Os cargos de governadores, ou comandantes, das Armas foram instituídos nas províncias da colônia a partir de 1821, com a incumbência de administrar e organizar as forças militares. Sua criação foi resultado das transformações feitas pelas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, instaladas em Portugal após o movimento liberal iniciado em agosto de 1820 na cidade do Porto, visando recuperar a posição do país no cenário europeu e reconquistar a hegemonia política do Reino no império luso-brasileiro. Uma das principais medidas tomadas pelas Cortes foi a alteração das formas de governo das capitanias, com a criação das juntas provisórias e dos governadores das Armas subordinados diretamente a Portugal.
A primeira referência ao cargo encontrada na legislação é o decreto de 1º de setembro de 1821, que reorganizou administrativamente a província de Pernambuco, criou o cargo de governador das Armas e mandou instalar uma Junta Provisória do Governo, que tinha toda a autoridade e jurisdição nos âmbitos civil, econômico, administrativo e de polícia.
Em outubro do mesmo ano, o decreto do dia 1º, expedido pelas Cortes, ordenou a criação destas juntas em todas as províncias onde elas ainda não existissem e determinou que o comando militar nestas localidades passasse a ser exercido pelo governador das Armas, que seria um militar com a patente de general.
O estabelecimento desses novos cargos promoveu a separação das atribuições administrativas e militares, que antes estavam compreendidas entre as competências dos capitães e governadores. De acordo com o citado decreto de 1º de outubro, os governadores das Armas se constituiriam como uma instância independente das juntas provisórias de governo e suas funções seriam reguladas pelo regimento de 1º de junho de 1678 e por outros atos posteriores. Segundo este regimento, cabiam aos governadores o julgamento dos crimes cometidos por militares, o envio de informações sobre o estado das fortificações, trens e apetrechos de guerra para o rei, entre outras responsabilidades.
Após a independência do país em 1822, a Constituição outorgada em 1824 manteve a divisão do território brasileiro em províncias, possuindo cada uma delas uma estrutura administrativa que incluía um presidente, indicado pelo imperador, e um conselho geral, com representantes locais eleitos indiretamente. Em 1829, a provisão do Conselho Supremo Militar de 11 de maio, esclareceu os limites da atuação dos presidentes das províncias e dos governadores das Armas em relação à administração militar, definindo que os presidentes eram responsáveis pela inspeção das fortalezas e fortificações e por assistir os exercícios das tropas, aprovar ou desaprovar as nomeações feitas pelos governadores das Armas para os empregos de comandantes de fortalezas e outros postos militares. Ao governador das Armas cabia regular, dirigir e inspecionar a economia, disciplina e preparo de toda a tropa, bem como a instrução das tropas de primeira e segunda linha, além de nomear, dependendo da aprovação do presidente, os comandantes das fortalezas e outros postos militares, remeter aos presidentes todos os requerimentos e representações de militares, propostas e ofícios, e cuidar do provisionamento da tropa.
Em 1830, o decreto de 28 de junho unificou a denominação dos cargos, determinando que os governadores das Armas existentes também passassem a ser chamados de comandantes. No ano seguinte, o decreto de 5 dezembro mandou suprimir os comandos das Armas das províncias de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, mas os cargos de outras províncias vigoraram até o final do Império, recebendo uma grande regulamentação pelo decreto n. 293, de 8 de maio de 1843. Tal ato ampliou as atribuições do cargo, que passaram a compreender, entre outras, o comando dos oficiais do Exército, de comissão, de linhas e corpos, praças de pré e outros em atividade de serviço ou reformados; a superintendência das tropas da Guarda Nacional ou das forças provinciais colocadas à sua disposição; a direção e fiscalização do material das fortificações, baterias e pontos militares; a elaboração dos planos de defesa do país; a administração dos acampamentos e obras de fortificação; a nomeação dos oficiais para comando e empregos nas fortalezas, pontos militares e comissões; a distribuição de santo-e-senha de acordo com o método estabelecido pelo imperador; o zelo pelo cumprimento dos regulamentos do Exército; a fiscalização da qualidade e da quantidade dos gêneros distribuídos pelas tropas, da receita e despesa de ranchos, hospitais e escolas regimentais, assim como de todos os objetos referentes à economia, administração, contabilidade e escrituração de livros; a manutenção da regularidade dos uniformes das tropas; a nomeação dos conselhos de investigação para formação de culpa dos réus militares, e dos conselhos de Guerra para o julgamento dos mesmos; e o envio do mapa geral das forças, para a Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, na Corte, e para os presidentes, nas províncias.
Sua extinção se deu pelo decreto n. 431, de 2 de julho de 1891, já após a Proclamação da República, quando o território brasileiro foi dividido militarmente em sete distritos, cada um deles com um comando próprio, vinculado ao Ministério da Guerra.
Angélica Ricci Camargo
Jun. 2013
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 293, de 8 de maio de 1843. Aprova o Regulamento sobre as atribuições dos Comandantes das Armas. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 61, 1868.
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à República: momentos decisivos. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo; TAPAJÓS, Vicente. Organização e administração do Ministério da Guerra no Império. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público; Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1986. (História Administrativa do Brasil, v. 16).
SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SLEMIAN, Andréa. “Delegados do chefe da nação”: a função dos presidentes de província na formação do Império do Brasil (1823-1834). Almanack brasiliense, São Paulo, n. 6, p. 20-38, nov. 2007.
SOUZA, Iara Lis Franco S. Carvalho. A pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1831). Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_EG Junta da Fazenda da Província de São Paulo
Referência da imagem
Diogo de Campos Moreno. Livro que dá razão do estado do Brasil. Cartografia atribuída a João Teixeira Albernaz I. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968. Arquivo Nacional, ACG02522