiscalização preventiva, que correspondia à autorização de funcionamento das companhias seguradoras e ao controle de suas operações, em conformidade com seus estatutos, e a fiscalização repressiva, com inspeções regulares e a imposição das multas cabíveis. Estava organizada em duas áreas, a dos Seguros Terrestres e Marítimos e a dos Seguros de Vida, sendo composta pelo superintendente, três auxiliares, secretário, dois primeiros-escriturários, dois segundos-escriturários, contínuo e servente (Brasil, 1901).

As divergências em torno do Regimento Murtinho foram objeto de debate após sua aprovação, especialmente em relação às restrições impostas às companhias estrangeiras, que ficavam submetidas à legislação brasileira. O ministro da Fazenda do governo Rodrigues Alves (1902-1906), José Leopoldo de Bulhões Jardim, revogou a legislação vigente e aprovou o decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, que estabeleceu novo regulamento para as companhias de seguros de vida, marítimos e terrestres, nacionais e estrangeiras, e transformou a Superintendência Geral de Seguros em Inspetoria de Seguros. A inspetoria mantinha a função de fiscalizar o mercado de seguros, composta sua estrutura pelo inspetor, dois escriturários auxiliares, dois fiscais que fossem especialmente nomeados para as companhias estrangeiras, seis subinspetores nos estados e um contínuo. (Brasil, 1903). Assim, a atuação da inspetoria ficava descentralizada nos estados onde funcionassem companhias de seguros, que constituíam circunscrições a serem estabelecidas pelo ministro da Fazenda, ficando esta atividade compartilhada entre a União e os governos estaduais (Lanna; Saes, 2020, p. 536-537).

Em 1911, o decreto n. 9.287, de 30 de dezembro, regulamentou o serviço de fiscalização do governo junto às companhias de seguros estrangeiras, constituindo um corpo de fiscais de seguros subordinado à Inspetoria de Seguros (Brasil, 1911). Em 1916, verificou-se uma regulação importante para o setor, com a promulgação do Código Civil, que avançou nas disposições referentes ao Código Comercial, que disciplinara somente o seguro marítimo. O código legislava sobre o contrato de seguro e as regras para os seguros terrestres e de vida, o que estimulou o desenvolvimento da atividade seguradora no país (Ribeiro, 2006, p. 25).

Em 1920, pelo decreto n. 14.593, de 31 de dezembro, foi aprovado um novo regulamento para o serviço de fiscalização das companhias de seguros nacionais e estrangeiras, que determinou o depósito de caução para as operações de seguros e permitiu ainda o funcionamento das companhias de capitalização no país (Ribeiro, 2006, p. 27). O ato reorganizou também a Inspetoria de Seguros, que passava a compreender três serviços: administrativo, de inspeção e investigação, e técnico. O serviço administrativo seria desempenhado pelo chefe de secção, dois primeiros-escriturários, dois segundos-escriturários, três terceiros-escriturários e quatro quartos-escriturários; o serviço de inspeção e investigação seria composto por vinte e cinco fiscais de seguros e seis delegados regionais; e cabia ao serviço técnico um chefe de seção atuário, um subatuário, um contador e um ajudante de contador. A inspetoria contaria ainda com pessoal auxiliar, compreendendo um porteiro, dois datilógrafos, dois contínuos e dois serventes (Brasil, 1921).

Em 1924, o decreto n. 16.738, de 31 de dezembro, reestruturou mais uma vez a Inspetoria de Seguros e aprovou um novo regulamento, reafirmando suas atribuições de fiscalização da organização, funcionamento e solvabilidade financeira das companhias nacionais e estrangeiras. O ato definia as delegacias regionais, a saber: 1ª, Belém do Pará (compreendendo os estados do Pará e Amazonas); 2ª, São Luiz do Maranhão (Maranhão, Ceará e Piauí); 3ª, Recife (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas); 4ª, São Salvador (Bahia e Sergipe); 5ª, São Paulo (São Paulo, Paraná e Mato Grosso); e 6ª, Porto Alegre (Rio Grande do Sul e Santa Catarina). Os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás e o Distrito Federal ficavam subordinados à sede da inspetoria. Mantinha-se a organização dos trabalhos, distribuídos em três serviços, administrativo, de inspeção e técnico. O serviço administrativo incluía o chefe de seção, dois primeiros-escriturários, três segundos-escriturários, dois terceiros-escriturários e dois quartos-escriturários; o serviço de inspeção contava com seis delegados regionais e vinte e quatro fiscais de seguro; o serviço técnico teria um atuário-chefe, um atuário, um subatuário; um contador e um subcontador, mantido o pessoal para o serviço auxiliar (Brasil, 1925).

A Inspetoria Geral de Seguros não sofreria novas alterações na década de 1920. A chamada Revolução de 1930, crise política em torno da sucessão do presidente Washington Luís (1926- 1930), que impediu a posse da chapa Júlio Prestes-Vital Soares, deu início ao governo provisório de Getúlio Vargas, que promoveria profundas transformações na organização da administração pública federal.

 

Dilma Cabral
Out. 2022

 

Fontes e bibliografia

BOHRER, Saulo Santiago. Mercado de seguros luso-brasileiro: a Casa de Seguros de Lisboa e do Rio de Janeiro (1758-1831). Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. Disponível em: https://bit.ly/3OJH4Tn. Acesso em: 7 jul. 2022.

BRASIL. Lei de 26 de julho de 1831. Extingue as provedorias de seguros das províncias do Império. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 37, 1831.

____. Lei n. 741, de 26 de dezembro de 1900. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 49, 1900.

____. Decreto n. 4.270, de 10 de dezembro de 1901. Regula o funcionamento das companhias de seguros de vida, marítimas e terrestres, nacionais e estrangeiras. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1.264-1.296, 1901.

____. Decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903. Regula o funcionamento das companhias de seguros de vida, marítimos e terrestres, nacionais e estrangeiras. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 747-758, 1903.

____. Decreto n. 9.287, de 30 de dezembro de 1911. Regulamenta o serviço de fiscalização do governo junto às companhias estrangeiras de seguro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 747-758, 1911.

____. Decreto n. 14.593, de 31 de dezembro de 1920. Aprova o novo regulamento para o serviço de fiscalização das companhias de seguros nacionais e estrangeiras. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 12 jan. 1921. Seção 1, p. 776-788.

____. Decreto n. 16.738, de 31 de dezembro de 1924. Reorganiza a inspetoria de seguros e aprova o novo regulamento para o serviço de fiscalização das companhias nacionais e estrangeiras. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 1º jan. 1925. Seção 1, p. 4-16.

COSTA, Ricardo Cesar Rocha da. A atividade de seguros nas primeiras décadas da República. In: ALBERTI, Verena (coord.). Entre a solidariedade e o risco: história do seguro privado no Brasil. Rio de Janeiro: FGV-RJ; Funenseg, 2001.

LANNA. Beatriz Duarte. Circulação de informação econômica, companhias de seguros e a formação de instituições no Brasil. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 225-235, jul./dez. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3P6BtH7. Acesso em: 7 jul. 2022.

LANNA, Beatriz Duarte; SAES, Alexandre Macchione. Companhias de seguro na economia brasileira, 1889-1914. Economia e Sociedade, Campinas, v. 29, n. 2 (69), p. 525-547, maio/ago. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NRlJWG. Acesso em: 7 jul. 2022.

PAYAR, André Javier Ferreira. A escravidão entre os seguros: as seguradoras de escravos na província do Rio de Janeiro (1831-1888). Dissertação (Mestrado em Filosofia e Teoria Geral Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3APr2Dv. Acesso em: 12 jul. 2022.

RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Evolução histórica da regulação da atividade seguradora no Brasil. In: RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de seguros: resseguros, seguro direto e distribuição de serviços. São Paulo: Atlas, 2006. p. 21-50.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundo do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Arquivo Nacional, Fundo Coleção de Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0448_0009