A Relação da Bahia foi criada em 7 de março de 1609 como um tribunal de apelação na colônia, à semelhança da Relação de Goa, estabelecida em 1554 na Índia portuguesa. Na verdade, a primeira proposta de instalação de uma relação na Bahia data de 1588, mas o tribunal não chegou a ser implantado nesse ano. O regimento elaborado nessa ocasião serviu, com pequenas alterações, para estabelecer sua estrutura, atribuições e procedimentos internos em 1609, tendo a Casa de Suplicação de Lisboa como modelo de organização (Schwartz, 1979 p. 41-45).
No reinado de Filipe II, durante a União Ibérica (1580-1640), a estrutura judicial e administrativa portuguesa sofreu uma revisão: a Casa do Cível foi abolida, e a Casa de Suplicação, estabelecida em caráter permanente, recebeu um novo regulamento, além de ser criado um tribunal superior, a Relação do Porto (Schwartz, 1979, p. 41). A Casa de Suplicação era o tribunal encarregado do julgamento final dos pleitos judiciais da corte portuguesa, exercendo jurisdição também sobre as comarcas de Estremadura, Alentejo, Algarve, Castelo Branco e Ultramar. Em última instância, a Casa de Suplicação encarregava-se de receber os agravos e apelações da Relação do Porto e, naquilo que excedia sua alçada, das ilhas atlânticas e do ultramar, além dos juízos privativos e comissões cíveis e criminais (Hespanha, 1994, p. 228-229). Em 1554, foi criada a Relação de Goa, primeiro tribunal de apelação estabelecido fora dos limites de Portugal, numa tentativa de reduzir o volume dos processos e agilizar a aplicação da justiça nas possessões ultramarinas (Schwartz, 1979, p. 17).
Segundo o regimento de 1609, a Relação da Bahia era presidida pelo Governador-geral do Estado do Brasil, e sua estrutura era composta de dez desembargadores, que desempenhavam as seguintes funções: um chanceler, que serviria também de juiz da Chancelaria e das Três Ordens Militares; três desembargadores de agravos e apelações; um ouvidor-geral das causas cíveis e do crime; um juiz dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco; um procurador da Coroa, Fazenda e Fisco, que serviria igualmente como promotor de justiça; um provedor dos defuntos e resíduos; e dois desembargadores extravagantes, além de outros oficiais. Nos casos estabelecidos pelo regimento, caberia a interposição de agravos e apelações somente à Casa de Suplicação de Lisboa.
A invasão holandesa e os altos custos decorrentes da manutenção de tropas e fortificações entre os anos de 1624 e 1625, as constantes críticas da elite colonial ao controle e interferência da Relação em seus negócios, o conflito de interesses com outros órgãos da administração colonial e a preocupação com o aumento da burocracia acabaram por contribuir para a suspensão do funcionamento do tribunal de apelação no Brasil (Schwartz, 1979, p. 173-187). A partir de então, a estrutura judicial da colônia manteve-se sob a alçada do ouvidor-geral até 1652, quando a Relação da Bahia foi restabelecida (Relação da Bahia, 1994, p. 694). Contribuiu para sua retomada uma série de fatores, como o crescimento e a diversificação da economia, que criavam novas demandas para o sistema administrativo e judicial e teriam corroborado as sucessivas petições encaminhadas pela Câmara de Salvador ao Conselho Ultramarino, em Lisboa, com queixas sobre as despesas necessárias para interposição de recursos nos tribunais da corte (Schwartz, 1979, p. 192-193).
Restabelecida a Relação da Bahia, o regimento aprovado em 12 de setembro de 1652 definiu sua estrutura, composta de oito desembargadores, que desempenhavam as seguintes funções: um chanceler, que serviria também de juiz da Chancelaria; dois desembargadores de agravos e apelações; um ouvidor-geral dos feitos e causas crimes, que serviria também de auditor da gente de guerra; um ouvidor-geral dos feitos e causas cíveis, que serviria também de auditor das causas cíveis entre privilegiados e soldados; um juiz dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco; um procurador dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, e promotor de justiça; um provedor da Fazenda dos defuntos e resíduos; e oficiais diversos. A estrutura da Relação foi alterada apenas em 10 de novembro de 1698, quando, em resposta a uma consulta ao Conselho Ultramarino, foi elevado para dez o número de desembargadores do órgão (Schwartz, 1979, p. 200; Biblioteca Nacional, 1950, p. 35-36). A função de juiz dos cavaleiros das Três Ordens Militares, prevista no regimento de 1609 e ausente em 1652, foi incluída entre as atribuições de seus desembargadores em 11 de outubro de 1724 (Schwartz, 1979, p. 1999; Biblioteca Nacional, 1950, p. 54).
A Relação da Bahia manteve-se como o único tribunal superior da colônia até 1751, quando foi criada a Relação do Rio de Janeiro. Passariam as duas relações a dividir a jurisdição do Estado do Brasil, cabendo ao Rio de Janeiro todo o território ao sul da Bahia, compreendendo as comarcas do Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Rio das Mortes, Sabará, Rio das Velhas, Serro do Frio, Cuiabá, Goiás, Itacazes (Campos dos Goitacases), Ilha de Santa Catarina, Paranaguá e Espírito Santo. Transformada a Relação do Rio de Janeiro em Casa de Suplicação, pelo alvará de 10 de maio de 1808, sua jurisdição passou a incluir também os agravos ordinários e as apelações do Pará, Maranhão, ilhas de Açores e Madeira, bem como os da Relação da Bahia, que até então eram remetidos para a Casa de Suplicação de Lisboa.
Havia ainda, na estrutura das relações da Bahia e do Rio de Janeiro, uma Mesa do Desembargo do Paço, para despacho das matérias privativas da jurisdição desse órgão. O alvará de 22 de abril de 1808, que criou na corte o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Mesa da Consciência e Ordens, extinguiu a Mesa do Desembargo que existia na Relação do Rio de Janeiro, mas manteve-a funcionando na Relação da Bahia, devido aos inconvenientes para os vassalos sob sua jurisdição, que tinham de recorrer ao novo tribunal na corte. Além disso, as longas distâncias e a dificuldade de comunicação a que estavam submetidos os colonos para terem acesso ao sistema judicial, somadas ao aumento demográfico e à maior importância econômica que a colônia adquiriu no século XVIII, levaram à criação de juntas de Justiça, dada a dificuldade de as regiões mais afastadas serem atendidas pelas relações (Wehling, 1986, p. 154).
Novas mudanças na jurisdição da Relação da Bahia se deram com a instalação da Relação do Maranhão, em 1811, regulamentada pelo alvará de 13 de maio de 1812. Seu estabelecimento foi resultado de um parecer da Mesa do Desembargo do Paço, feito em razão da representação dos moradores da cidade de São Luís e do ofício e requerimento do procurador da Coroa sobre as constantes reclamações acerca da morosidade e parcialidade que envolviam a administração da justiça na capitania. Com a mesma graduação que tinha a Relação da Bahia, o tribunal do Maranhão exerceu jurisdição sobre as comarcas do Maranhão, Pará e Rio Negro, desmembradas da Relação de Lisboa, além de Piauí e Ceará Grande, separadas do distrito da Relação da Bahia. Posteriormente, em 1821, foi criado ainda o Tribunal da Relação da Vila do Recife, na capitania de Pernambuco, tendo sido esta a última relação estabelecida antes da independência.
A Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820, e o retorno de d. João VI a Portugal acentuaram a crise política, que desembocou no processo de independência política do Brasil em 1822. As Cortes Gerais e Extraordinárias e Constituintes de Lisboa, encarregadas de elaborar a Constituição, adotaram medidas que visavam a reforçar a condição colonial do Brasil, em um claro retrocesso político-administrativo após o país ter sido alçado à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves em 1815. Uma das medidas adotadas pelas Cortes Gerais foi a lei de 13 de janeiro de 1822, que extinguiu os tribunais criados no Rio de Janeiro após a vinda da corte em 1808. A Casa de Suplicação seria reduzida à posição de relação provincial, como as da Bahia, Recife e Maranhão, e os recursos e apelações de suas comarcas deveriam ser interpostos para Lisboa.
Com a Independência, a Constituição outorgada em 1824 promoveu novas mudanças no sistema judiciário brasileiro. Segundo o texto constitucional, as relações deveriam ser constituídas nas províncias em que fossem necessárias, devendo julgar as causas em segunda e última instância, estando sujeitas a um novo tribunal, o Supremo Tribunal de Justiça, criado em 1828.
Dilma Cabral
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos, v. 90, p. 35-36, 1950.
HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.
RELAÇÃO da Bahia. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.) Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994. p. 693-695.
SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979.
SUBTIL, José. Governo e administração. In: MATTOSO, J. História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993, v. 4. p. 180-181.
WEHLING, Arno. Administração portuguesa no Brasil de Pombal a d. João (1777-1808). Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1986. (História Administrativa do Brasil, v. 6).
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_83 Relação da Bahia
BR_RJANRIO_2H Diversos SDH - Caixas
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
Referência da imagem
Avaliação dos ofícios do distrito da capitania da Bahia feita no ano de 1689, aprovada pela Junta dos Três Estados em 1695. Arquivo Nacional, Fundo Relação da Bahia, códice 539, v. 3, f. 06v