O Hospício de Pedro Segundo foi criado em 18 de julho de 1841, pelo decreto n. 82, destinado especificamente ao tratamento de pessoas com problemas mentais. Seu nome foi uma homenagem ao jovem imperador, que alcançara a maioridade e subira ao trono, tendo sido este o primeiro ato assinado no dia de sua coroação.
Estabelecido como uma instituição de caráter privado, mantido pela Irmandade da Misericórdia através de doações de particulares, o Hospício de Pedro Segundo funcionava anexo ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia, que, desde o período colonial, encarregava-se da assistência caritativa e da saúde no Brasil. Sua construção foi resultado de uma demanda apresentada pela Comissão de Salubridade Geral da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, criada em 1830, que reivindicava a instituição de um local mais adequado para recolhimento e tratamento dos alienados. Até então os loucos não recebiam assistência governamental, eram mantidos em casa ou perambulavam soltos pelas ruas e, no caso de considerados perigosos à ordem pública, eram confinados nas cadeias ou nas insuficientes e precárias enfermarias das Santas Casas de Misericórdia ou no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência.
No Segundo Reinado, tornou-se corrente a ideia de que os loucos deveriam ser recolhidos e tratados em um local próprio, de forma isolada, por médicos especialistas e enfermeiros treinados. A exigência por maior especialização foi resultado do movimento alienista, que, na virada do século XVIII para o XIX, apresentou uma resposta da ciência médica sobre a loucura, distante das especulações religiosas e metafísicas que até então haviam vigorado. Philippe Pinel e sua obra, Tratado Médico Filosófico sobre Alienação Mental (1801), são considerados marcos fundadores do alienismo moderno, ao lado de nomes importantes como Jean-Étienne Esquirol. Assim, o Hospício Pedro II representou simbolicamente a institucionalização do paradigma médico-científico no tratamento da loucura no Brasil, constituindo-se um exemplo concreto do cultivo da ciência no país (TEIXEIRA et RAMOS, 2012, p. 367)
José Clemente Pereira, ex-titular da pasta do Império, e provedor da Santa Casa de Misericórdia, foi o autor do projeto de construção de um asilo para o tratamento de alienados, encaminhado pelo ministro Araújo Vianna, e aprovado pelo imperador. O local escolhido para a construção do chamado ‘palácio dos loucos’ foi uma chácara, denominada Vigário Geral, localizada na Praia da Saudade, e recebida em doação pela Santa Casa em 1838. No local já funcionava uma enfermaria para as ‘mulheres alienadas’, e José Clemente Pereira apontava a possibilidade de criação de uma outra destinada aos homens. Distante do centro urbano, ficava implícita a intenção de afastar o louco do convívio social, o que se somava à justificativa de que um local tranquilo e recluso seria bom para a profilaxia da doença. Já em 1841 foram removidos nove alienados para as instalações provisórias. Em 1842 o médico José Martins da Cruz Jobim foi nomeado o primeiro médico da nova enfermaria do Hospital da Misericórdia (ENGELS, 2001, p. 201).
No final de 1852, o Hospício Pedro II passou a receber alienados oficialmente, sendo a primeira instituição voltada exclusivamente para o tratamento da doença mental, em todo o país. Seus estatutos foram aprovados pelo decreto n. 1.077, de 4 de dezembro de 1852, que regulava seu serviço e administração. O ato definiu que o órgão destinava-se ao “asilo, tratamento e curativo dos alienados de ambos os sexos de todo o Império, sem distinção de condição, naturalidade e religião” (BRASIL, 1853, p. 442). A administração do hospício ficava encarregada a três irmãos da Santa Casa da Misericórdia, que exerceriam as atividades de escrivão, tesoureiro e procurador, nomeados anualmente pela mesa da Irmandade, à qual se subordinavam, sob a superintendência do provedor.
O serviço do hospício seria dividido em econômico, sanitário e religioso, que caberiam respectivamente: a um administrador e empregados subalternos; a facultativos clínicos de cirurgia e medicina, servindo um de diretor, e auxiliados por irmãs da caridade, enfermeiros, serventes, e um farmacêutico, chefe da Botica; e, por fim, o capelão. Com relação à admissão dos alienados, ficava definido que seriam recebidos gratuitamente indigentes, os escravos cujos senhores não possuíssem mais de um e sem meios de pagar o tratamento, e marinheiros de navios mercantes. Os alienados com meios para pagar pelo tratamento seriam admitidos como pensionistas e pagariam valores que variavam segundo as acomodações e serviços oferecidos (BRASIL, 1853). Ainda que destinado a colher e tratar alienados curáveis, conforme a decisão de 10 de janeiro de 1859, onde a Secretaria de Estado dos Negócios do Império comunicava as regras para internação, a maior parte dos internos da instituição eram os chamados ‘incuráveis’ (MACHADO, 1978, p. 474).
Em 1852, o hospício podia receber 150 pacientes, mas dois anos após, com o fim das obras, sua capacidade dobraria para 300 internos, 150 homens e 150 mulheres. A partir de 1852, foram construídos hospícios em outras partes do Império, como São Paulo (1852), Pernambuco (1864), Bahia (1874), Rio Grande do Sul (1884), para citar algumas. No entanto, o hospício da capital foi o de maior destaque do país durante o Segundo Reinado, tendo rapidamente atingido e superado sua capacidade máxima de internamento. Além da superlotação, a partir da década de 1870, o Hospício de Pedro Segundo tornou-se alvo constante de críticas por vários outros motivos, como critérios de admissão e métodos tradicionais praticados no tratamento dos alienados, que evidenciavam a disputa entre a medicina e a caridade no controle administrativo e terapêutico da instituição.
Mas, foi somente em 1890, pelo decreto n. 142-A, de 11 de janeiro, que o Hospício de Pedro II foi desanexado do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, sendo incorporado ao Estado, e passou a denominar-se Hospital Nacional de Alienados. Segundo este decreto, a incorporação do hospício se deu pela necessidade de reformar a assistência médica e legal dos alienados, que seria dotada de um serviço agrícola. E ainda, o Hospício de Pedro II dispunha de renda própria, suficiente para custear suas despesas, cessando, assim, os motivos que determinaram ao governo sua anexação ao hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (BRASIL, 1890, p. 23). Além disso, é importante observar que a Proclamação da República inaugurou a separação entre Estado e Igreja, o que criou as condições políticas necessárias para laicização do tratamento aos alienados na principal instituição de assistência a alienados no Império (TEIXEIRA et RAMOS, 2012, p. 367). Transformado em um estabelecimento público independente, ficavam mantidos os estatutos de 1852, até que novas instruções fossem expedidas.
No relatório do Ministério do Interior, de 1891, o ministro João Barbalho Uchôa Cavalcanti, explica a desanexação da Santa Casa de Misericórdia do Hospício de Pedro II e apresenta um histórico abordando a necessidade de assessoria especializada para doentes mentais e as instituições responsáveis. Assim, seria formalizada pelo governo provisório, através do decreto n. 206-A, de 15 de fevereiro de 1890, a criação da Assistência Médico Legal de Alienados, assinada pelo ministro do Interior, José Cesário de Faria Alvim. A Assistência Médico Legal tinha como atribuição socorrer os doentes alienados, brasileiros e estrangeiros, que carecessem do auxílio público, assim como aqueles que dessem entrada em seus hospícios. O Hospício Nacional era o estabelecimento central da Assistência, por onde transitariam os doentes que fossem admitidos nos asilos. As colônias Conde de Mesquita e São Bento, destinadas aos alienados indigentes, que tivessem capacidade para trabalhos agrícolas e industriais, ficavam anexadas ao Hospício Nacional. O decreto n. 508, de 21 de junho, aprovou o novo regulamento da Assistência, sendo nomeado diretor-geral o médico João Carlos Teixeira Brandão, que já dirigia o Hospício Nacional, e nas colônias o dr. Domingos Lopes da Silva Araújo.
Com a República, a assistência aos alienados passava a ser uma atividade controlada pelo poder público, sendo verificados avanços nos serviços voltados para esse fim. A partir de 1890, foram organizados novos espaços e criados pavilhões no Hospício Nacional, como o de Observações (1892), que ajudaria no suporte à pesquisa e à produção científica, e o Bourneville para os menores alienados (1905), além da inauguração dos serviços agrícolas e industriais nas colônias Conde de Mesquita e São Bento.
Daniela Salzano Hungria Hoffbauer
Jan. 2016
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 82, de 18 de julho de 1841. Fundando um hospital destinado privativamente para tratamento de alienados com a denominação de Hospício de Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 49, 1841.
_____. Decreto n. 1.077, de 4 de dezembro de 1852. Aprova e manda executar os Estatutos do Hospício de Pedro Segundo. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, tomo XV, parte II, p. 442, 1853.
_____. Circular n. 5, de 10 de janeiro de 1859. Aos Presidentes de Província, comunicando as regras estabelecidas para a admissão de alienados no Hospício de Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, tomo XXII, p. 35, 1859.
_____. Decreto n. 142 A, de 11 de janeiro de 1890. Desanexa do hospital da Santa casa da Misericórdia desta capital o Hospício Pedro II, que passa a denominar-se Hospício Nacional de Alienados. Decretos do Governo provisório dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, p. 23, 1890.
_____. Decreto n. 1.132, de 22 de dezembro de 1903. Reorganiza a Assistência a Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 183, 1907.
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TEIXEIRA, Manoel O. L. et RAMOS, Fernando A. C. “As origens do alienismo no Brasil: dois artigos”. In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 364-381, junho 2012.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_Q6 Floriano Peixoto
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
BR_RJANRIO_BD Série Saúde - Clínica Médica - Hospitais - Clínicas Etc. (IS3)
Referência da imagem
Pieter Godfred Bertichem. O Brasil pitoresco e monumental. Rio de Janeiro: Imperial de Rensburg, 1856. Disponível em: <http://bndigital.bn.br/acervo-digital>